Síndrome do Edifício Doente: por que tantos edifícios ainda fazem mal à nossa saúde?

Da qualidade do ar à iluminação, pesquisadora Maíra Vieira Dias analisa os fatores que adoecem edificações e pessoas.

Por Paula Maria Prado em 24 de novembro de 2025 8 minutos de leitura

Arquiteta e urbanista Maíra Vieira Dias
Maíra Vieira Dias (Foto: Arquivo pessoal)

A maior ameaça à nossa saúde nas cidades pode não estar nas ruas, mas dentro dos edifícios onde passamos a maior parte do dia. A Síndrome do Edifício Doente (SED), reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS ) desde os anos 1980, reacende discussões sobre qualidade do ar, ventilação, iluminação e os materiais que moldam nossos ambientes internos. Mesmo com avanços tecnológicos, muitos prédios continuam provocando desconforto e afetando o bem-estar de seus ocupantes, evidenciando uma persistente desconexão entre inovação, prática projetual e saúde pública.

Para entender por que isso ainda acontece, o Habitability conversou com a arquiteta e urbanista Maíra Vieira Dias. Ela também é mestre em engenharia civil e doutora em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, com estágio no laboratório LESO-PB da EPFL (Suíça) e professora na Universidade Estadual Paulista – Campus Bauru (Unesp).

Na entrevista, Maíra explica os mecanismos que tornam um edifício suscetível à SED, discute como decisões culturais e técnicas continuam influenciando a arquitetura atual e aponta caminhos para criar espaços mais saudáveis. Confira.

Por que ainda é comum que os edifícios adoeçam — e façam adoecer — mesmo com tantos avanços tecnológicos?

Ambiente de escritório com computadores e plantas, ilustrando a preocupação com a Síndrome do Edifício Doente e seus efeitos na saúde dos trabalhadores.
Foto: People Images/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Os edifícios continuam adoecendo e afetando a saúde de seus ocupantes porque o desenvolvimento tecnológico nem sempre foi acompanhado por uma transformação cultural, normativa e projetual equivalente. No início do século XX, os edifícios contavam com aberturas que privilegiavam a ventilação natural e eram construídos com materiais naturais, como madeira, pedra e barro, que não liberam toxinas. Contudo, a introdução de carpetes, colas, vinis e produtos de madeira prensada trouxe uma variedade de compostos orgânicos voláteis e partículas nocivas, tornando o ar interno tóxico.

Com a crise do petróleo na década de 1970, houve a necessidade de conservar energia e reduzir a troca de ar entre o ambiente interno e o externo, diminuindo assim a quantidade de ar externo que precisava ser resfriada ou aquecida por sistemas mecânicos. Essa condição levou arquitetos e engenheiros a projetarem edifícios hermeticamente fechados, favorecendo a concentração de poluentes.

Foi a partir disso que a situação começou a se agravar, chamando a atenção da OMS para o tema e a criação do termo Síndrome do Edifício Doente?

Mulher espirrando em lenço no ambiente de escritório, trazendo ligação com a Síndrome do Edifício Doente, e a condição de saúde e ambiente de trabalho fechado.
Foto: Drazen Zigic/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Na década de 1980, a Organização Mundial da Saúde passou a utilizar o termo Síndrome do Edifício Doente (SED) para descrever os efeitos das construções sobre as pessoas. A SED caracteriza-se por um conjunto de sintomas inespecíficos que os ocupantes dos edifícios vivenciam, devido à exposição a agentes nocivos ou pela sensação de mal-estar ou desconforto ocasionada pela permanência no local. Embora sua causa ainda seja desconhecida, diversos estudos indicam que a síndrome resulta da combinação de fatores ambientais, comportamentais e fisiológicos, que acarretam desconforto, adoecimento e redução do desempenho.

Quais fatores contribuem para a Síndrome do Edifício Doente?

Profissional analisando infiltração e problemas na estrutura do teto que podem contribuir para a Síndrome do Edifício Doente, destacando fatores de saúde e segurança.
Foto: Toa55/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Entre os principais fatores que contribuem para o surgimento da SED estão ventilação inadequada, manutenção deficiente de sistemas de ar-condicionado, controle ineficiente da temperatura e umidade, falta ou excesso de iluminação, exposição prolongada ao ruído, materiais nocivos como amianto ou tintas com chumbo, acúmulo de poeira e contaminação por mofo, fungos ou bactérias. Os sintomas mais comuns incluem dores de cabeça, cansaço, fadiga mental, irritação nos olhos, pele ou garganta, alergias, sensibilidade a odores, tontura e náusea. Quanto mais tempo os indivíduos permanecerem nos edifícios doentes, maior a tendência de agravamento dos sintomas.

