Concreto sustentável desenvolvido por australianos é mais leve, econômico e dá novo destino aos pneus que seriam descartados na natureza.
A borracha de pneus descartados e inutilizados podem substituir 100% dos agregados convencionais, como cascalho e brita, utilizados na produção de concreto. De acordo com um artigo publicado na revista “Resources, Conservation and Recycling”, engenheiros da Universidade RMIT, em Melbourne, na Austrália, desenvolveram um concreto sustentável, que atende aos códigos de construção e diminui o impacto da indústria de construção civil no meio ambiente.
Usado em construção de casas, pontes, ruas, edifícios e obras em geral, o concreto é uma das matérias mais consumidas no mundo, devido a sua durabilidade, baixo custo, maleabilidade na forma e fácil acesso. No entanto, segundo a Associação Global de Cimento e Concreto (GCCA, na sigla em inglês), que reúne os principais atores do setor, a fabricação de cimento, elemento chave da mistura de concreto, gera cerca de 7% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), três vezes mais se comparado com o tráfego aéreo.
O cimento é constituído, principalmente, por clínquer, elemento obtido pela calcinação de calcário e argila em um forno a 1.400 graus Celsius. Dessa forma, quando queimado, o calcário libera CO2. Isto é, caso haja uma produção de uma tonelada de cimento, é liberado quase uma tonelada de carbono. De acordo com um levantamento da revista Isto É, este processo é responsável por 70% das emissões da indústria.
Além disso, a produção de concreto requer a extração de brita e areia do meio ambiente, o transporte de ambas e um consumo significativo de água. Sob este prisma, os pesquisadores da RMIT acreditam que o novo concreto sustentável poderá reduzir os custos da fabricação, o deslocamento e contribuir para a queda das emissões de CO2.
Somente no Brasil, mais de 450 mil toneladas de pneus são descartadas por ano, o que equivale a 90 milhões de unidades. Pelo fato de serem feitos com derivados de petróleo e outros produtos químicos, os pneus levam cerca de 600 anos para se decompor na natureza.
Caso os pneus velhos sejam descartados de forma incorreta podem contribuir para o entupimento de rios e redes de esgotos, fator que acarreta inundações e ainda possibilita a concentração de insetos causadores de doenças, como o Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e da chikungunya.
Quando são descartados em aterros sanitários, liberam toxinas para as fontes de água disponíveis. Para evitar tal ocorrência, alguns locais escolhem queimá-los, agravando os problemas de emissões de carbono.
Neste cenário, os pesquisadores da Universidade RMIT afirmam que utilizar resíduos de pneus para fazer concreto pode resolver diversos problemas ambientais. Os mesmos engenheiros informaram que houve tentativas anteriores de substituir os elementos presentes no concreto, misturando borracha raspada, mas sem resultados satisfatórios.
Vale destacar que o mercado já utilizava a borracha em pequenas quantidades no concreto, porém, o produto final apresentou baixo desempenho de ligação com a matriz do material, dificultando a aplicação na indústria e tornando-o menos resistente.
Os pesquisadores australianos constataram que as fraquezas se deviam aos poros da borracha, por isso, colocaram uma mistura úmida em moldes e os pressionaram para eliminá-los. Como resultado, o produto se apresentou duas vezes mais forte que os criados anteriormente e melhorou o desempenho do material de construção.
Sendo assim, a técnica envolve o uso de formas de fundição recém-projetadas para comprimir o agregado de borracha grossa em concreto fresco, trocando por completo todos os resíduos sólidos rochosos pelo material dos pneus.
De acordo com o autor principal do artigo publicado, Mohammad Momeen Ul Islam, o concreto sustentável é estruturalmente mais leve, o que pode reduzir o custo de transporte e ainda diminuir o tempo das construções, por se tratar de um elemento pré-moldado de concreto.
Um dos principais benefícios analisados pela equipe de engenheiros consiste no impacto ambiental positivo. Em razão da maior parte do concreto convencional ser agregado graúdo, fazer a troca por borracha de pneu usada pode reduzir o consumo de recursos naturais.
O produto tradicional envolve a remoção de areia da natureza, processo que pode causar erosão, assoreamento e outros danos. Atualmente, o setor da construção civil consome cerca de 36% da energia gasta no planeta e é responsável por 37% de emissões globais de CO2, segundo dados do relatório Global Status Report For Buildings and Construction. Com o uso do concreto sustentável, a matéria-prima é melhor aproveitada, uma vez que há uma redução nos resíduos gerados e elementos consumidos, pois o concreto é reciclado e dá origem a um novo material ecológico sem provocar devastações ambientais.
A reciclagem dos pneus não traz vantagens apenas para o ecossistema, mas também para a área financeira da empresa que fizer a adoção do método, já que não será mais necessário investir na compra de matéria-prima devido ao reaproveitamento de material.
Os pesquisadores afirmam que o concreto sustentável garante a redução de custos de fabricação e transporte, beneficiando uma série de desenvolvimentos, entre eles projetos habitacionais de baixo custo em áreas rurais e remotas.
Por ser um material novo, os pesquisadores australianos não recomendam o uso do concreto ecológico para fins estruturais, pois a equipe ainda está analisando o reforço do produto para esta aplicação. No momento, seu uso é indicado para lugares onde há baixo impacto, bem como pavimentação de ruas, construção de calçadas ou mobiliário urbano. Desse modo, o material de construção sustentável se apresenta como solução para compor superfícies e elementos que não requerem uma resistência elevada, por exemplo, casas e edifícios.
Existem diversos estudos a respeito do concreto sustentável com o objetivo de minimizar os impactos ambientais do convencional. Equipes ao redor do mundo vem tentando produzir o produto com materiais reciclados ou naturais, em busca de matérias-primas eficientes e ecológicas. É o caso de uma equipe da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, que investigou se resíduos de cenouras processadas ou sobras da extração do açúcar de beterraba poderiam ser adicionadas ao cimento para fortalecê-lo. Os resultados mostraram que a incorporação de resíduos vegetais foi capaz de melhorar a hidratação do cimento.
Já em uma pesquisa feita pelo professor Javier Mazariegos Pablos, por meio do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em parceria com a Escola de Engenharia da USP, no Brasil, descobriu-se que é possível reaproveitar resíduos sólidos industriais, substituindo 70% da areia natural por areia de fundição – aquela usada na produção de moldes de peças metálicas – e 100% da pedra por escória de aciaria, detrito que sobra da fabricação do aço, além de reduzir consideravelmente o uso de água.
Portanto, existem diversas linhas de pesquisas com o foco no desenvolvimento do concreto sustentável. A própria indústria global do concreto anunciou, em 2020, a meta de atingir a neutralidade de carbono até 2050 e também assumiu o compromisso de aumentar a reciclagem e o reaproveitamento do concreto, criando o Roteiro Net Zero 2050 que define em detalhes como, coletivamente, a indústria irá produzir concreto sustentável e mitigar os danos ao meio ambiente.
