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O futuro da cidade inteligente está na sociedade 5.0
Em entrevista, o especialista em inovação Luiz Kazan traz uma perspectiva mais ampla - e humana - da cidade inteligente.
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Paula Caires em 23 de setembro de 2024 7minutos de leitura
Luiz Kazan (Foto: Comunicação Embratel)
Engenheiro elétrico com ênfase em eletrônica e telecomunicações e mais de 23 anos de experiência na área da tecnologia, mas ao falar de cidades inteligentes, Luiz Kazan não poderia ser menos tecnológico e mais categórico sobre o futuro das cidades inteligentes: “tecnologia é somente um mecanismo. Para que a gente consiga alcançar patamares superiores, o ser humano é que tem que melhorar”.
Com MBA em digital business e de gestão e inovação em cidades inteligentes, resilientes e sustentáveis, atualmente é especialista em inovação no beOn Claro – hub de inovação da Claro e Embratel – e head de estratégia de novas soluções na Embratel para as verticais de smart cities e indústria 4.0, além de membro do comitê de cidades Inteligentes da Associação Brasileira de Internet das Coisas (ABINC). Em entrevista ao Habitability, ele desdobrou o tema do debate do qual participou na 10ª edição do Connected Smart Cities & Mobility, realizado em São Paulo, trazendo uma perspectiva mais ampla do conceito de cidades inteligentes, nas quais a inteligência está no objetivo pelo qual a tecnologia é desenvolvida, aplicada e na forma como é utilizada, em prol das pessoas. Na conversa, ele fala, ainda, sobre o que falta para avançarmos na usabilidade das tecnologias disruptivas, sua visão de futuro para as cidades e muito mais.
O conceito de cidade inteligente surgiu dentro de um contexto tecnológico, mas hoje tem-se discutido muito o conceito sobre a ótica social no Brasil. Cada país tem seu próprio entendimento do que é o futuro das cidades inteligentes e sua concepção atual?
Luiz Kazan: Tem sim. Historicamente, as cidades se modernizaram por meio de tecnologia, independentemente da informatização. Há cidades que se tornaram inteligentes por meio da arquitetura e do planejamento urbano, como cidades antigas que visitei na Espanha. Barcelona, por exemplo, foi planejada em grids [representações gráficas utilizadas em design concebidas em linhas horizontais e verticais] para que as pessoas tivessem em seu próprio quarteirão ou nas proximidades tudo de que elas necessitassem.
Outra que foi planejada desta forma, mas que perdeu essa característica por questões comerciais, é Nova Iorque. E tem a The Line, a cidade futurista da Arábia Saudita, que tem a proposta de concentrar tudo que é necessário para uma cidade desenvolvida em poucos quilômetros quadrados [34 km² para 9 milhões de pessoas].
Ou seja, existe um entendimento mais amplo sobre o conceito de cidade inteligente, mas há um consenso sobre ele?
Luiz Kazan: Existem várias formas de classificar se uma cidade é inteligente ou não. Uma que está sendo bastante divulgada atualmente no Brasil é a da certificação internacional ISO 37.122. Seus padrões estão focados na forma como as tecnologias e as informações são utilizadas e não nas tecnologias e informações em si. Os critérios estão na dimensão das ações direcionadas para resolução de problemas. Por exemplo, se tenho informações de nascimentos em uma cidade, é possível prever quantas crianças vão nascer a cada período, para onde elas tendem a ir e agir no sentido de gerenciar o atendimento e a demanda e já ir além, dimensionado a quantidade de creches que será precisa.
Já houve um tempo em que se popularizou a frase de que o dado era o novo petróleo. Durante o painel do qual você participou no Connected Smart Cities, foi dito que dado é areia. Qual o nível de maturidade das cidades brasileiras atualmente quanto ao uso desses dados para que eles não sejam simplesmente areia?