De que forma os avanços tecnológicos podem contribuir para mitigar esses efeitos da Síndrome do Edifício Doente?

Maíra Vieira Dias: Os avanços tecnológicos aplicados à eficiência energética e ao conforto térmico têm mudado a forma como projetamos, operamos e monitoramos os edifícios, permitindo condições internas mais estáveis e saudáveis. Por outro lado, a manutenção inadequada, a falta de integração entre sistemas e decisões projetuais que priorizam apenas o desempenho energético podem gerar condições adversas. Mesmo com tecnologias de filtragem e monitoramento, os riscos da SED persistem. A ausência de regulamentações e políticas públicas é uma barreira para que os edifícios se tornem realmente saudáveis.

Entre ventilação, iluminação e materiais, qual fator mais contribui para a Síndrome do Edifício Doente?

Mulher sorridente ajustando cortinas em uma janela de vidro com boa iluminação natural e ventilação, ideal para ambientes com iluminação e ventilação eficiente.
Foto: nicepix/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Os três fatores contribuem para a SED; entretanto, a ventilação inadequada se mostra mais decisiva para o surgimento e agravamento dos sintomas da síndrome. Ambientes mal ventilados apresentam maiores concentrações de dióxido de carbono, partículas em suspensão provenientes de poeira, resíduos de impressoras e fibras de tecidos, compostos orgânicos voláteis liberados por tintas, colas, adesivos, carpetes e produtos de limpeza, bem como fungos, mofo, bactérias e esporos que proliferam em ambientes úmidos ou com infiltrações. Nos edifícios herméticos adotados após a crise de 1970, esses problemas podem ser ainda maiores se não houver renovação adequada do ar.

A iluminação excessiva ou mal planejada pode gerar desconforto visual, dores de cabeça, irritação ocular, dificuldade de concentração, queda na produtividade e desregulação dos ritmos biológicos. Além disso, a iluminação influencia diretamente a forma como percebemos os espaços e nossa sensação de bem-estar. Já os materiais de acabamento podem liberar compostos químicos que permanecem suspensos quando não há ventilação adequada. No dia a dia, medidas simples ajudam a aliviar os sintomas: abrir janelas, permitir entrada de luz natural, higienizar equipamentos de ventilação, evitar acúmulo de poeira e fazer pausas regulares ao longo do dia.

É possível projetar uma “arquitetura que cura”? Como isso se traduz na prática?

Homem sorridente regando plantas em ambiente interno bem iluminado com luz natural através de janelas grandes, decoração moderna e plantas variadas.
Foto: Syda Productions/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: A arquitetura, por si só, não cura, mas pode desempenhar papel significativo na recuperação, na redução do estresse, da ansiedade e do desconforto, contribuindo para o bem-estar físico, emocional e cognitivo dos indivíduos.

Um ambiente bem projetado minimiza estímulos nocivos e oferece condições que fortalecem o organismo e melhoram a experiência humana durante processos de tratamento, repouso ou reabilitação. Na década de 1980, Roger Ulrich demonstrou esse potencial ao evidenciar que pacientes com vista para a paisagem natural apresentaram recuperação pós-operatória mais rápida e necessitavam de menos analgésicos em comparação a pacientes cuja janela era voltada para uma parede de tijolos, em um hospital na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Esse estudo é um marco por mostrar que o ambiente físico influencia processos fisiológicos e emocionais, mesmo sem atuar diretamente como agente de cura.

Devemos pensar nos edifícios como nossa terceira pele, atuando como uma camada de proteção entre nosso corpo e o ambiente externo. Essa perspectiva orienta a criação de espaços capazes de acolher, acalmar e apoiar processos de recuperação. Na prática, isso se traduz em conexão com a natureza, controle de ruído, boa qualidade do ar, ventilação adequada, uso da luz natural e organização funcional dos espaços.

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Que soluções sustentáveis podem tornar os ambientes internos mais saudáveis?

