Lodo que vira energia: a solução que está mudando a Zâmbia

Em meio à crise energética causada por secas, uma usina em Mansa transforma resíduos de esgoto em eletricidade

Por Nathalia Ribeiro em 15 de setembro de 2025 3 minutos de leitura

Instalações de biodigestores utilizados para transformar resíduos orgânicos em energia, demonstrando um sistema sustentável de resíduos que viram energia em uma área rural.
Foto: Vadim/ Adobe Stock

A escassez de energia elétrica é um problema estrutural na Zâmbia, que se agrava com as secas prolongadas, afetando a geração hidrelétrica, responsável por grande parte da matriz energética do país. Em regiões remotas, como a província de Luapula, essa instabilidade no fornecimento coloca em risco serviços essenciais, como o abastecimento de água e o tratamento de esgoto.

Mas uma transformação energética já está em curso. A Luapula Water Supply and Sanitation Company (LpWSC), responsável pelo abastecimento e saneamento nesta região distante, desenvolveu um projeto inovador que transforma resíduos em energia: a geração de eletricidade a partir do biogás.

Na estação de tratamento de águas residuais recém-inaugurada em Mansa, capital regional, o cenário tradicional ganha uma nova configuração. Em vez de depender exclusivamente da instável rede hidrelétrica nacional, a estação passou a produzir sua própria energia, capturando o metano gerado na decomposição do lodo de esgoto.

Um problema antigo, uma resposta inovadora

A iniciativa foi moldada a partir de um intercâmbio direto entre a LpWSC e seus parceiros alemães, liderados pela Stadtentwässerung Dresden, com o apoio da Fernwasserversorgung Elbaue Ostharz e da Zweckverband Wasser und Abwasser Vogtland. De um lado, a expertise técnica e a experiência acumulada na Europa, do outro, o conhecimento do território, a liderança operacional e uma meta clara de autossuficiência energética. 

“Este projeto não se trata apenas de energia, trata-se de liderança diante da crise”, disse ao portal da ONU-HABITAT, o gerente sênior de engenharia da LpWSC, Golden Manyanga. “Vimos os desafios das mudanças climáticas e da insegurança energética e optamos por responder com inovação. Ao transformar resíduos em energia, estamos mostrando que uma concessionária zambiana pode liderar a transição para soluções energéticas limpas, confiáveis e nacionais”, completou. 

A usina de biogás em Mansa funciona por meio da digestão anaeróbica, processo natural que degrada resíduos orgânicos na ausência de oxigênio, liberando gás metano. Esse gás é capturado, purificado e transformado em eletricidade, que alimenta tanto a estação de tratamento, quanto as estações de bombeamento da região.

Os impactos dos resíduos que viram energia 

Os ganhos ambientais são tangíveis. Ao capturar o metano produzido na decomposição do esgoto, um gás de efeito estufa com potencial de aquecimento global superior ao do dióxido de carbono, a LpWSC reduz significativamente a emissão de poluentes que prejudicam o clima. Esse processo contribui para um tratamento mais eficiente das águas residuais, transformando um problema ambiental em uma solução sustentável.

Plantio sustentável em estufa utilizando resíduos que viram energia como fertilizante solução sustentável para agricultura ecológica.
Foto: Jat306/ Shutterstock

Além disso, o lodo remanescente do tratamento não é descartado, mas convertido em fertilizante orgânico, que pode ser utilizado pela agricultura local. Essa prática estabelece um ciclo de reaproveitamento, onde os resíduos do saneamento alimentam a produção agrícola, promovendo a economia circular e fortalecendo comunidades rurais.

Para os profissionais envolvidos, o impacto também é positivo. A operação do sistema gerou novos postos de trabalho nas áreas de operação, manutenção e capacitação técnica, estimulando a formação de uma equipe local especializada em tecnologias limpas e renováveis. Com a redução dos custos com energia, a empresa tem mais recursos para investir na ampliação e na melhoria dos serviços.

O projeto também contribui para a saúde pública ao reduzir a contaminação dos corpos d’água da região, diminuindo os riscos de doenças transmitidas pela água. A melhoria nas condições ambientais beneficia tanto a população local, quanto os trabalhadores da estação.

O próximo passo 

A LpWSC planeja expandir a capacidade da usina de biogás para, no futuro, oferecer energia excedente às comunidades vizinhas. Também está em análise a adoção de painéis solares, que integrados ao sistema atual, criariam uma fonte híbrida, aumentando a autonomia energética da região.

Em um país altamente dependente da energia hidrelétrica, vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, o projeto em Mansa demonstra como inovação, parcerias internacionais e gestão eficiente podem reforçar a resiliência energética e promover o desenvolvimento sustentável urbano.

Resíduos que viram energia no Brasil

No Brasil, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Água, Saneamento e Sustentabilidade (GEPASS), ligado ao LabSanTec da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), desenvolveu o chamado Sistema Bioeletroquímico Empilhável, projetado para converter efluentes orgânicos em eletricidade e hidrogênio por meio da ação de microrganismos. Diferentemente de processos que demandam grande consumo de energia, o sistema propõe inverter a lógica, em vez de gastar, gerar energia durante o tratamento.

A tecnologia se baseia em microrganismos que degradam matéria orgânica biodegradável, isso a torna promissora para resíduos como esgoto doméstico e subprodutos da agroindústria, mas também a limita frente a efluentes não-orgânicos, como os de algumas siderúrgicas, que não servem de alimento aos microrganismos utilizados.

Em fase laboratorial, a solução precisa avançar para testes em escala piloto com parceiros industriais e de saneamento. Segundo o coordenador Marcelo Nolasco, em entrevista ao jornal da USP, a adoção depende da abertura do setor produtivo a inovações que, apesar do investimento inicial, tendem a gerar retornos econômico e ambiental no médio e longo prazos.

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