Nada de smart homes, chegamos na era das smart construções: obras que custam menos tempo, matéria-prima e mão de obra. Em troca, ganham mais flexibilidade e produtividade. Por meio da automatização e da construção modular, o futuro, que antes parecia utópico, já está sendo edificado e vai chegar em breve para mudar as fundações do setor de construção civil, no que depender da Resia – incorporadora da MRV&CO que atua exclusivamente no mercado de locação de imóveis nos Estados Unidos.
Em entrevista exclusiva ao Habitability, a diretora de product development and innovation da Resia Selma Rabelo contou como a companhia quer transformar a operação da incorporadora em uma montadora de edifícios e como a tecnologia está ajudando isso a se tornar realidade, dando corpo às smart construções. “Criamos um mindset de pensar na obra como uma linha de montagem, e não como um espaço apenas para construção in loco”, disse a diretora.
“A construção ficou atrás de todas as indústrias em ganho de produtividade no último século. Apenas a manufatura aumentou a produtividade 16 vezes nos últimos 10 anos, enquanto a construção não cresceu nem três vezes, comenta Selma. A automatização e a tecnologia vêm para suprir esse gap e aumentar a produção do setor.
Mindset do setor automobilístico nutre a essência das smart construções modulares
Ter o mindset de linha de montagem depende de dois fatores. O primeiro é o design, que traz embutido a tecnologia. E é aí que entra o “pod”, como a Resia chama seus módulos pré-construídos. “O pod é como se fosse uma caixa pronta com um espaço que foi todo montado em fábrica e é encaixado quando as fundações do apartamento estão prontas”, explica Selma.
“O paralelo é forte com a produção automotiva. A produção de veículos já tinha superado a questão da fabricação com segurança há muito tempo. Eles deixaram de criar tudo na fábrica e passaram apenas a montar os carros. Existe toda uma cadeia de fornecedores de peças de automóveis”, comenta a executiva. Ao montar os veículos, as fabricantes ganharam em tempo e em produtividade. E é o que a Resia espera com os pods.
Segundo Selma, a expectativa é que a construção modular diminua em 51% o tempo total da obra da Resia. Apenas os pods serão responsáveis por uma queda de 28% no tempo total do serviço. A Resia, atualmente, tem pods de banheiros, cozinhas e do espaço de ar-condicionado e lavanderia. Com os módulos, a companhia tem o objetivo de montar um apartamento em 30 dias. “A Resia é mais como uma empresa que faz montagem em canteiro de obra do que constrói em canteiro de obra”, destaca Selma.
Smart construções – mudanças em cascata
Apenas construir os módulos, no entanto, não traria tanta produtividade. (Re)pensar o design dos apartamentos sob a ótica das smart construções também foi necessário. “Repensamos todos os apartamentos que construímos e chegamos a três modelos diferentes, todos eles construídos a partir de módulos parecidos”, disse Selma.
Para pensar na construção “offisite”, é preciso pensar na “repetição”. “Não adianta colocar na linha de montagem vários modelos de cozinha e de banheiros. Não ganha em produtividade. É preciso produzir o mesmo modelo, assim como as fábricas produzem os mesmos modelos de carro”, disse Selma.
Além disso, a companhia ainda está trabalhando em soluções de fachada pronta e em um “partial dry in”, ou seja, uma solução para proteger os apartamentos da água, fazendo com que os pods possam entrar mais cedo durante a obra. O que também ajuda a reduzir o tempo final de construção.
Pensar como montadora significou transformar não só o jeito de desenhar os espaços, como também a forma de se relacionar com os colaboradores. Aqueles que antes estavam acostumados a fazer toda a obra no canteiro tiveram que se adaptar aos modelos pré-prontos vindos de fábrica. Quebrar o formato tradicional de construir tudo no espaço de obra se mostrou um desafio para a conversa com os empreiteiros. “Eles tiveram que aprender como precificar o trabalho, já que tiramos parte do escopo deles. O escopo menor também funcionou em favor deles, porque eles conseguem fazer de quatro a seis projetos ao mesmo tempo e conseguem levantar mais dinheiro”, comentou a executiva.
