Kongjian Yu, o criador das cidades-esponja

Arquiteto e urbanista chinês transformou um acidente de infância em legado para a arquitetura e urbanismo resilientes.

Por Paula Maria Prado em 2 de outubro de 2025 4 minutos de leitura

Kongjian Yu, arquiteto, urbanista e professor Kongjian Yu fez uma vida, espalhando pelo mundo o conceito de "cidades-esponja”
Kongjian Yu (Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil)

De um acidente de infância, o arquiteto, urbanista e professor Kongjian Yu fez uma vida, espalhando pelo mundo o conceito de “cidades-esponja”. No dia 23 de setembro, aos 62 anos de idade, sua trajetória chegou ao fim, em um acidente aéreo ocorrido em Aquidauana/MS, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Seu legado, no entanto, deve seguir ecoando como uma das vozes mais visionárias na luta por cidades mais verdes e resilientes.

Referência mundial em soluções baseadas na natureza e reconhecido por transformar a forma como planejamos os espaços urbanos, Yu defendia que “nunca vamos lutar contra a água e vencer” — e que o futuro das cidades depende de aprender a conviver com ela. Foi assim que se tornou uma das figuras mais influentes da arquitetura paisagística contemporânea.

Dono de um currículo impressionante, ele era professor e reitor da Faculdade de Arquitetura e Paisagismo da Universidade de Pequim; doutor em design pela Harvard Graduate School of Design; membro da Sociedade Americana de Arquitetos Paisagistas; doutor Honoris Causa em Paisagem e Meio Ambiente pela Universidade Sapienza de Roma, na Itália; e doutor Honoris Causa em Arquitetura Paisagística, Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, na Noruega. Publicou mais de 30 livros e 300 artigos.

À frente do escritório Turenscape, desenvolveu projetos que unem natureza e arquitetura, com obras premiadas, como o Parque Florestal Benjakitti (Tailândia), que recebeu o UIA 2030 Award em 2024; o Nanchang Fish Tail Park (China), vencedor do ASLA Award of Excellence 2025; e o Xi’an Yannan Park Urban Balcony (China), premiado com o ASLA Urban Design Honor Award em 2024. Destaque ainda para o Jinhua Yanweizhou Park (China) e o Qinhuangdao Red Ribbon Park (China), referências internacionais em design paisagístico sustentável. 

Ao todo, foram 16 prêmios nacionais de design de paisagem, nove prêmios globais de melhor paisagem do Festival Mundial de Arquitetura, três prêmios internacionais de arquitetura, dois prêmios americanos de arquitetura e importantes prêmios nacionais e internacionais, como o Prêmio de Excelência Global da ULI, o Primeiro Prêmio do Prêmio de Design Arquitetônico da China e o Prêmio de Ouro da 10ª Exposição de Arte da China.

A infância que moldou sua visão sobre a água

Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Kongjian Yu relatava que, ainda menino, caiu em um rio no interior da China e conseguiu se salvar agarrando-se a galhos na margem. Anos mais tarde, ao retornar ao vilarejo, encontrou o canal concretado e comentou: “Eu não me salvaria mais se caísse num rio assim. Onde iria me agarrar nesse canal com margem de concreto?” Esse episódio se tornou símbolo de sua filosofia: em seus projetos, Yu usava a natureza como parceira, aplicando metodologias de soluções baseadas no meio ambiente para absorver, filtrar e reutilizar as águas pluviais, em vez de escoá-las rapidamente por canalizações.

O arquiteto defendia que não se pode “brigar com a água”, mas sim aprender a conviver com ela. Ele considerava o design urbano e paisagístico como “a arte da sobrevivência”, defendendo a “estética do Pé Grande” – contrapondo-se à “estética do pé pequeno bem cuidado”, metáfora que se refere à tradição chinesa de amarrar os pés em busca da beleza em vez dos pés naturais; e a “filosofia Turen” de harmonia entre “Céu, Terra, Homem e Deus”. 

Inspirado nas técnicas agrícolas de sua infância, como terraços e lagos construídos pelos camponeses, Yu buscava tornar as cidades “amigas da água”. Seu conceito de cidades-esponja tinha como objetivo reduzir a velocidade das águas urbanas e ampliar os espaços em que elas pudessem se espalhar naturalmente.

A proposta transformou o urbanismo na China. Desde 2014, mais de 30 cidades-piloto implementaram o modelo, convertendo áreas antes impermeabilizadas em espaços resilientes, capazes de reduzir enchentes, melhorar a qualidade da água e diminuir o calor urbano.

Entre suas estratégias estavam a criação de parques e várzeas alagáveis, jardins de chuva e biovaletas, telhados verdes, pavimentos permeáveis e a restauração de margens de rios, recriando habitats naturais que funcionam como amortecedores para cheias e alagamentos.

Mas afinal, como funciona uma cidade-esponja?

Parque Chang'an e Torre Longquan no distrito de Chang'an, em Shijiazhuang, Hebei, China, mostrando uma cidade-esponja com áreas verdes e corpos d'água sustentáveis.
Foto: Changyu/ Adobe Stock

Enquanto a gestão tradicional de enchentes prioriza canais, tubos e sistemas de drenagem que conduzem a água rapidamente para evitar transbordamentos, uma cidade-esponja busca absorver a água e retardar seu escoamento pela superfície urbana.

Para isso, são adotadas três estratégias principais: primeiramente, grandes áreas permeáveis e porosas para capturar a água; em seguida, o controle do fluxo coletado, desacelerando a água com rios sinuosos cercados de vegetação ou zonas de várzea; e, por fim, a criação de áreas planejadas para alagamentos, onde a água pode se acumular e escorrer sem causar danos.

Leia também: Uma cidade que absorve água. Conheça a cidade-esponja!

Yu e o Brasil

O arquiteto esteve em São Paulo a convite do Instituto de Arquitetos do Brasil, participando da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura, realizada entre 18 e 19 de setembro. Durante o evento, destacou o potencial do País para se tornar um modelo global de planejamento urbano sustentável.

Kongjian Yu participou da conferência internacional promovida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU 2025)
Foto: Ascom | CAU/BR

Duas semanas antes, Kongjian Yu havia participado da conferência internacional promovida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU 2025), em Brasília, entre 4 e 6 de setembro. Em entrevista à revista FAPESP, ele afirmou que até grandes metrópoles, como São Paulo, podem incorporar os princípios das cidades-esponja, combinando intervenções em pequena e grande escalas. Para Yu, a adaptação das cidades diante das mudanças climáticas não era apenas uma opção de planejamento, mas uma necessidade de sobrevivência.

“Não se pode lutar contra a água. É preciso permitir que ela siga seu curso”, afirmou o arquiteto em entrevista à BBC em 2021. Agora, quem segue seu curso é ele próprio, no “quintal de Deus”, como se referiu ao Brasil em sua participação na Bienal de Arquitetura: “é a última esperança para o mundo. É o último pedaço do jardim, o quintal de Deus. Deve ser cuidado, redesenhado e usado para curar o planeta”.

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