IA: de ameaça à aliada do setor imobiliário

Em palestra no SOMA 24, advogada e especialista em proteção de dados pessoais Juliana Abrusio fala das oportunidades e desafios da IA.

Por Nathalia Ribeiro em 21 de agosto de 2024 6 minutos de leitura

Juliana Abrusio IA
Juliana Abrusio, advogada especialista em direito digital e proteção de dados pessoais. (Foto: Gerson Jr)

Embora a Inteligência Artificial (IA), em primeira instância, possa despertar medos e desconforto no ser humano, influenciado por representações cinematográficas dramáticas onde a tecnologia é vista como uma ameaça, a realidade é bem diferente. Atualmente, já é possível observar os benefícios dessa tecnologia em áreas como diagnósticos médicos, cirurgias, operações de resgate, além do mercado imobiliário e da construção civil.

Se por um lado há especialistas que alertam para a quantidade significativa de empregos que será automatizada, outros veem essa transformação como um catalisador para a criação de novas oportunidades. É o caso de Juliana Abrusio, advogada especialista em direito digital e proteção de dados pessoais, que marcou presença no evento SOMA 2024, organizado pelo Instituto Mulheres do Imobiliário. Para ela, ao contrário de nos encaminharmos para um cenário de desemprego em massa, estamos na verdade à beira de uma era de cooperação sem precedentes. “A Inteligência Artificial está se posicionando não como substituta, mas como complemento às capacidades humanas, potencializando inovações e melhorias em praticamente todos os aspectos da vida cotidiana”, disse ela, que também assessora empresas no processo de implementacão de IA. 

A IA está revolucionando os setores da construção e do imobiliário

Embora o mercado imobiliário e o setor da construção civil sejam percebidos como setores tradicionais, eles têm demonstrado uma grande receptividade a inovações tecnológicas, a exemplo da IA. O interesse crescente é motivado pela capacidade da IA de transformar diversas facetas do setor, desde a otimização de atendimento até a personalização da experiência do cliente. “Em diversos rankings, os setores imobiliário e de construção sempre figuram entre os que mais utilizam a Inteligência Artificial. No setor imobiliário brasileiro, por exemplo, um estudo recente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), realizado pela Brain Inteligência Estratégica, revelou que 19% das empresas já adotam ferramentas de IA em diversas operações. Além disso, 86% das empresas reconhecem e avaliam positivamente o avanço dessas tecnologias, o que indica uma compreensão clara de que a IA veio para ficar “, observa a especialista.

De acordo com estimativas do McKinsey Global Institute (MGI), a implementação da IA pode gerar um impacto econômico no mercado imobiliário global estimado entre 110 e 180 bilhões de dólares. Esse dado não apenas sublinha a importância cada vez maior da IA, mas também destaca as oportunidades significativas que ela traz para o setor.

Do design à automação

À medida que a tecnologia avança, a IA está se tornando um vetor de transformação no mercado imobiliário. De acordo com Juliana, este impacto não se limita a melhorar processos existentes. Ele está redefinindo completamente áreas como design, construção, personalização de espaços e automação de tarefas.

No design e na arquitetura, a IA está possibilitando a criação de projetos mais inteligentes e adaptativos. Utilizando algoritmos avançados, os designers podem agora desenvolver layouts que não apenas maximizam o uso do espaço, mas também consideram fatores ambientais para melhorar a sustentabilidade e a eficiência energética dos edifícios.

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Na construção, a implementação de IA está simplificando operações complexas. Drones equipados com IA, por exemplo, estão sendo usados para monitorar o progresso das obras e identificar problemas antes que eles se tornem custosos ou perigosos. Quando se trata de personalização de espaços, sistemas inteligentes analisam as preferências dos usuários e seus padrões de vida para sugerir designs personalizados que não só otimizam o espaço, mas também refletem o estilo e as necessidades individuais dos moradores. 

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Por fim, a automação de tarefas administrativas pode ajudar na análise de crédito para aumentar a eficiência e segurança para locadores, investidores ou empresários. As análises de crédito são realizadas de forma automatizada com decisões também automatizadas, conforme permitido pela Lei Geral de Proteção de Dados. Além disso, os assistentes virtuais e chatbots automatizam processos com precisão e capacidade de memória que trazem um valor comercial considerável, uma vez que alguns oferecem suporte às imobiliárias na criação de listagem de propriedades de forma eficaz.

“Esta etapa é fundamental no início do processo de vendas, pois uma listagem bem construída pode aumentar significativamente as chances de sucesso nas transações imobiliárias, facilitando a conexão entre vendedores e compradores de forma mais rápida e assertiva”, disse a advogada.

Até mesmo a realidade aumentada se tornou uma ferramenta valiosa no setor imobiliário ao oferecer a possibilidade de vivenciar uma visita a um imóvel de maneira virtual. A tecnologia elimina a necessidade de deslocamento físico, permitindo que potenciais compradores ou locatários explorem propriedades de qualquer lugar. “Diversas imobiliárias estão usando realidade aumentada no pré-atendimento, o que tem demonstrado um aumento significativo na conversão de vendas, chegando a até 60% em alguns casos”, afirma Juliana.

