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Natureza concreta: eco brutalismo traz o movimento dos anos 1950 para nova era
Como uma atualização do Brutalismo, movimento tem se popularizado no pós-pandemia; mas ainda gera debates.
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Paula Maria Prado em 17 de abril de 2024 6minutos de leitura
Ilustração gerada com inteligência artificial
De um movimento arquitetônico de 1950, o Brutalismo, germina uma nova proposta, cujo princípio em comum seria o “menos é mais”, o Eco Brutalismo. Marcado por projetos minimalistas executados de forma racional e funcional, o Brutalismo foi uma resposta à demanda das cidades pela recuperação no pós-guerra com orçamentos limitados. O resultado era uma estética “bruta”, considerada por muitos sombria, mas que refletia a necessidade de um mundo em reconstrução. Fazendo uso da iluminação natural e muita vegetação, o Eco Brutalismo retoma a ideia integrando-a a soluções de baixo impacto ambiental em resposta a um novo tipo de reconstrução e uma sociedade mais sustentável e conectada às demandas socioambientais.
Ainda recente, popularizado por séries que trazem esse tipo de estética, como ‘The Last of Us (HBO), o termo ainda está em construção, desencadeando questionamentos, diferentes interpretações e longe de uma definição certeira. A priori, inclusive, ele pode soar até contraditório: o impacto do concreto versus o aconchego da natureza. Mas a ideia do movimento seria reconciliar o ambiente urbano, com todo o seu aço e concreto, ao ambiente natural.
Para a arquiteta do escritório Selva Urbana Luiza Bueno Royer, o período de confinamento ocasionado pela pandemia da Covid-19 pode ter sido o gatilho para o surgimento da vertente. “Permanecemos longos períodos dentro de lugares fechados. Assim, passamos a perceber melhor a relação entre o homem, a natureza e o espaço construído. Por isso, esse é um assunto que acabou viralizando”, comenta ela, que tem como foco projetos sustentáveis conectados à natureza.
As redes sociais e o cinema deram a força que o eco brutalismo precisava para entrar em pauta no universo arquitetônico. “Se analisarmos obras brutalistas, elas são consideradas por muitos como ‘instagramáveis’. Em paralelo a isso, tivemos lugares como Chernobyl – atualmente tomada pela natureza e outras obras do gênero que popularizaram esse tipo de estética”, opina a arquiteta.
Concreto em desconstrução
No brutalismo, as obras são marcadas por grandes volumes de concreto armado aparente (béton-brut, em francês – daí o nome do movimento). Grandes arquitetos, como Le Corbusier, criaram obras com essa abordagem. São dele, o Museu Nacional de Arte Ocidental – Japão, hoje Patrimônio Mundial Cultural da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); a capela Notre-Dame-Du-Haut, na França, construída no lugar de um igreja antes destruída em um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial; e Unités d’Habitation, da França e da Alemanha, construídos em meio ao déficit habitacional causado pela guerra.
No entanto, aquilo que, a princípio, soava como uma solução econômica, tornou-se um grande paradoxo aos bolsos. “Buscava-se com o movimento a essência da arquitetura, pautada pela beleza, composição clássica, bons materiais e texturas e ausência de adornos. Na teoria, era uma construção mais econômica. No entanto, o uso do concreto induz o uso de fôrmas. É preciso despejar a massa em caixas feitas de madeira para que ele endureça. Então, havia um grande desperdício de madeira”, explica Mônica Junqueira, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve trabalhos sobre Arquitetura e Cidade Moderna e Contemporânea.
Tais caixas encarecem a obra. Além disso, para executar o concreto acabam sendo empregados recursos naturais em excesso, como areia, cascalho e água. Ou seja, anos depois, o cimento tornou-se um dos grandes vilões da construção civil.
Segundo a ONG Chatham House, de Londres, que tem como missão analisar o conhecimento e promover uma melhor compreensão dos principais temas políticos internacionais, ele é a fonte de cerca de 8% das emissões mundiais de CO2 (dióxido de carbono), contribuindo com a poluição mais do que o combustível da aviação (2,5%) e um pouco menos que a produção agrícola (12%).
“Na época, não se tinha a consciência ecológica que temos hoje. Ao longo dos anos, inclusive a ideia do concreto como um material milagroso, de fácil manutenção, caiu por terra. Não é possível dizer que uma vez construído, nunca mais precisará de manutenção”, diz Mônica.