Luiz Kazan: O relatório de 10 anos do evento mostra que as cidades vêm evoluindo, mas acredito que não chega a 20% o número de cidades que já estão trabalhando com dados de forma mais inteligente, ou seja, extraindo deles maneiras de proporcionar melhorias para a população.
Partir do problema ainda é o melhor caminho?
Luiz Kazan: O próprio crescimento das startups com seu modelo de atuação mostrou que primeiramente é preciso ter o entendimento do problema para depois você criar uma solução. No passado, as cidades se preocuparam muito com implementações isoladas, por exemplo, instalar Wi-Fi, mudar a iluminação pública, entre outros. Isso traz um benefício, mas não pode ser a premissa e nem ser uma ação isolada.
Teve um outro case que conheci durante o módulo internacional do meu MBA em que a cidade trocou a iluminação, mas foi monitorando isso, até que se chegou à conclusão de que, embora tivesse havido uma economia no consumo de energia, o novo modelo incomodava a população em certos lugares. Foram à fundo, em cruzamento de dados, e notaram que isso se dava devido à intensidade e incidência da Luz.
Ou seja, mesmo em meio à toda tecnologia, a população ainda é o melhor indicador do que é necessário e efetivo?
Luiz Kazan: A população é o melhor sensor para a cidade. Ela vai te trazer a informação, mas são os gestores e os especialistas em cada tema que tomarão a decisão. A partir disso, deve-se agir, considerando todos os elementos que se sobressaem nas camadas: infraestrutura, aplicações, o que vai debaixo da terra e, acima disso tudo, o cidadão.
Feito o mapa da situação, traça-se o plano de ação. E nesta etapa a cidade pode contar com a inteligência especializada da iniciativa privada por uma requisição de informação, por meio da qual as empresas interessadas podem propor soluções. Depois, pode-se abrir uma requisição para se ter uma ideia do custo do projeto e, se for o caso, defendê-lo. Então, cria-se um plano de ação para captação do recurso para aplicação, combinada com gestão, análise financeira e governança. Existe também o modelo dinâmico de inovação da tripla e até quádrupla hélice, que integra a academia, empresas, seja as de grande porte ou startups, os governos, e até representantes da sociedade, que se conectam em centros tecnológicos e de inovação.
Na empresa onde trabalho, temos dois modelos. O mais tradicional, em que buscamos novas aplicabilidades para uma tecnologia existente a fim de explorar ao máximo seu potencial, e o modelo de inovação aberta por meio do hub [beOn Claro] onde nos conectamos com startups. Neste caso, partimos de um problema, vamos à pesquisa para ver o que já tem no mercado que possa responder àquela dor e, se for o caso, partimos para a criação de uma solução.
Tecnologias como 5G, Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT) são instrumentos que estão, de fato, revolucionando a tecnologia aplicada às cidades? Qual o nível atual de aplicabilidade e usabilidade?
Luiz Kazan: O Brasil é um País de dimensões continentais. Por isso, ter infraestrutura como acontece de forma global não é tão simples. É preciso contar com rede, um vasto backbone, rede de celulares, rede LoRa [long range ou de longo alcance, em português], redes conectadas por satélites. Há projetos que fazem com que as próprias cidades se tornem um pouco mais autônomas a partir de uma infraestrutura própria. Dependendo do objetivo, precisa ter toda uma camada de apoio, como backbone, para sustentar a cobertura, para que a infraestrutura adequada possa trafegar os dados com conexão e interação. No caso do carro autônomo, por exemplo, não se pode deixar o processamento ir e depois voltar em uma solução onde a latência limite as ações. É preciso ter o processamento mais próximo da borda em alguns casos, para tempo de resposta mais adequado.