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Melhorando a qualidade de vida, a segurança e a eficiência 

Dessa maneira, a IA tem se tornado uma força transformadora na sociedade contemporânea, oferecendo uma ampla gama de benefícios. Para Juliana, ela é importante na melhoria da qualidade de vida ao tornar o acesso a informações e serviços mais ágil e acessível. Com o surgimento de assistentes virtuais e chatbots, a obtenção de respostas rápidas e precisas tornou-se uma experiência cotidiana. Esses sistemas avançados são capazes de processar grandes volumes de dados e fornecer informações relevantes instantaneamente, facilitando a tomada de decisões informadas em diversos contextos, desde questões pessoais até profissionais. “Ao melhorar a tomada de decisões, a economia de recursos é um benefício direto. A inovação, que é altamente valorizada no mercado atual, atrai investidores em busca de novas soluções e ideias”, disse ela. 

Além disso, a IA melhora a eficiência operacional em diversos setores ao automatizar tarefas repetitivas e otimizar processos. Isso não apenas reduz custos operacionais, mas também libera os profissionais para se concentrarem em atividades mais criativas e estratégicas. 

A análise de sentimentos e emoções, muitas vezes referida como microtargeting, é uma aplicação emergente da IA que tem grande potencial para melhorar a comunicação e a interação social. Ferramentas de análise de sentimentos ajudam empresas a compreender melhor as necessidades e preferências dos consumidores, permitindo um atendimento mais personalizado e eficaz. Segundo a advogada, essa capacidade de entender as emoções humanas também tem aplicações no suporte psicológico e na melhoria das relações interpessoais.

Desafios da IA colocados na mesa

É evidente que, à medida que a Inteligência Artificial se torna cada vez mais integrada ao cotidiano, ela traz consigo desafios que precisam ser enfrentados para garantir que seu impacto seja positivo e ético. Um dos desafios mais críticos é o viés presente nos sistemas de IA. Esses algoritmos são treinados com grandes volumes de dados, que muitas vezes refletem preconceitos e desigualdades existentes na sociedade. Como resultado, a IA pode perpetuar e até amplificar esses viéses, levando a decisões injustas ou discriminatórias. 

Outra questão importante abordada pela palestrante é a proteção dos direitos autorais. À medida que a IA se torna mais capaz de gerar conteúdos, desde textos e imagens até músicas e vídeos, surge a preocupação sobre quem detém os direitos autorais dessas criações. A autoria e a propriedade intelectual tornam-se complexas quando uma máquina cria algo novo com base em dados e exemplos preexistentes. “Os direitos autorais sempre estiveram presentes e continuarão a existir, mas enfrentamos desafios regulatórios. Atualmente, há um projeto de lei que aborda essas questões, visando proporcionar segurança jurídica, algo crucial para os investidores. É fundamental que as regras sejam claras e bem definidas”, ressalta a advogada.

A confiabilidade da Inteligência Artificial (IA) é um aspecto que também merece atenção especial. Embora a IA tenha avançado significativamente e ofereça inúmeras vantagens, é importante reconhecer que ela não é infalível e pode, de fato, fornecer informações falsas ou imprecisas. “Precisamos estar atentos tanto aos cuidados jurídicos quanto técnicos e à necessidade de revisar os conteúdos. Um exemplo é o caso de um advogado que entrou com uma ação nos Estados Unidos e, posteriormente, o juiz descobriu que a decisão nunca havia sido proferida. Quando o advogado foi confrontado, ele alegou que a culpa era da Inteligência Artificial. No entanto, nós somos responsáveis pelo conteúdo que produzimos; a máquina em si não pode ser processada. Pelo menos no cenário atual, a responsabilidade recai sobre nós e é importante revisar tudo com cuidado”, alerta a especialista.

Oportunidades na era da Inteligência Artificial

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Assim como um carro precisa de combustível para funcionar, a Inteligência Artificial depende de dados para operar. No entanto, sem uma infraestrutura adequada, mesmo a melhor tecnologia não poderá funcionar de maneira ideal. A infraestrutura necessária inclui data centers e servidores, que são essenciais para o processamento de dados e a operação de sistemas de IA.

Atualmente, grandes empresas de tecnologia como NVIDIA, Meta, Google, Amazon e TikTok estão em busca de locais com infraestrutura robusta e fontes de energia confiáveis para sustentar suas operações. A energia é crucial, pois envolve processadores e servidores que precisam estar sempre conectados e funcionando.

“Dado o cenário climático atual e a necessidade crescente por energia limpa, o Brasil se destaca por obter mais de 80% de sua energia elétrica de fontes renováveis, o que oferece uma base sólida para o desenvolvimento de data centers e outras infraestruturas tecnológicas sustentáveis aqui”, disse Juliana com entusiasmo.

“O melhor é que não é necessário estar perto dos centros urbanos para o estabelecimento de modelos sofisticados de Inteligência Artificial. É possível, inclusive, utilizar terrenos mais distantes. O setor de data centers, que começa com a aquisição de terrenos e a construção das instalações, está se destacando. O Brasil está se posicionando como uma das novas fronteiras globais para data centers. No entanto, estamos em uma competição intensa, especialmente com países como a Índia, que recentemente implementou uma política nacional de data centers para atrair investimentos. Embora o custo de licenciamento ambiental lá seja mais alto, eles compensam com benefícios fiscais”, avalia ela. 

De acordo com Juliana, embora o Brasil tenha vantagens, é essencial continuar a investir no desenvolvimento da infraestrutura e a garantir um ambiente regulatório favorável para maximizar essa oportunidade.