Da economia comportamental à sustentabilidade. Conheça o conceito testado na União Europeia para promover eficiência energética.
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Redação em 21 de junho de 2024 8minutos de leitura
Ao caminhar por uma rua movimentada da cidade, é possível perceber uma série de pequenas intervenções que parecem sussurrar sugestões aos usuários. Uma seta pintada no chão direciona o fluxo de pedestres, uma lixeira colorida está estrategicamente posicionada para incentivar o descarte correto de resíduos e até mesmo uma música suave ecoa na estação de metrô, criando uma atmosfera de receptividade. Esses são exemplos do que os especialistas chamam de nudge (empurrãozinho, em tradução livre) – incentivos que incluem pequenas alterações no ambiente que influenciam as escolhas das pessoas de maneira sutil, mas poderosa.
Baseado nessa teoria, o programa de inovação Horizon Europe, a iniciativa da União Europeia, concebeu o projeto NUDGE. O objetivo é explorar o potencial das intervenções comportamentais, também referidas como estímulos comportamentais, para motivar os consumidores a fazerem escolhas sustentáveis em relação ao consumo de energia, tendo como premissa a importância do tema na redução das emissões de gases de efeito estufa e as consequentes mudanças climáticas, além da preservação dos recursos naturais para as gerações futuras.
Nudge, influência e sugestão
O nudge é fundamentado em pesquisas do campo da Economia Comportamental, especificamente na área da arquitetura de escolhas. O professor de economia e ciências comportamentais Richard Thaler, agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2017, e o economista comportamental Cass Sunstein, desenvolveram o conceito da arquitetura de escolhas, como descrito em seu livro best seller “Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade”.
Segundo eles, a visão de que os seres humanos são exclusivamente racionais e capazes de sempre tomar as melhores decisões para si próprios foi desafiada por inúmeros estudos da Economia Comportamental. No livro, eles demonstram que pequenos detalhes, muitas vezes subestimados, têm o potencial de provocar mudanças no comportamento das pessoas.
A técnica, portanto, parte do pressuposto de que as pessoas são fortemente influenciadas pelo ambiente que as cerca. Ele pode estar presente desde a disposição dos produtos em uma prateleira até as mensagens de incentivo e lembretes sutis nas ruas, caracterizando-se como as influências ambientais para direcionar o comportamento das pessoas de maneira positiva e não coercitiva.
A técnica é bastante versátil, podendo ser aplicada em diferentes contextos. Tanto indivíduos quanto instituições, como empresas, escolas e órgãos governamentais, podem aproveitar seus benefícios para influenciar comportamentos e promover escolhas mais conscientes e benéficas.
Analisando o comportamento humano
Foi com base nesse entendimento de Richard e Cass que nasceu o projeto NUDGE. Reconhecendo a importância de compreender os padrões de comportamento humano antes de promover mudanças, o projeto conduziu uma pesquisa intitulada “Avanços no incentivo ao comportamento de eficiência energética” em 29 países, com o objetivo de entender os hábitos de consumo de energia através dessa ótica comportamental.
A participação de mais de 3 mil pessoas proporcionou insights sobre as complexidades dos hábitos de consumo energético e contribuiu para a identificação de seis perfis de consumidores, cada um exigindo estímulos comportamentais específicos para efetivamente promover práticas energéticas sustentáveis:
1. Consumidores de energia ambientalmente conscientes e bem informados: este grupo se importa muito com o meio ambiente e sabe como usar a energia de forma inteligente. Para essas pessoas, é mais importante economizar energia do que gastar mais. Elas até estão dispostas a abrir mão de algumas coisas para ajudar a proteger o meio ambiente.
2. Consumidores de energia preocupados, mas orientados para o conforto: embora entendam que é importante economizar energia, as pessoas desse grupo tendem a priorizar seu conforto pessoal em vez de tomar medidas para economizar energia, especialmente quando se trata de aquecimento e resfriamento.
3. Consumidores de energia preocupados, mas sem consciência: embora mostrem vontade de economizar energia, esse grupo não possui conhecimentos detalhados sobre como fazer isso na prática, o que torna difícil para eles tomarem medidas concretas.
4. Consumidores de energia materialistas que escapam à responsabilidade pessoal: mesmo entendendo as consequências ambientais do uso de energia, essas pessoas priorizam suas preocupações financeiras em vez da responsabilidade ambiental. Oferecer incentivos focados na economia financeira pode ser eficaz para encorajar comportamentos de economia de energia entre elas.
