Redução de impostos para carros: cidades pagarão a conta?

Enquanto a redução de impostos sobre carros é anunciada, questiona-se: quem arcará com as consequências nas cidades?

Por Redação em 21 de julho de 2023 5 minutos de leitura

As medidas recentemente anunciadas pelo Governo Federal visando à redução dos impostos sobre o preço dos carros têm gerado expectativas em relação aos possíveis impactos positivos para a economia e a indústria automobilística brasileira. Mas qual o preço dessas ações para a mobilidade urbana e as metas de descarbonização contra os efeitos das mudanças climáticas? 

Deve-se ainda pesar nessa essa equação a antecipação da reoneração do diesel que estava prevista para acontecer somente em janeiro de 2024, o que prejudica a operação de ônibus, impactando diretamente o bolso dos passageiros, já que dos mais de 688,8 mil ônibus em circulação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 380 veículos são elétricos. 

Para Fábio Ferreira, CEO da Empresa 1, um centro de inovação em mobilidade urbana, a presença de mais carros nas ruas resulta na diminuição do uso do transporte público, o que gera trânsito intenso, baixa qualidade de vida da população, aumento de acidentes e emissões elevadas de poluição atmosférica. 

Impactos são agravados pelo declínio do incentivo no transporte público

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De acordo com O Globo, em 2013, os recursos estatais de R$ 8,6 bilhões investidos em transporte público já eram considerados insuficientes. Logo, o montante de R$ 4,1 bilhões aplicados no ano passado cria um cenário preocupante: o investimento público em transporte urbano caiu 52% em 10 anos. 

De acordo com um estudo do pesquisador da Ipea, Rafael Pereira, há uma redução no uso do transporte público mesmo entre a população de renda média ou baixa. Isso se deve ao aumento significativo do custo das passagens, sem uma melhoria proporcional na qualidade do serviço. 

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O alto custo das passagens de ônibus representa uma parcela significativa da renda das pessoas que residem em áreas periféricas do Rio de Janeiro, por exemplo, comprometendo mais de um terço do seu orçamento. Isso ocorre devido ao fato de que o custo do transporte é maior para aqueles que precisam percorrer maiores distâncias. Essa constatação foi revelada pelo Mapa da Desigualdade 2020, elaborado pela Casa Fluminense, utilizando dados fornecidos pelas prefeituras de 22 cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro e pelas empresas de ônibus. Esse cenário tem incentivado a compra de carros, que têm sido beneficiada por incentivos públicos, assim como os combustíveis.

De acordo com a pesquisa Sistema de Indicadores de Percepção: Mobilidade Urbana, realizada pelo Ipea, se o transporte público fosse de qualidade, 70,99% da população urbana brasileira que não usam esse serviço nos principais deslocamentos diários se tornariam usuários frequentes do sistema coletivo.

Existe espaço para mais carros nas cidades?

Nos últimos 60 anos, planejadores urbanos e engenheiros priorizaram a construção de infraestrutura voltada para automóveis particulares. De 1995 e 2019, de acordo com a pesquisa “Tendências e desigualdades da mobilidade urbana no Brasil: o uso do transporte coletivo e individual“, conduzida pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), houve uma queda significativa no número de pessoas utilizando o transporte público coletivo. Enquanto isso, houve um crescimento generalizado da frota de veículos particulares, principalmente em cidades médias e pequenas (municípios com menos de 20 mil habitantes). Consequentemente, o número de veículos em circulação triplicou nesse período.

Esse fenômeno está relacionado, principalmente, a diversos incentivos econômicos concedidos aos usuários de automóveis, tais como reduções de impostos, estacionamento gratuito, controle de preços e investimentos significativos na expansão da infraestrutura voltada para a circulação de veículos.

Como consequência, os moradores de áreas urbanas no Brasil enfrentam, em média, cerca de 21 dias por ano presos no trânsito, de acordo com a Pesquisa Mobilidade Urbana 2022. O estudo ainda revela que 80% das pessoas deixam de realizar alguma atividade devido às dificuldades de locomoção.

No bagageiro dos carros, os males socioambientais e econômicos

De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), os veículos são responsáveis por aproximadamente 60% das emissões de partículas poluentes tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. 

O laboratório da USP, indicou que essa poluição tem um impacto direto na saúde, por exemplo, dos paulistanos, reduzindo sua expectativa de vida em cerca de dois anos. Indo de encontro a essa perspectiva, outro estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, mostrou que a poluição provocada pelos veículos em São Paulo causa 4,6 mil mortes por ano na cidade.

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Além da poluição, o congestionamento é um dos problemas mais evidentes enfrentados nas cidades atualmente. Cada vez que há uma ampliação de avenida, uma nova ponte ou viaduto e túneis exclusivos para carros, o uso do automóvel é ainda mais incentivado. Essa aparente solução para o congestionamento acaba piorando a situação a longo prazo, resultando em mais tráfego e congestionamento.

Do ponto de vista financeiro, o tempo perdido em deslocamentos resulta em uma perda estimada de R$ 267 bilhões para a economia brasileira. Esse valor representa a quantidade de produção econômica que deixou de ser gerada enquanto cidadãos estavam presos no trânsito. 

Leia também: O custo econômico dos congestionamentos

Por fim, existe o impacto no espaço público. Em termos de ocupação, o pedestre ocupa a menor quantidade de espaço, seguido pelo ciclista e pelos passageiros de ônibus. O Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) aponta que, surpreendentemente, um passageiro em um ônibus ocupa o mesmo espaço que um ciclista. Por outro lado, os passageiros em um carro cheio, com 5 pessoas, ocupam 25 vezes mais espaço do que um pedestre. 

Já quando há apenas uma pessoa em um carro, como é observado frequentemente nas ruas, ocupa 15 vezes mais espaço do que um passageiro de ônibus ou um ciclista, e 75 vezes mais espaço do que um pedestre.

Estudos da Folha de São Paulo mostram que, em média, são necessários 40 carros para transportar a mesma quantidade de pessoas que caberia em um ônibus. Por essa perspectiva, os carros ocupam 17 vezes mais espaço nas ruas do que o transporte público para o mesmo número de passageiros.

Pedestrianização e a evaporação do tráfego

Um estudo realizado pela Comunidade Europeia explora casos de oito cidades na Finlândia, Inglaterra, Alemanha, França e Bélgica, que podem ser adicionados aos exemplos da pedestrianização da Broadway, em Nova Iorque, e do Cheonggyecheon, em Seul, na Coreia do Sul. Em todas essas localidades, para lidar com o congestionamento, o espaço destinado aos carros foi restringido, seja para a circulação ou para estacionamento, a fim de proporcionar mais espaço para os usuários de transporte ativo e transporte coletivo. E em todos eles, foi observado o fenômeno conhecido como “evaporação do tráfego”. Em outras palavras, ao reduzir a capacidade do sistema viário para os automóveis, o volume geral de tráfego automotivo diminuiu. Em Londres, o trânsito no centro diminuiu em cerca de 22%.

Se no dicionário “congestão” é a palavra que descreve o acúmulo excessivo ou anormal de fluidos, como sangue, em um órgão ou região do corpo, no contexto das vias urbanas, ruas e avenidas, estas são as veias, e o fluxo de carros, o sangue circulante. O corpo que pede socorro, para poupar a integridade de seus membros – as pessoas – é a cidade. Resta saber se a solução para evitar o colapso será injetar mais sangue e alargar e criar mais veias ou estancar essa relação cíclica.