Recifes artificiais: uma antítese da poluição marítima?

Inspirados nos recifes de corais, os artificiais são formados por sucatas. Estratégia já era utilizada por índios tupinambás no Brasil.

Por Redação em 19 de janeiro de 2024 7 minutos de leitura

recifes artificiais

A 20 quilômetros da costa do estado norte-americano do Texas, uma estrutura foi instalada no fundo do oceano por pesquisadores para ajudar a recuperar a vida marinha local. O detalhe é que a instalação é formada por 76 milhões de toneladas de sucatas, dando origem a um dos maiores recifes artificiais do mundo, em referência aos recifes naturais, formados por corais. 

Segundo estudos preliminares, além de abrigar espécies marinhas, o recife artificial contribui para a captura de carbono, o que poderá abrir caminho para a construção de outros recifes. Por meio de veículos operados remotamente, equipados com câmeras de vídeo de alta definição e sonares acústicos, os pesquisadores da Universidade do Texas no Rio Grande Valley estão medindo a quantidade de carbono presente nos peixes do RGV. Os resultados são animadores.

Recifes artificiais, filtro de ar a base de sucata e peixe

Foto: Reprodução/ Fast Company Brasil

‌O recife artificial do Texas é formado por 76 milhões de toneladas de materiais, incluindo também blocos de concreto e, curiosamente, cerca de 11 quilômetros de trilhos de trem doados pela companhia ferroviária BNSF Railway. Maior recife artificial da costa do Texas, o RGV foi implantado em 2015 com o objetivo de preservar o ecossistema. Atualmente a área abriga mais de 100 espécies de peixes e 300 mil pargos em apenas um dos diversos micro-habitats dentro do recife. 

A efetividade da instalação na captura de um dos principais gases de efeito estufa está em um de seus residentes – os peixes. Assim como plantas e árvores capturam gás carbônico (CO2) via fotossíntese e o armazenam em sua biomassa, os peixes o armazenam em seus tecidos. O processo começa na superfície, quando peixes menores se alimentam de plâncton (que contêm carbono em sua estrutura); peixes maiores se alimentam dos menores; e com isso o carbono é transferido de um peixe para outro. Quando um peixe morre, a matéria orgânica afunda e o carbono fica retido nos sedimentos do leito oceânico.

Imitando a natureza, mas com cautela

recifes artificiais

Imitando ambientes de recifes naturais, as estruturas feitas de materiais como concreto, metais e madeiras depositadas no fundo de oceanos visam atrair peixes e outros organismos vivos, como corais, algas, esponjas, contribuindo para a preservação de ecossistemas marinhos.

Além de aumentar as populações de peixes, os recifes artificiais restauram habitats naturais perdidos devido às mudanças climáticas. São barreiras contra a erosão costeira, abrigo para espécies ameaçadas de extinção e locais para turismo, por meio de mergulho recreativo. Também contribuem para pesquisas científicas e são alternativa para países onde a pesca marítima é uma das principais fontes de alimento e renda. Visualmente são muito parecidos com recifes, possibilitando também que a economia de cidades litorâneas se beneficiem do turismo, com os devidos cuidados com o ambiente marinho. 

Além de serem criados intencionalmente, os recifes artificiais também podem surgir acidentalmente, como os navios naufragados que viram refúgios para peixes. Barcos, pilastras de piers e até mesmo plataformas de petróleo afundados acabam se transformando, com o passar do tempo, em recifes
artificiais.  

São, ainda, considerados por estudiosos, redirecionadores de pressões antrópicas (as que os homens executam sobre o meio ambiente), como pesca excessiva e impactos negativos gerados pelo mergulho recreativo (por exemplo, danos físicos ao ecossistema e interrupção da reprodução e alimentação dos animais).

Por outro lado, recifes artificiais construídos em áreas rasas podem alterar o balanço sedimentar e gerar erosão costeira. Os pesquisadores também alertam para o fato de que o uso de materiais danosos ao meio ambiente (que soltam tinta ou outras substâncias) usados para implementar recifes artificiais podem poluir o local.

No Brasil

recifes artificiais
Foto: Reprodução/ Mar do Ceará

Sede da segunda maior costa coralina do mundo, o Brasil também tem recifes artificiais. Um dos principais fica no litoral do Paraná, entre o Parque Nacional Marinho de Currais (município de Pontal do Paraná) e as Ilhas Itacolomis (entre Pontal e a cidade de Matinhos), formando o ponto conhecido como Parque dos Meros. Foi criado pela Associação MarBrasil, que atua para conservação, educação ambiental e desenvolvimento sustentável em ambientes marinhos e costeiros. 

O recife artificial paranaense foi implantado em etapas para melhorar as condições de reprodução e abrigo de espécies marinhas, algumas até ameaçadas de desaparecimento. O turismo é outro benefício. “Sem dúvidas, o que torna especial a atividade de mergulho no litoral paranaense são os recifes artificiais, com paisagens submersas ricas em biodiversidade. Os recifes artificiais são verdadeiros berços para multiplicação e preservação de espécies antes consideradas até extintas em nosso litoral. O maior exemplo identificado é o Mero que pode pesar de 250 a 400 quilos e medir até três metros. Dóceis e curiosos, eles conferem características únicas para a prática do turismo de mergulho”, comenta Robin Loose, coordenador de Logística e Operações Náuticas na Associação MarBrasil. 

