Supercapacitor de cimento-carbono pode transformar casas em armazenadoras de energia

Experimento do MIT com carbono negro pode ajudar a traçar o futuro do armazenamento de energia renovável.

Por Ana Cecília Panizza em 11 de fevereiro de 2025 4 minutos de leitura

supercapacitor de cimento-carbono
Foto: bogubogu/ Shutterstock

O mundo enfrenta o desafio de migrar de uma economia baseada em combustíveis fósseis, principais responsáveis pelas mudanças climáticas em função da liberação de gases de efeito estufa (GEE), para uma economia ancorada por energia renovável como as geradas por sol, vento e água. Como esses elementos nem sempre estão disponíveis em abundância, essas soluções não poluentes dependem do armazenamento de energia, feito por baterias e capacitores, fabricadas com minerais – sujeitos, portanto, a escassez. Isso motiva a ciência a procurar soluções alternativas, como a testada por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, Estados Unidos: o supercapacitor de cimento-carbono.

A solução armazena energia a partir de materiais simples e baratos: água, cimento e carbono negro, substância parecida com fuligem. A mistura gera blocos escuros de concreto, que podem ser usados para construir edifícios. Ou seja, uma casa passaria a ter também a função de um imenso capacitor de armazenamento de energia. 

Capacitores são dispositivos que armazenam energia em forma elétrica, enquanto as baterias armazenam energia em forma química e convertem em energia elétrica. A equipe do MIT descreveu o experimento com o supercapacitor de cimento-carbono em artigo publicado na revista PNAS. O dispositivo funciona a partir da propriedade do carbono negro, também conhecido como negro de carbono ou negro de fumo, que é altamente condutor. Quando esse material é combinado com cimento e água, forma-se um tipo de concreto escuro repleto de redes de material condutor.

Os supercapacitores podem acumular grandes quantidades de carga rapidamente, o que pode torná-los úteis para armazenar energia produzida por fontes renováveis ​​intermitentes, como energias eólica e solar. Por exemplo, em uma casa abastecida por painéis solares: durante o dia seria usada a energia solar proveniente diretamente dos painéis, enquanto à noite seria usada a energia armazenada nas fundações (feitas com concreto escuro) da casa. Isso também reduziria a pressão sobre a rede de abastecimento de energia durante momentos com menos incidência solar. 

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Segundo o artigo, o supercapacitor de cimento-carbono é capaz de armazenar pouco menos de 300 watts-hora por metro cúbico — o suficiente para abastecer uma lâmpada LED de 10 watts por 30 horas. Já uma fundação de 30 a 40 metros cúbicos de concreto pode ser suficiente para atender às necessidades diárias de energia de uma residência.  

Pontos positivos e negativos do supercapacitor de cimento-carbono

Divulgação/MIT

O supercapacitor de cimento-carbono não é perfeito. Um dos desafios enfrentados pela equipe do MIT é que os dispositivos descarregam rapidamente e não garantem uma produção constante e necessária para abastecer uma casa ao longo do dia. Assim, os pesquisadores do instituto americano trabalham em uma solução para refinar a versão atual do cimento-carbono. Outro obstáculo: caso se adicione mais carbono negro para que o supercapacitor armazene mais energia, o concreto ficará mais frágil. 

Além disso, mesmo que o supercapacitor de cimento-carbono ajude a reduzir a dependência de lítio, esses dispositivos também podem prejudicar o meio ambiente. Isso porque a indústria de cimento gera 8% das emissões globais de CO2, o triplo das emissões do setor de aviação, e uma tonelada de CO2 para cada tonelada de cimento. Outro ponto é que o cimento-carbono necessário para os supercapacitores teria que ser fabricado na hora, em vez de ser reaproveitado de estruturas existentes.

Segundo o físico Hudson Zanin, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador de centros de pesquisa de conversão e armazenamento avançado de energia na mesma universidade, o supercapacitor de cimento-carbono já foi testado anteriormente e tem vantagens e desvantagens. 

Hudson Zanin (Foto: Divulgação)

Uma vantagem é o aproveitamento de espaço já existente, o que elimina a necessidade de infraestrutura adicional para armazenamento de energia. “Como os supercapacitores são incorporados ao concreto, é possível transformar elementos estruturais, como paredes e pisos, em sistemas parcialmente condutores elétricos para acumulação. Com isso, é possível armazenar e liberar energia”, explica Zanin, que se dedica ao desenvolvimento de tecnologias para transição energética. Sua especialização abrange tecnologias como baterias, supercapacitores, reformadores, células a combustível e hidrogênio renovável. Ele fundou a primeira planta-piloto em escala laboratorial de baterias e supercapacitores no hemisfério sul.

A solução, segundo o professor, “também promove uma maior integração entre a arquitetura e a engenharia elétrica, permitindo que edifícios sustentáveis desempenhem um papel ativo na transição energética”. Zanin destaca que a durabilidade do concreto, projetado para resistir por décadas, pode oferecer um suporte estrutural robusto para os sistemas de armazenamento.

Por outro lado, o pesquisador pondera que a incorporação de supercapacitor de cimento-carbono em estruturas de concreto apresenta desafios consideráveis. “Um dos principais pontos contrários é que o sistema de cimento com negro de fumo tem uma resistência muito alta. Por isso, dissipa muito calor, muita energia, perdendo eficiência, além de aquecer o prédio”. 

Zanin também alerta que a vida útil limitada dos materiais eletroquímicos usados no supercapacitor de cimento-carbono não passa de 15 anos. “Essa limitação contrasta drasticamente com a expectativa de vida de edifícios, que frequentemente supera 100 anos, criando uma incompatibilidade fundamental entre a longevidade estrutural e a funcionalidade do sistema de armazenamento. A manutenção ou substituição de componentes capacitivos embutidos poderá ser extremamente complexa e custosa, uma vez que exige intervenções em partes essenciais da estrutura do edifício. Essa complexidade não está presente em sistemas de baterias tradicionais, que podem ser acessados, reparados ou substituídos com relativa facilidade em locais dedicados”. 

Embora sair de uma escala reduzida, de laboratório, para uma implementação ampla, em maior escala e volume, seja um desafio, as pesquisas do supercapacitor de cimento-carbono mostram caminhos que podem ajudar a ciência a driblar o obstáculo do armazenamento de energia.