Duas pessoas analisando soluções sustentáveis para ambientes internos, incluindo energia solar e ventilação, para prevenir a Síndrome do Edifício Doente.
Foto: PanuShot/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Soluções sustentáveis devem combinar cuidado ambiental, desempenho do edifício e bem-estar, buscando reduzir impactos ao longo de todo o ciclo de vida da edificação — desde a concepção e projeto, passando pela construção e uso, até a eventual demolição — priorizando eficiência energética, uso racional de recursos naturais e materiais de baixo impacto ambiental. No interior dos edifícios, isso se traduz na escolha de materiais naturais, reciclados ou de baixa emissão de compostos químicos, luz natural, ventilação cruzada e redução da dependência de sistemas mecânicos, promovendo confortos térmico e visual, ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência energética.

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Eficiência também implica, portanto, em edificações mais saudáveis?

Maíra Vieira Dias: Edifícios eficientes no uso de água e energia, com automação para otimizar climatização e iluminação, mantêm condições internas mais estáveis. Essa estabilidade, aliada ao manejo correto da água e dos resíduos, evita a proliferação de mofo, fungos e bactérias, assegurando um ambiente interno mais seguro e higiênico. Igualmente relevante é a gestão responsável de materiais e resíduos durante a construção e operação do edifício, que reduz impactos ambientais e prolonga o ciclo de vida dos produtos utilizados.

De que forma o Feng Shui pode ajudar a prevenir ou reduzir os efeitos da SED?

Decorativo arranjo de flores brancas em vaso de cerâmica, ideal para aplicar feng shui na decoração de ambientes internos e promover harmonia.
Foto: Almahira hafshah/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: O Feng Shui pode ser entendido como um princípio de organização espacial que busca promover harmonia e equilíbrio entre as pessoas e o ambiente, favorecendo uma atmosfera mais estável, confortável e tranquila. Dessa forma, muitos de seus preceitos podem contribuir para reduzir fatores associados à SED.

A iluminação natural e o movimento do ar são essenciais, favorecendo ventilação cruzada e renovação contínua. Da mesma forma, ao permitir a entrada de luz natural de maneira equilibrada, reduz-se a dependência de iluminação elétrica durante o dia e favorece-se a regulação circadiana. A organização do mobiliário cria percursos fluidos e reduz acúmulo de poeira e umidade, fatores frequentemente associados à piora das condições ambientais internas.

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O que significa, para você, criar espaços verdadeiramente habitáveis e saudáveis?

Grupo de idosos sorridentes desfrutando de um momento de convivência e alegria em um ambiente acolhedor, promovendo espaços verdadeiramente habitáveis e saudáveis para o envelhecimento ativo.
Foto: wavebreakmedia/ Shutterstock

Maíra Vieira Dias: Criar espaços habitáveis e saudáveis é conceber ambientes responsivos às exigências do clima, às demandas do território e às necessidades humanas. No contexto atual, marcado pelas mudanças climáticas e pelo aumento de eventos extremos, projetar espaços saudáveis é também um compromisso ético com a resiliência, a equidade e a sustentabilidade. Isso significa não apenas utilizar materiais seguros e garantir qualidade do ar, boa ventilação, iluminação natural adequada, conforto acústico, controle de umidade, acesso visual ao exterior e uma organização espacial que facilite a orientação, a permanência e a convivência, mas também reduzir estressores ambientais, favorecer a saúde mental, proporcionar segurança e reforçar vínculos sociais.

Quando a diversidade humana é considerada, incluindo diferenças de idade, gênero, rotinas, sensibilidade, culturas e modos de viver, o projeto deixa de ser apenas a organização de formas e funções e passa a ser a construção de experiências inclusivas, sensíveis à maneira como as pessoas se movem, trabalham, descansam e interagem entre si e com o espaço. Isso contribui para criar sentimento de pertencimento e bem-estar coletivo.

Qual deve ser o papel da arquitetura na construção de cidades que cuidam das pessoas?

Maíra Vieira Dias: O papel da arquitetura é planejar espaços urbanos acessíveis, confortáveis e acolhedores, que estimulem sociabilidade, mobilidade ativa e pertencimento, oferecendo também refúgios de descanso e contato com a natureza, promovendo saúde, bem-estar, segurança, inclusão e qualidade de vida.

É essencial considerar condições ambientais locais — conforto térmico, qualidade do ar, ventilação natural e iluminação adequada — para criar cidades resilientes e capazes de se adaptar a ondas de calor, enchentes, ventos fortes e chuvas intensas, assim como aos desafios urbanos contemporâneos, como crescimento populacional, poluição, aumento do tráfego e degradação ambiental. Ao unir desempenho ambiental, funcionalidade e atenção às experiências humanas, a arquitetura contribui para a construção de cidades mais inclusivas, equitativas e saudáveis.

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