Afundamento proposital

Outro estado brasileiro entusiasta de recifes artificiais é a Bahia. Em 2020, o ferry boat (tipo de barco de serviço regular que faz travessias curtas para transporte de passageiros, veículos ou mercadorias) Agenor Gordilho, que chegou a transportar até 600 passageiros (por viagem) de Salvador a Itaparica, foi afundado artificialmente e se transformou em morada de peixes e atração turística. 

Atualmente há 20 pontos de naufrágio na cidade, que geraram, assim, recifes artificiais sem interferência humana intencional. O naufrágio mais antigo é do barco Galeão Sacramento, ocorrido há mais de 300 anos. 

Em 2023, o governo do estado autorizou o afundamento controlado de embarcações (antigo ferry-boat Juracy Magalhães e casco do navio-varredor Anhatomirim), previsto para 2024, para criação de recifes artificiais na Baía de Todos-os-Santos. O objetivo é incrementar o turismo de mergulho. 

Jardineiros do mar, do Ceará para o mundo

Colonização de recifes artificiais é uma das ações do projeto Cidadão do Oceano, do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará, que busca regenerar florestas marinhas e criar modelos de negócio que tornem a atividade economicamente rentável.

O projeto cearense foi selecionado para integrar o programa de pesquisa e inovação Horizont Europe, da União Europeia (UE), que tem o intuito de reforçar a base científica e tecnológica do bloco de países a partir de soluções para transformações ecológica e digital. 

O programa europeu incentiva a participação de cidadãos em atividades como transplante de algas marinhas, corais e outros animais marinhos. O Horizont Europe também busca a colonização de recifes artificiais e maricultura, que é a produção de ampla variedade de organismos aquáticos marinhos (algas, crustáceos, moluscos, peixes). Os cidadãos-ajudantes exercem, portanto, uma profissão inesperada: jardineiro marinho. Assim, o programa quer ajudar a gerar empregos por meio da exploração sustentável de recursos costeiros e de planos de restauração articulados, contando com 23 parceiros, como universidades, centros de pesquisa, organizações não-governamentais e empresas, de nove países, que trabalham em conjunto nos oceanos Ártico e Atlântico e nos mares Báltico, Vermelho e Mediterrâneo.

O protocolo de ações é aplicado na ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, na Espanha, e outros locais do mundo são visitados para comparação de dados sobre a vida marinha. A ideia é comparar as regiões para replicar o protocolo em outras partes do mundo. 

Sérgio Rossi, professor do LABOMAR e coordenador do projeto Cidadão do Oceano, explica que, no programa Horizont Europe, as equipes de trabalho atuam para alcançar a regeneração de uma área impactada do arquipélago espanhol. “O trabalho deve ser muito sinérgico, seguindo um protocolo definido e alimentado por diferentes profissionais”, diz. A intenção é que, após a consolidação de projetos-piloto na Europa, as ações também possam ser aplicadas no Ceará, por meio do LABOMAR.

Recife de pneu

O Ceará tem outras iniciativas ligadas a recifes artificiais. O Projeto Recifes Artificiais Marinhos – Labomar – UFC constrói esse tipo de estrutura com algo inusitado: pneus. Assim, viabiliza novas áreas de pesca no litoral, estimulando a aglomeração e a permanência de peixes, crustáceos, algas e outros organismos de valor comercial, o que beneficia produtores que vivem da pesca. 

Os novos locais de pesca são previamente escolhidos pelos pescadores, o que evita gastos com insumos (combustível, gelo, isca) utilizados na busca por bons lugares para pescar. De 1994 a 2001, o projeto instalou mais de 30 recifes artificiais, como os da Praia da Baleia (Itapipoca) e da Barra da Sucatinga (Beberibe).

O Recifes Artificiais  Marinhos – Labomar – UFC conta com participações de associações, colônias de pescadores e prefeituras. E apoio da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), da Petrobras, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama-DF), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semace), da Fundação Cearense de Auxílio à Pesquisa (Funcap) e de empresas privadas do setor.

Com um módulo de oito pneus é possível instalar um recife artificial, mas atualmente o projeto desenvolve estruturas que envolvem de 4 mil a 6 mil pneus para cada comunidade atendida. É aguardado um período de três meses para que ocorra a colonização das espécies marinhas – e as pescarias sejam produtivas.

Entre as vantagens do uso de pneus em recifes artificiais estão o baixo custo de instalação, a grande disponibilidade do insumo e o longo tempo de vida (dezenas de anos). Ao evitar sua exposição inadequada em terrenos baldios, lixões e oficinas mecânicas, o uso de pneus como insumo para recife artificial impede a proliferação de insetos transmissores de doenças como dengue e malária. Além disso, deixar de incinerar pneus nos aterros sanitários diminui a contaminação do ar nas cidades.

Embora peculiares e ainda pouco conhecidos no Brasil e no mundo, os recifes artificiais datam de períodos anteriores à chegada dos portugueses ao território brasileiro. Em live em dezembro de 2022 promovida pela Associação MarBrasil, Ariel Scheffer, que é oceanógrafo e presidente da associação, contou que “recifes artificiais foram utilizados por índios tupinambás no Brasil, que faziam estruturas de madeira e pedra para agregar e atrair peixes, para que morassem perto desses habitats novos. E ali os índios tinham um novo recurso pesqueiro – e mais fácil de ser capturado”.