5. Consumidores de energia propensos à influência social: essa parte da população dá muita importância à aprovação social e é influenciada pelas normas sociais. Tirar proveito dessa pressão social e estabelecer metas bem definidas poderia ser uma maneira de incentivar essas pessoas a adotarem comportamentos de economia de energia.
6. Consumidores de energia indiferentes: as pessoas deste grupo têm pouca vontade de economizar energia e demonstram falta de preocupação ou consciência ambiental. Abordar essa indiferença pode demandar estratégias diversificadas para motivar mudanças de comportamento.
Intervenções comportamentais em ação
Com base no levantamento da pesquisa, deu-se início às ações, abordando uma ampla gama de contextos demográficos e energéticos.
Os pilotos foram direcionados aos consumidores na Grécia, Bélgica, Alemanha, Portugal e Croácia, abrangendo diferentes ambientes, como residências, comunidades energéticas e escolas. O alcance foi diversificado, incluindo pessoas de todas as faixas etárias, desde crianças pequenas até adultos mais velhos, e abrangendo uma variedade de níveis de renda.
Nudge na Europa
Os “empurrõezinhos” adotados nos projetos-piloto na Europa incluíram fornecer feedback sobre o consumo de energia e aumentar a conscientização dos usuários e foram seguidos por abordagens mais interativas, como notificações push, alertas em tempo real, elementos de gamificação e estabelecimento de metas individuais.
Os resultados foram promissores: uma economia de energia entre 0,4% a 3,5%, com picos de até 15% em estratégias direcionadas ao carregamento inteligente de veículos elétricos.
Alemanha
Na Alemanha, o estudo piloto envolveu 111 residências com sistemas fotovoltaicos na área do Reno-Neckar, atendidas pela MVV Energie AG. Dessas, 39 tinham estações de carregamento de veículos elétricos, formando o grupo EV (sigla para veículos elétricos em inglês). O objetivo era promover a economia de energia e incentivar um consumo mais responsável em lares com carros elétricos. Para isso, utilizou-se um portal web e o aplicativo de carregamento Hermine.
Estratégias como feedback, conscientização para eficiência energética e comparações resultaram em um aumento médio de 4% no consumo consciente de energia. Vale ressaltar que o grupo EV teve um aumento mais expressivo, alcançando entre 10-12%. Aqueles que optaram pela cobrança excedente registraram um aumento ainda maior, chegando a 16%.
Croácia
Na Croácia, 82 consumidores com sistemas fotovoltaicos em suas casas tiveram o consumo e a produção de energia monitorados em tempo real. Um aplicativo de smartphone foi desenvolvido para expor os participantes a estímulos, promovendo empatia, sensibilização sobre energia e estabelecimento de metas de eficiência energética. No geral, as estratégias de incentivo ajudaram a promover hábitos conscientes.
Bélgica
Durante os anos letivos 2021/2022 e 2022/2023, dois grupo de alunos receberam intervenções. O programa incluiu nudges nas aulas junto com atividades que mostraram como a energia foi usada nas casas dos alunos, conectadas a uma plataforma chamada energyID. As aulas cobriram cinco assuntos principais: gás para aquecimento, consumo de eletricidade, uso de água, produção de eletricidade e o que é nudge. Isso levou à criação de folhetos educativos com informações úteis, gráficos e exercícios.
A avaliação do impacto dos nudges foi feita através de questionários antes e depois da intervenção. Os resultados indicaram que, embora as crianças estivessem interessadas e envolvidas nas aulas, não houve um impacto substancial em seus conhecimentos, intenções ou motivação para economizar energia, nem em suas famílias. Houve uma diminuição no consumo de gás no primeiro grupo, mas não no segundo, possivelmente devido a diferentes horários de início e fatores sazonais relacionados à pandemia de Covid-19. As variações nos resultados entre os grupos sugerem que fatores externos, como o momento e a sazonalidade, podem afetar significativamente a eficácia dessas iniciativas educacionais.
Portugal
Em Portugal, o estudo com 101 famílias visou reduzir o consumo de eletricidade mantendo ambientes confortáveis e saudáveis. O projeto NUDGE incluiu uma análise detalhada das residências e a instalação de medidores inteligentes e sensores de qualidade do ar. Esses dispositivos monitoram a eletricidade, dióxido de carbono, partículas aéreas, temperatura e umidade. Um aplicativo foi desenvolvido para fornecer incentivos aos participantes.
