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Entulho é matéria-prima e inspiração para arquitetas paulistas da RUÍNA
Mais do que reciclar materiais, Julia Peres e Victoria Braga querem inverter o canteiro de obras nas cidades com a RUÍNA Arquitetura
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Camila de Lira em 19 de dezembro de 2022 4minutos de leitura
A construção e a destruição andam lado a lado. Principalmente nas cidades, onde a alta densidade reduz o espaço hábil para erguer novas edificações. O ciclo parece esse: destrói, limpa, constrói, limpa, destrói, limpa, constrói. Os resíduos produzidos por ambos, diferente do território, se acumulam e desafiam o espaço urbano. Julia Peres e Victoria Braga querem quebrar este ciclo. Criadoras da RUÍNA Arquitetura, elas têm o objetivo de transformar o que era para ser entulho em estrutura em forma de casas e prédios.
A RUÍNA Arquitetura reaproveita materiais excedentes de obras. São tijolos e pisos feitos a partir de “sobras” que, nas mãos de Julia e Victoria, ganham nova vida na casa de outras pessoas. “As ruínas urbanas são esses materiais que vêm das demolições. É a partir delas que as cidades podem ser recriadas. Vemos este material como um recurso e não entulho. Um recurso a ser apropriado, entendido, desenvolvido e recriado”, explica Julia.
O escritório, que foi um dos homenageados no 1º Prêmio Habitability, mostra que é possível unir os elos para a criação de novas cidades, sem precisar reconstruir tudo do zero.
Reconstrução da cidade construída
Por mais que o discurso sobre smart cities e planejamento urbano fale sobre erguer novos bairros e desenhar espaços do zero, a realidade dos grandes centros urbanos está muito longe disso. Não é possível, simplesmente, destruir prédios e implodir construções para colocar novas “mais verdes” no lugar. A arquitetura na cidade, diz Victoria, se aproxima mais da demolição do que da construção.
“Muitas pessoas têm uma percepção da arquitetura como descolada da construção. Como se o arquiteto fosse apenas aquela pessoa desenhando na prancheta, longe do canteiro de obra”, diz Victoria. Para as criadoras da RUÍNA Arquitetura, a reutilização de descartes das obras aproxima o planejamento e a “mão na massa”.
Fotos: Lauro Rocha
“A ideia é entender qual é o ciclo do reuso. O que acreditamos é justamente na redução do número de caçambas que vão para fora da obra, queremos tentar trabalhar dentro desse ciclo e buscar uma linguagem, uma ideia estética dos materiais. Dá para ser usado de diversas formas, como acabamento, por exemplo”, aponta Julia.
As jovens arquitetas veem os tijolos e revestimentos que testam e criam como uma “bioconstrução”, só que da cidade. “Não trabalhamos com materiais biodegradáveis, mas com materiais que têm muito excedentes nas cidades. Se a gente fosse parar para ver qual é a matéria-prima das cidades, veria que é o entulho de obra”, analisa Victoria.
A cidade, segundo RUÍNA Arquitetura
Para Victoria e Julia, a cidade inteligente é aquela que valoriza a sua memória e o patrimônio cultural. “Temos uma cultura da higienização e do apagamento Não sabemos quem construiu e qual a história dos materiais. São apagamentos efetivos e simbólicos – se algo não tem história, parece simples só descartar e pegar um novo. Essa concepção tem que mudar.”, fala Julia.
Para Victoria, também é uma questão de ressignificar o relacionamento das pessoas com a natureza. “A cidade do futuro, que queremos viver, é uma que interage com os elementos naturais e não aquela que os utilizam como algo a ser domado, extraído e consumido”, diz Victoria.
O futuro será coletivo
Um dos projetos que a RUÍNA lidera é realizado em conjunto com a Ocupação 9 de Julho. Julia e Victoria desenvolvem materiais em parceria com moradores da Ocupação, no centro de São Paulo. Feitos com descartes de materiais, tijolos de entulho já são utilizados como canteiros na horta da Ocupação.
Fotos: Lauro Rocha
A partir dos testes, foi possível perceber que os tijolos de entulho podem ser estruturais, porque têm resistência para isso. “Testamos o modelo de fundação com reutilização de pneus e entulho. É uma série de experimentações que estamos registrando em um manual e redistribuindo entre as pessoas. Existe uma preocupação muito grande da gente não desenvolver o material sem torná-lo acessível para todos”, disse Victoria.
Para as arquitetas, é importante quebrar a parede entre “quem pensa na obra e quem faz a obra”. A experiência coletiva das ocupações, afirmam as fundadoras da RUÍNA Arquitetura, é a raiz para uma nova cidade: mais inclusiva, sustentável e com muito menos entulho nas ruas.
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