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O futuro das construções é líquido, afirma pesquisador de Harvard
Raphael Kay, à frente do projeto de janelas líquidas, traça novos planos para construção líquida: usar fluídos para construir prédios.
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Camila de Lira em 29 de maio de 2023 4minutos de leitura
O futuro das construções é líquido. Ou melhor, é uma miríade de líquidos, que fluem por dentro das construções. Consegue imaginar? Os pesquisadores da Universidade de Harvard não só conseguem, como têm um caminho para isso, a começar pela janela.
A “janela líquida” é um sistema que usa diferentes tipos de fluidos entre duas camadas grossas e protegidas de vidro, para controlar a opacidade do visor. Um dos idealizadores do projeto, Raphael Kay, pesquisador do laboratório de Biomineralização e Biomimética de Harvard, conversou com o Habitability para explicar, afinal, como tudo isso funciona.
“O líquido pode ser o material definitivo para revestir prédios”, diz Kay, com animação. Segundo o pesquisador, os fluidos podem ser misturados e recombinados para alterar a propriedade mais básica de qualquer espaço fechado: a entrada da luz. Ao mexer com essa propriedade, é possível controlar a temperatura do ambiente, o uso de energia elétrica, o nível do conforto e, até mesmo, a cor do ambiente.
A arquitetura dos moluscos
A inspiração das pesquisas de Kay está na natureza. Mais especificamente, nos animais que já habitam o ambiente líquido. Lulas e polvos têm habilidade de mudar de cor rapidamente, se mesclando com o ambiente para poder se proteger. Segundo Kay, essa propriedade se dá devido às camadas em fluidos que a pele dos bichinhos tem.
“Uma das camadas controla o pigmento, outro controla a reflexão da luz usando nanoestrutura de materiais, todas são controladas individualmente. A combinação dessas camadas oferece propriedades ópticas múltiplas e diversas”, explica o pesquisador. Assim veio a ideia de usar a sobreposição de camadas líquidas para o sistema das janelas.
A biomimética, ou ciência que se inspira na natureza, é uma tendência das pesquisas em construção sustentável. Para Kay, se trata muito mais de olhar para os mecanismos que criam aquilo que funciona na natureza do que apenas “replicar o fenômeno exato que o organismo faz”. “A biologia é usada para informar a tecnologia”, explica.
Como parte do laboratório de Biomimética, Raphael já pesquisou outros seres, como fungos. A análise mostrou que a rede criada pelo fungo quando ele se espalha cria caminhos mais rápidos, e pode inspirar o design de cidades. Tal experimento foi levado para a realidade com pesquisadores e urbanistas japoneses.
Mas, por que o líquido?
“Líquidos são úteis porque é possível misturar partículas e químicos diferentes. É possível unir diferentes moléculas juntas, apenas usando a técnica dos canais diferentes”, fala Kay. Na janela criada por Kay e seus colegas de pesquisa, o sistema consegue chegar em granulações diferentes de bloqueio da entrada da luz e dos raios infravermelhos. Além disso, é possível controlar o nível de incidência dos raios solares no ambiente, o que afeta diretamente os controles de aquecimento e resfriamento do lugar.
Os líquidos absorvem o calor e os raios infravermelhos de forma diferente, lembra Kay. A água, por exemplo, é transparente e deixa a iluminação entrar, mas bloqueia raios infravermelhos próximos. É só pensar em quando você entra no mar ou no rio gelado. Mesmo com muito sol, as propriedades da água a fazem não absorver o calor.
Para Kay, a propriedade ajuda a economizar energia, uma vez que os espaços poderiam, por exemplo, deixar o máximo de luz solar entrar, sem necessariamente pegar todo o calor do lado de fora. Em um ambiente como o tropical, lembra o pesquisador, não depender de resfriamento é um fator ligado à sustentabilidade.
Uma janela de possibilidades
Atualmente, a equipe de Kay se divide entre Harvard e a Universidade de Toronto. Enquanto no Canadá a pesquisa está em como viabilizar o modelo para o uso comercial, nos Estados Unidos, as pesquisas são direcionadas para as possibilidades que o líquido traz na construção como um todo.
No momento, a atenção do time norte-americano está em criar sistemas digitais para levar os líquidos para diferentes pontos, dependendo do tipo de iluminação. “Nós vemos as janelas líquidas quase como uma tela, que nós podemos repensar e recombinar para chegar até a aplicação em fachadas de prédios. Conseguimos imaginar uma pele fluída revestindo construções”, projeta Kay.
E quando o pesquisador fala em prédios e construções, ele não apenas fala daqueles habitados por humanos. “A agricultura urbanizada, que é feita dentro de prédios e de espaços urbanos, está crescendo. Poder controlar a condição, a radiação solar e a iluminação desses espaços sem gastar energia elétrica ou emitir muito carbono será decisivo”, lembra.
Pessoalmente, o que mais inspira Kay é a adaptabilidade dos seres naturais e a capacidade da natureza em sempre achar vida, mesmo nas situações menos favoráveis. “Há um quê de maravilha e de encanto na adaptação”, diz o pesquisador. Curiosamente, os líquidos simbolizam a adaptabilidade e a maleabilidade. Quem sabe, algum dia, as cidades e os prédios não poderão ser assim também?
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