Podas urbanas ganham impulso com software que une engenharia e biologia

Emílio Carlos Nelli Silva e pesquisadores da USP criam ferramenta para indicar podas urbanas mais seguras e sustentáveis, unindo tecnologia de ponta e ciência para preservar árvores e minimizar riscos de quedas em áreas urbanas.

Por Paula Maria Prado em 25 de agosto de 2025 4 minutos de leitura

Emílio Carlos Nelli Silva. podas urbanas
Emílio Carlos Nelli Silva (Foto: Acervo pessoal)

Um software inovador está prestes a transformar o jeito como cuidamos das árvores nas cidades. Desenvolvido por um grupo interdisciplinar da Universidade de São Paulo (USP), o sistema usa tecnologia avançada — como escaneamento a laser, simulações e Inteligência Artificial — e conhecimentos de engenharia e biologia para indicar podas urbanas mais seguras e saudáveis, preservando a integridade das árvores e prevenindo acidentes. A ferramenta tem como objetivo reduzir quedas e danos causados por podas mal realizadas.

A iniciativa reúne pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados, do Instituto de Biociências e do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da Escola Politécnica. Testes práticos realizados dentro da própria universidade demonstraram que, ao aplicar o algoritmo de repoda, é possível restaurar a rigidez estrutural da árvore após uma poda indevida. Com o objetivo de ampliar sua escala de uso, o projeto avança para a automação do processo, com o uso de drones, além da construção de um banco de dados que poderá apoiar o planejamento urbano e ações de enfrentamento às mudanças climáticas. 

Na entrevista a seguir,  o professor Emílio Carlos Nelli Silva,  especialista em otimização estrutural e vice-diretor científico do RCGI, aprofunda os conceitos por trás do projeto e reflete sobre como a aplicação de tecnologia pode transformar a relação entre cidades e natureza. Ele também fala sobre os cuidados éticos no uso de dados e o papel da participação comunitária no manejo urbano das árvores.

O senhor tem trabalhado com o conceito das árvores como estruturas biológicas otimizadas. Como esse entendimento pode contribuir para o planejamento urbano?

Emílio Carlos Nelli Silva: A partir dessa abordagem inédita, conseguimos aplicar conceitos e ferramentas da engenharia na análise dessas estruturas biológicas. Isso nos permite um controle mais preciso sobre o planejamento urbano, oferecendo uma base técnica mais sólida para possíveis intervenções ou modificações em árvores, como as podas urbanas.

O projeto parte do princípio de que podas urbanas podem afetar o equilíbrio estrutural das árvores. Por que essa questão costuma ser pouco considerada no manejo urbano?

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Foto: Vinicius Bacarin/ Shutterstock

Emílio Carlos Nelli Silva: Em geral, isso ocorre pela falta de conhecimento disponível sobre o tema. Até o início da nossa pesquisa, havia pouca exploração sobre como modificar as árvores de forma algorítmica, considerando não apenas aspectos biológicos, mas também físicos. Por isso, mesmo quem buscava técnicas de manejo mais avançadas não encontrava respostas efetivas para aprimorar o cuidado com as árvores.

O projeto usa escaneamento a laser e modelos computacionais para analisar árvores. Que condições seriam necessárias para que prefeituras adotem esse tipo de tecnologia?

Emílio Carlos Nelli Silva: Essas tecnologias fazem parte de um campo conhecido como sensoriamento remoto. Além de projetos como o nosso, esse tipo de tecnologia é amplamente utilizado na criação de mapas, na agricultura de precisão e na construção civil, entre outras atividades de grande impacto para a sociedade. Para que prefeituras passem a adotar esse tipo de tecnologia com mais frequência, é fundamental valorizar essa área do conhecimento. Do ponto de vista econômico, isso significa investir tanto em pesquisa, quanto em empresas que transformem esses avanços em soluções práticas.

Podas urbanas mais conscientes podem ter impacto na resistência das cidades a eventos climáticos extremos?

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Foto: Stefan Lambauer/ Shutterstock

Emílio Carlos Nelli Silva: Com certeza! Esse é, inclusive, um dos principais objetivos do projeto: oferecer um instrumento de adaptação às mudanças climáticas. Como a queda de árvores costuma interromper, sobretudo, o funcionamento da rede elétrica — e esses episódios tendem a se intensificar com eventos climáticos extremos —, uma metodologia de poda consciente que reduza essas quedas naturalmente contribui para diminuir o impacto desses eventos sobre a distribuição de energia nas cidades. Outras áreas afetadas por quedas de árvores também se tornam mais resilientes à medida que conseguimos minimizar esses episódios.

O projeto prevê uso de drones e Inteligência Artificial. Como equilibrar tecnologia e participação comunitária no manejo das árvores?

Emílio Carlos Nelli Silva: Para garantir esse equilíbrio, é fundamental evitar a “sobreengenharia” das soluções. Isso significa avaliar se as propostas tecnológicas são mais complexas ou custosas do que o necessário, e buscar alternativas mais adequadas nesses casos. Nesse contexto, a participação comunitária pode ser uma solução importante, especialmente quando o uso da tecnologia se mostra excessivo ou inadequado.

O banco de dados do projeto pode servir de base para Inteligência Artificial. Como garantir o uso responsável dessas informações?

Emílio Carlos Nelli Silva: Há duas frentes importantes: proteger os dados e garantir seu uso ético. Para a proteção, é fundamental seguir a Lei nº 13.709 – Lei Geral de Proteção de Dados, além de adotar ferramentas de cibersegurança, como a criptografia. Já para assegurar o uso ético dessas informações, é essencial contar com Eticistas de Dados (Data Ethicists), profissionais especializados em garantir que a coleta, o armazenamento e o uso dos dados estejam alinhados a padrões éticos reconhecidos internacionalmente — como os definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo.

Em muitas cidades, árvores são vistas como obstáculos em áreas urbanas. Qual deve ser o papel da arborização no planejamento das cidades?

Foto: Paulo Alberto/ Shutterstock

Emílio Carlos Nelli Silva: A arborização ajuda a prevenir enchentes e cria áreas com temperaturas mais amenas em dias quentes e ensolarados, por exemplo. Assim, seu papel vai além dos benefícios ecológicos de se plantar árvores, envolve também a geração de impactos sociais e econômicos positivos para as cidades.

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O desenvolvimento desse tipo de tecnologia pode estimular uma relação mais integrada entre ambiente natural e cidade?

Emílio Carlos Nelli Silva: Sim. A partir da realização de podas conscientes, que considerem a otimização natural das árvores, é possível integrá-las ao ambiente urbano de forma que não prejudiquem nem a própria árvore, nem a infraestrutura da cidade. Isso permite uma coexistência com as árvores que seja mutuamente benéfica.

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