Temos um edital do leilão de cobertura do 5G para ser atendido em nosso País, onde as empresas que ganharam a licitação têm compromissos a serem entregues. Este dá o rumo para a cobertura que foi avaliada ser a necessária para os serviços de 5G. O modelo de infraestrutura dos Estados Unidos, por exemplo, é diferente. Não é somente uma cobrança governamental por meio de edital, é quase que uma parceria entre as partes, pois tem políticas para viabilizar o investimento privado. Eles têm leilão, mas têm muita coisa aberta. Por exemplo, se quiser fazer um ISP [da sigla Internet de Service Provider, Provedor de Serviços de Internet, em português] é só comprar os equipamentos e puxar as fibras. Se quiserem fazer uma rede com baycell, basta comprar o equipamento e usar a licença livre.
Quais barreiras precisamos superar para viabilizar os avanços tecnológicos que os carros voadores, carros autônomos ou carros elétricos ganhe escala no futuro das cidades inteligentes? Qual a janela de tempo para isso?
Luiz Kazan: É difícil responder porque temos que pensar primeiramente que o carro autônomo vai precisar ter conectividade, o que já está acontecendo com alguns modelos. Mas eu não vejo, em um horizonte de 10 a 15 anos, a possibilidade de carros autônomos no Brasil. Não sei se chegaremos ao ponto em que está a Califórnia, que é referência em modelo de contratação deste tipo de serviço e que está despontando neste mercado. Acredito que é preciso muita remodelagem do negócio para isto acontecer no nosso País, mas estudos de V2X (Veículo conectado a tudo) já estão em testes no Brasil.
Quanto a carros elétricos, vejo que estão mais próximos da nossa realidade. A fronteira aí é termos a infraestrutura de abastecimento, onde temos muita oportunidade de crescimento. Temos muita gente olhando este mercado e acredito que teremos uma solução nacionalizada em breve, onde poderemos colaborar com as tecnologias digitais necessárias para poder materializar esses projetos.
Já há algum movimento nesta direção?
Luiz Kazan: Estamos com um modelo em piloto em um município, em que o contrato é no modelo SandBox. Isso nos permite ir desenvolvendo e testando a tecnologias que se utilizam de Inteligência Artificial e Machine Learning aplicados a V2X em diferentes aplicabilidades em benefício da população. Neste caso, estamos indo para a terceira camada de evolução. Com 15 dias da tecnologia em dois semáforos, reduzimos em 46% o tempo de espera, melhorando o fluxo de carros somente com uso de Inteligência Artificial. Por meio dos dados, juntamente com a escuta junto ao cliente, conseguimos ir aprimorando o produto.
Na linha de cidades inteligentes tem alguma vertente específica, cujo desenvolvimento está mais avançado e que você já pode compartilhar um pouco a respeito?
Luiz Kazan: Tanto na tecnologia de infraestrutura, como no 5G, vamos ter novidades que serão lançadas a partir do ano que vem. Estamos olhando para a conectividade e as soluções que podemos adequar a partir dela para fomentar sua melhor utilização. Já posso adiantar que há linha de segurança, mobilidade, com uso de tecnologias como IA, cloud, gestão orientada a dados e muitas parcerias com empresas e startups para que isto tudo possa acontecer.
Qual futuro você vislumbra para as cidades?
Luiz Kazan: O futuro das cidades inteligentes está em uma sociedade 5.0, na qual o ser humano está no centro. Ou seja, utilizando a tecnologia e os dados em benefício do cidadão. Podemos comparar como acontece em um corpo humano: respeitando as dores e buscando as providências a partir delas, para que não se torne emergencial. Uma cidade mais consciente através de seus próprios cidadãos, que são as menores partes ali dentro, cada um sabendo da sua responsabilidade e arcando com ela, de forma colaborativa. Então há também um viés educativo nisso. Uma cidade que evolui por meio de melhores condições tecnológicas, mas assumindo que a tecnologia é somente um mecanismo para se chegar a este fim. Para que a gente consiga alcançar patamares superiores, o ser humano tem que se aprimorar, para que nesse plano do qual fazemos parte, vivendo neste planeta Terra, esteja em equilíbrio.
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