Justiça climática é também social e racial

Crise climática escancara desigualdades e injustiças. Segundo projeções, em escala global seria necessários US 500 bilhões por ano como reparação.

Por Marcia Tojal em 26 de novembro de 2025 4 minutos de leitura

Cenário de desmatamento e degradação ambiental em uma paisagem agrícola, representando os desafios da justiça climática e os impactos das mudanças climáticas na terra.
Foto: Angela Macario/ Shutterstock

“Há uma inteligência de funcionamento da vida na Terra que independe da nossa vontade. Quando rompemos essa inteligência, rompemos também o equilíbrio que sustenta todas as formas de vida.” A reflexão da ministra Marina Silva no prefácio do relatório Quem precisa de justiça climática?, do Observatório do Clima, chama atenção para o modo como nossa forma de viver e produzir tem alterado o funcionamento do planeta. Ela observa que mudanças induzidas pela ação humana vêm afetando o regime das chuvas, intensificando secas e alagamentos, provocando furacões e tufões, interferindo no fluxo das correntes marítimas, causando degelo em calotas polares, ampliando áreas de desertificação e favorecendo incêndios e ondas de calor que impactam pessoas, animais e ecossistemas.

Embora a humanidade esteja interferindo esse equilíbrio, ele não é rompido da mesma forma por todos. Tampouco seus efeitos recaem igualmente. Populações indígenas, quilombolas, negras, ribeirinhas, de baixa renda e periféricas estão entre as que menos contribuem para as emissões, mas são as mais expostas aos impactos climáticos. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), em seu Relatório de Síntese, afirma que grupos de menor renda respondem pela menor parcela das emissões globais e, ainda assim, sofrem os impactos de forma desproporcional.

No Brasil, esse recorte tem cor e território. O relatório Injustiça Racial e Ambiental no Brasil, do Instituto Pólis, aponta que pessoas negras têm 2,5 vezes mais chance de viver em áreas de risco climático do que pessoas brancas.

Segundo o Censo 2022 do IBGE, mais de 16 milhões de pessoas vivem em aglomerados subnormais no Brasil, o que representa 8,1% da população. Deste total, a maioria são pardos (56,8%) e pretos (16,1%). Um boletim técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que esses territórios concentram vulnerabilidades urbanas que aumentam a exposição a enchentes, deslizamentos e calor extremo, o que torna moradia e infraestrutura políticas-chave de adaptação climática. Tanto em escala global quanto nas escalas regionais, estaduais e municipais brasileiras, a desigualdade no uso e ocupação do solo se configura como um fator determinante para a capacidade de resistência e resiliência social frente às catástrofes climáticas. Setores historicamente empobrecidos, com acesso limitado à infraestrutura urbana adequada, marginalizados e segregados das melhores condições urbanas, ambientais e sanitárias, e sem acesso a políticas públicas eficazes que aprimorem suas condições habitacionais – seja pela localização em áreas de risco, pela irregularidade fundiária, ou pela precariedade estrutural de suas edificações – são os mais suscetíveis às consequências devastadoras dos eventos climáticos extremos”, diz o estudo.

Comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas também se localizam majoritariamente em áreas mais sujeitas a secas prolongadas, enchentes e desmatamento, com menor capacidade de resposta institucional, segundo o Atlas das Situações de Risco do IBGE.

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Justiça climática não é apenas ambiental — é social e racial

Homem indígena navegando por um rio na floresta, simbolizando a conexão com a natureza e a luta por justiça climática, preservando ecossistemas e combatendo a mudança climática.
Foto: Ammit Jack/ Shutterstock

A economista franco-americana Esther Duflo, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2019 por desenvolver métodos rigorosos de avaliação de políticas públicas voltadas ao combate à pobreza, destaca que essa mesma lente é essencial para compreender o aquecimento global: quem menos causa o problema é quem sofre mais.

Em visita ao Brasil, ela ressaltou que as emissões estão diretamente ligadas à renda e ao consumo, não apenas aos países produtores, como a China, mas também a grandes consumidores, como a Europa. O cenário é caracterizado por um contraste marcante: os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por cerca de 50% das emissões globais, enquanto os 50% mais pobres respondem por apenas 7%, segundo Oxfam InternationaI – uma confederação de organizações que atua em mais de 77 países para combater a pobreza, a desigualdade e a injustiça social.

Em escala global, a crise climática tem raízes em uma dívida histórica: como discute matéria da Habit Brasil, nações que se industrializaram explorando territórios e populações colonizadas acumularam riqueza e emissões; hoje, quem sofre os efeitos mais severos são países que pouco contribuíram para o problema e têm menos recursos para se adaptar. Os países historicamente responsáveis pelas maiores emissões de gases de efeito estufa — como Estados Unidos, países da União Europeia e China — não são aqueles que sofrem os impactos mais severos. Já nações com participação reduzida nas emissões ao longo da história, especialmente as do Sul Global, enfrentam eventos extremos mais intensos, perda de biodiversidade, insegurança hídrica e alimentar, além de menos recursos para adaptação.

É por isso que Esther defender que não existe justiça climática eficaz que desconsidere desigualdades. Para ela, que também cofundadora do J-PAL (Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab) – centro internacional de pesquisa que desenvolve avaliações de impacto para orientar políticas públicas com base em evidências – corrigir essa assimetria exige, portanto, ação estrutural, incluindo taxação de grandes fortunas, cobranças proporcionais às emissões corporativas e transferência de recursos dos países ricos para os mais vulneráveis. Segundo estimativas citadas pela Le Monde Diplomatique, essa compensação deveria alcançar cerca de US$ 500 bilhões por ano — não como caridade, mas como reparação.

Em ação

Uum edifício de escritório de vidro refletindo árvores verdes sob um céu limpo, representando ambiente corporativo sustentável e conexão com a natureza
Foto: Mark B Pixels/ Shutterstock

No território brasileiro, iniciativas que articulam clima, justiça social e participação buscam endereçar o tema. O programa Cidades Verdes Resilientes integra políticas urbanas, ambientais e climáticas para fortalecer a adaptação de cidades. Em Belém/PA, a Rede Jandyras reúne mulheres que analisam a crise climática pela perspectiva de gênero, raça e classe, propondo soluções. No Paraná, o Coletivo de Justiça Climática da Via Campesina e a Comunidade Agroflorestal José Lutzenberger demonstram como povos rurais têm atuado como guardiões da biodiversidade e agentes de uma transição ecológica justa.

A agenda climática, quando orientada por justiça social, não trata apenas de reduzir e neutralizar emissões, mas de garantir condições dignas de vida, participação e proteção para todas as populações. Avançar nessa direção significa reconhecer responsabilidades históricas, apoiar soluções locais e construir respostas sustentadas em evidências, diálogo e cooperação.

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