Com o meio ambiente, a preservação e a sustentabilidade como temas em alta, a arquitetura se viu na obrigação de mudar, pensando em como substituir as fôrmas, bem como outros materiais construtivos. A nova terminologia “eco” vem também de uma revisão dessa operação em busca de novas soluções para o uso do concreto.
A pergunta que fica então é: faz sentido construir edifícios de concreto? Ainda que sob o conceito “eco”?
Eco brutalismo?
Para Luiza, um dos principais benefícios do brutalismo foi trazer à tona a “verdade dos materiais”, ou seja, nada de imitações. Havia ainda um certo minimalismo, onde se evitava o emprego de demais materiais e gastos desnecessários na construção, que ainda hoje faz sentido na arquitetura contemporânea.
Entre os projetos de destaque do chamado eco brutalismo no mundo estão o conjunto habitacional Kampung Admiralty, em Singapura, do Ramboll Studio, uma obra com uma abordagem em camadas, com uma abundante vegetação que tem como objetivo criar um espaço para a comunidade relaxar e fortalecer suas relações. Também o edifício Bosco Verticale, na Itália, do Boeri Studio, primeiro exemplo de uma floresta vertical; e o aeroporto Jewel Changi, em Singapura, que combina dois ambientes – um mercado e um jardim paradisíaco.
No Brasil, quando pensamos em brutalismo, vêm à mente obras reconhecidas pelo público, como o MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), de Reidy; o MASP (Museu de Arte de São Paulo); a FAUSP, de Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi; e o Estádio Cícero Pompeu de Toledo (MorumBIS), de João Batista Vilanova Artigas. Já quando o assunto é eco brutalismo, por ser um movimento novo, é difícil determinar um projeto que se enquadre no estilo. A sugestão da arquiteta é o retrofit da Casa MIC, de Manoel Coelho. Trata-se de uma obra tipicamente brutalista, de 1981, que foi restaurada com novo olhar e inserção de sistemas inteligentes e sustentáveis. “Porém, vale salientar que as próprias arquitetas não classificaram essa intervenção como sendo ‘eco brutalista’”, alerta Luiza.
Entre profissionais, o termo “eco brutalismo” ainda gera estranheza. Afinal, é possível usar o concreto indiscriminadamente e, no final, ainda chamar isso de “eco”? Mais: o uso do termo pode nos fazer cair em um “greenwashing”, como são chamados projetos que parecem sustentáveis sem de fato sê-lo? Afinal, um prédio está longe de ser considerado sustentável só porque agrega uma vasta vegetação.
“O eco brutalismo é um assunto recente. Ainda não há muito material disponível na academia a respeito, o que dificulta ter um embasamento correto para falar sobre o tema”, diz Luiza. “Eu mesma, por muito tempo, considerei que o próprio nome do movimento não faria sentido, nem seria possível existir tal ‘estilo’. Aliás, até mesmo a palavra ‘estilo’ é muito superficial para rotular obras e suas expressões arquitetônicas. Assim como na arte, as características se entrelaçam e se transformam com o tempo”.
A arquiteta vê hoje o eco brutalismo como um movimento “possível” quando pensado a partir do seguinte propósito: dar um novo uso ou restaurar um edifício antigo, ou seja, quando se propõe a transformar espaços, investindo em soluções sustentáveis para melhorar a eficiência de tais locais.
“Muitos prédios brutalistas sofreram diversas patologias com a passagem do tempo, devido às dificuldades do concreto aparente em se adaptar às mudanças climáticas. E, do ponto de vista ambiental, evitar construir algo novo é sempre a melhor alternativa”, afirma. No entanto, também é preciso ponderar: o conceito de retrofit já existe há bastante tempo e pode ser aplicado em qualquer edifício, seja ele um marco do antigo movimento brutalista ou não.
Fato é que existem diversas alternativas ao concreto, mais econômicas, rápidas, eficazes e tão belas quanto. “Se formos pensar em toda a forma construtiva tradicional que predomina no Brasil hoje, há uma grande festa de desperdício de materiais, a começar pelo fato de fazer uma parede inteira e sair quebrando ela depois para passar as infraestruturas”, crava.
Além disso, uma construção em concreto trabalha com uma margem de erro muito grande, tanto na mão de obra quanto nos materiais. O desperdício em obras pode chegar a 30% de perda de materiais. “Infelizmente o aspecto cultural ainda é uma grande barreira. As pessoas acreditam que uma casa forte é feita de tijolos e ponto. Enfim, as técnicas alternativas ainda são cercadas de dúvidas, preconceitos e esperamos que esse cenário se modifique com o tempo”, conclui ela.
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