Do banheiro para a casa
A incursão da Resia nos “pods” começou pelo banheiro. Para aqueles que trabalham com construção, o banheiro é o ponto mais complexo de se conectar a um apartamento, já que ele concentra atividades diversas e específicas, como hidráulica, mecânica e elétrica. “Fazer um banheiro era um trabalho em cadeia que, se uma parte da obra atrasasse, atrasava tudo. Isso sem contar que, por ser um trabalho sequenciado, há chances de a ação de um danificar a do outro, o que leva tudo à estaca zero”, explica Selma. Tudo isso para a entrega de um espaço relativamente pequeno.
Sob a perspectiva de uma cadeia de produção, o banheiro era um gargalo que precisava ser resolvido. Os pods de banheiro já existiam no mercado, mas eram mais voltados para a construção de hospitais e hotéis. A Resia achou uma forma de adaptá-los para suas construções e passou a testá-los em modelos 3D e depois em apartamentos.
A partir dos módulos, hoje em dia, é possível seguir levantando a obra enquanto se produz os banheiros e as cozinhas. E o principal é que a construção é feita em um ambiente controlado, o que significa que já são inspecionados e têm qualidade atestada em série. Outro ponto é que os pods podem ser feitos em paralelo com a construção das paredes, ganhando um tempo precioso para a edificação. “A obra começa mesmo antes da obra começar, porque ela já está sendo feita na fábrica”, acrescenta Selma.
Bloco por bloco, uma nova fábrica para fomentar o crescimento do setor
A incorporadora da MRV&CO que opera nos Estados Unidos recentemente anunciou que vai construir uma fábrica para construir os módulos – ou pods – dos edifícios. A fábrica terá capacidade de produzir entre 18 mil e 20 mil módulos por ano. Ganhar essa independência é essencial para o crescimento da Resia, diz Selma. “Atualmente, o mercado norte-americano produz 30 mil pods por ano, a maioria deles para hotéis e hospitais. E 30 mil pods é o que a Resia vai precisar apenas para garantir a expansão que terá até 2026”, comenta a executiva.
A Offsite Manufacture deve ficar pronta até 2024 e também vai contar com automatização. “As fábricas de pods que conhecemos ainda têm muito trabalho manual e artesanal. E isso tem justificativa, porque são indústrias que precisam fornecer para diversas empresas. Mas o que pretendemos fazer é criar a linha de produção dos apartamentos. Sairá sempre os mesmos banheiros, as mesmas cozinhas. Ou seja, o mais automatizado possível”, disse a executiva. A MRV&CO fará investimento de US$ 32 milhões apenas para maquinário da Resia Offsite Manufacture.
E + S do ESG
Além do ganho de tempo, há também o ganho relacionado à mão de obra. Em um momento em que a briga por mão de obra qualificada para as construções aumenta, especialmente nos Estados Unidos, a tecnologia é oportuna. Cálculos da Resia indicam que a quantidade de trabalhadores utilizada em cada obra deve cair em 40%.
O envelhecimento da população norte-americana, bem como a disputa com a indústria de e-commerce e tecnologia pelos trabalhadores também afeta a Resia. Para a companhia, a possibilidade de construir em fábricas é oportunidade de “competir de frente” com o mercado de tecnologia. “A solução offsite pode competir diretamente com o mercado que está cooptando trabalhadores, já que oferece condições de trabalho, teto e ar-condicionado para as pessoas”, comenta.
Do ponto de vista ambiental, os pods trazem a capacidade de reduzir os desperdícios. “Sabemos o tamanho de cada painel para os pods e já o compramos sob medida, isso diminui o lixo produzido pela obra”, disse Selma. Ela também destaca que o fato de a construção pesada ficar dentro da fábrica traz menos impactos de barulho e sujeira para a vizinhança. A construção modular é um meio da edificação utilizar materiais novos e, como no conceito de smart construções, trazer mais eficiência . A Resia, por exemplo, estuda colocar fibras sustentáveis na constituição dos pods para substituir o drywall. “O futuro da cidade e do mercado é evoluir na direção da flexibilidade e da acessibilidade. Tanto da moradia, quanto da construção como um todo”, finaliza a executiva.