A primeira intervenção, que apresentava dados históricos de uso de eletricidade, aumentou a motivação para economizar energia, mas não reduziu significativamente o consumo. A segunda, que permitia visualizar dados de qualidade do ar, aumentou a intenção de economizar energia e a conscientização sobre o uso energético. Também reduziu efetivamente os níveis de CO2, com muitos reconhecendo a utilidade dos dados de qualidade do ar e expressando maior motivação para economizar energia quando considerações sobre qualidade do ar foram incluídas. O impacto da terceira intervenção, focada no uso de eletricidade para aquecimento, foi menos evidente, tanto no consumo quanto na mudança comportamental.
Grécia
Já o estudo piloto na Grécia visava melhorar a eficiência das caldeiras a gás natural em residências. Cada uma das 102 residências participantes, em cinco cidades gregas, recebeu o controlador de aquecimento inteligente DOMX, possibilitando um controle eficiente do aquecimento, podendo resultar em economia de até 30% de energia.
O uso de notificações personalizadas como um dos nudges influenciou na redução do consumo de gás, especialmente quando a frequência da exposição foi ajustada de acordo com os dados de uso do aplicativo.
Lições sobre comportamentos energéticos sustentáveis
As conclusões do projeto NUDGE oferecem um roteiro para promover comportamentos energéticos sustentáveis, destacando a importância de abordar as necessidades e preocupações dos consumidores. Campanhas informativas, por exemplo, são ferramentas úteis para elevar a consciência ambiental, enquanto a colaboração com associações especializadas potencializa o alcance dessas iniciativas, destacando o poder dos esforços conjuntos.
A inclusão da educação sobre energia nos currículos escolares pode ser uma estratégia para moldar uma compreensão profunda sobre questões de consumo energético, capacitando os jovens a adotar práticas mais econômicas desde cedo. Além disso, ao ressaltar o impacto de ações simples, como ajustar o termostato para economizar energia, é possível fortalecer a sensação de eficácia pessoal nas iniciativas de conservação de energia, contribuindo para mudanças de hábitos sustentáveis.
Entender as lacunas no conhecimento das pessoas também é importante para criar estratégias personalizadas que abordem suas motivações específicas. O feedback individualizado, adaptado aos padrões de consumo de energia de cada um, desempenha um papel fundamental na promoção de novos comportamentos energéticos. Ou seja, com informações e conhecimento base sobre o comportamento e motivações das pessoas, um conjunto de pequenas sugestões podem gerar mudanças significativas de todas as espécies.
Empurrõezinhos no Brasil
Apesar de ainda não ter sido aplicado para lidar com questões de economia de energia no Brasil, o conceito do nudge já está sendo adotado de forma pioneira pelas duas maiores capitais do país em outras áreas da administração pública. No Rio de Janeiro, a Prefeitura implementou a NudgeRio em 2018, uma unidade especializada na criação de projetos e políticas baseadas na economia comportamental. O sucesso das iniciativas cariocas influenciou diretamente São Paulo, onde, entre 2018 e 2020, a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia adotou os princípios dos “nudges” para melhorar a arrecadação do IPTU.
Enfrentando uma inadimplência significativa, em torno de 12%, resultando em um prejuízo estimado em cerca de R$ 1,67 bilhão, a Prefeitura de São Paulo realizou um experimento envolvendo cinco modelos de cartas direcionadas aos contribuintes. Entre elas, estava a abordagem da “norma social”, destacando a condição de minoria inadimplente do cidadão, e a estratégia de “saliência das consequências”. Esta última se mostrou a mais eficaz, resultando em um aumento de 8,4% na arrecadação. Com um investimento de R$ 50 mil no experimento, o retorno foi significativo, gerando um acréscimo de R$ 950 mil e uma projeção de aumento anual de até R$ 60 milhões se a prática fosse ampliada para toda a cidade.
Em resumo, o nudge tem se mostrado uma ferramenta útil para promover mudanças comportamentais em diversos países e nas cidades brasileiras, contribuindo para a construção de ambientes mais sustentáveis. Com o apoio de políticas públicas e da sociedade civil, é possível ampliar o uso dessa abordagem e transformar positivamente o espaço urbano.
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