The Big U: proteção que se transforma em espaço de convivência

Com design e engenharia, projeto em Manhattan transforma parques, ciclovias e áreas de lazer em defesa contra enchentes, integrando resiliência e qualidade de vida.

Por Nathalia Ribeiro em 13 de novembro de 2025 6 minutos de leitura

Manhattan com o projeto The Big U, uma proteção que se transforma em espaço de convivência na cidade. Vista aérea do skyline de Manhattan, Nova York.
Foto: Rene Pi/ Shutterstock

Nova Iorque, uma das cidades mais emblemáticas do mundo, precisou repensar sua relação com o mar depois que o furacão Sandy, em 2012, inundou bairros inteiros e revelou o quanto o ambiente urbano pode ser vulnerável diante das forças da natureza. Deste episódio nasceu uma pergunta que vai muito além da engenharia: como proteger uma cidade sem afastá-la daquilo que a cerca?

Foi a partir desse desafio que surgiu o The Big U, projeto do escritório dinamarquês Bjarke Ingels Group (BIG) em parceria com a iniciativa Rebuild by Design. A proposta redesenha o sul de Manhattan com uma solução híbrida em que parques, ciclovias e áreas de lazer se transformam em barreiras contra enchentes e tempestades. Em vez de muros ou diques isolados, o projeto combina engenharia e paisagismo de forma que o que protege também acolhe, uma abordagem que transforma o risco em oportunidade de renovação urbana.

O The Big U vem sendo gradualmente implementado em Nova Iorque. Sua primeira grande etapa começou a se materializar com o East Side Coastal Resiliency (ESCR), desenvolvido ao longo do East River Park. As obras do projeto tiveram início em 2020 e estão sendo entregues em fases: a primeira seção foi concluída em 2024, abrangendo o trecho entre a East 15th Street e o Asser Levy Playground, enquanto as demais estão em fase de construção.

Ao propor que infraestrutura e vida pública caminhem juntas, o projeto levanta uma reflexão importante, diante de um futuro climático incerto: talvez o verdadeiro desafio das cidades não seja erguer defesas, mas criar formas mais inteligentes e humanas de coexistir com a natureza.

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A cidade após a tempestade

Furacão Sandy em Nova Iorque, com militares ajudando na evacuação e assistência na cidade, destacando o esforço de resgate durante a crise. O projeto The Big U vem como uma das soluções para  repensar o urbanismo em áreas costeiras.
Foto: solepsizm/ Shutterstock

Quando o furacão Sandy atingiu Nova Iorque em outubro de 2012, o impacto foi histórico, bairros inteiros ficaram submersos, a infraestrutura de transporte entrou em colapso e milhares de pessoas ficaram sem energia por dias. O episódio evidenciou a vulnerabilidade da cidade frente aos eventos climáticos extremos e acendeu um alerta global sobre a urgência de repensar o urbanismo em áreas costeiras.

Em resposta, o governo norte-americano lançou a iniciativa Rebuild by Design, um concurso internacional que reuniu arquitetos, urbanistas, engenheiros e comunidades locais em busca de soluções inovadoras de resiliência. Entre as propostas apresentadas, destacou-se o The Big U, uma visão que ia além da reconstrução imediata.

A ideia não era apenas erguer barreiras para conter novas enchentes, mas transformar a relação entre a cidade e a água. O projeto nasceu do entendimento de que a proteção física precisa vir acompanhada de uma regeneração urbana e social. Isto é, criar espaços que defendem a cidade, mas também convidam as pessoas a vivê-la de forma mais próxima da natureza.

The Big U, entre proteger e acolher

Vista aérea do centro de Manhattan com foco no conceito 'The Big U' entre proteção e acolhimento, destacando arranha-céus, o rio Hudson e o parque ao redor.
Foto: Frederick Millett/ Shutterstock

O The Big U é um grande cinturão verde de 16 quilômetros que contorna o sul de Manhattan, combinando infraestrutura de proteção, áreas de lazer e espaços comunitários.

O plano divide a orla em três grandes zonas independentes, chamadas de “compartimentos”. Cada trecho funciona de forma autônoma em situações de emergência. Assim, cada setor, seja o entorno do Battery Park, o Lower East Side ou o Two Bridges, recebe soluções personalizadas, adequadas à topografia, ao uso do solo e às demandas da população local.

Entre os princípios que orientam o desenho estão a integração entre engenharia e paisagem, o uso misto dos espaços e o envolvimento das comunidades. O projeto combina barreiras físicas, como bermas, muros retráteis e parques elevados, a espaços de uso cotidiano, como praças, ciclovias e áreas sombreadas. A ideia é que cada elemento cumpra duplo papel: proteger em momentos de crise e acolher nos dias comuns.

Quando o design vira defesa

Foto da skyline de Manhattan, Nova York, com edifícios altos e o rio em primeiro plano, sob céu azul claro.
Foto: Hethers/ Shutterstock

Uma série de soluções interligadas que combinam paisagismo, engenharia e uso público foi pensada para responder a um tipo específico de ameaça, seja a elevação do nível do mar, as inundações causadas por tempestades ou a erosão costeira, sem abrir mão da experiência urbana.

Bermas e parques elevados

Pôr do sol no Battery Park, em Nova York.
Foto: Kamira/ Shutterstock

Um dos elementos mais emblemáticos do projeto são as bermas, elevações de terreno que funcionam como barreiras naturais contra a água. Elas são integradas a parques e áreas verdes, criando um novo relevo urbano que protege e, ao mesmo tempo, oferece espaços para caminhada, piqueniques e convivência. No trecho próximo ao Battery Park, por exemplo, a barreira assume a forma de um parque linear elevado, que amplia o contato dos moradores com a orla e protege o centro financeiro da cidade.

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Muros móveis e estruturas retráteis

Ponte de Brooklyn da Ponte de Manhattan. Vista do centro da cidade de Nova York, paisagem urbana do distrito financeiro.
Foto: Dogora Sun/ Shutterstock

Outra inovação são os painéis móveis instalados ao longo da rodovia FDR Drive, na região leste de Manhattan. Em períodos de calmaria, eles funcionam como coberturas de áreas de lazer, sombreamento ou suporte para instalações artísticas. Quando há risco de tempestade, esses painéis podem ser abaixados, criando uma barreira temporária contra a entrada da água. É uma solução de engenharia adaptável, que transforma o espaço conforme a necessidade.

Espaços comunitários multifuncionais

Espaços comunitários multifuncionais no projeto The Big U, com áreas de uso público sob viadutos e zonas degradadas, proporcionando lazer e convivência urbana inovadora.
Foto: Monkey Business Images/ Shutterstock

O projeto também incorpora áreas de uso público sob viadutos e em zonas antes degradadas, transformando-as em praças, quadras esportivas e espaços de encontro. Durante o dia a dia, são pontos de convivência e lazer; em situações de emergência, funcionam como áreas de contenção ou abrigo temporário.

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Benefícios do The Big U para a cidade

Benefícios do The Big U para a cidade, com ciclovia e espaço para pedestres em ambiente urbano. Pessoas usando bicicletas e caminhando em uma rua com infraestrutura sustentável.
Foto: Nick Starichenko/ Shutterstock

A criação de parques lineares, ciclovias e áreas verdes elevadas ao longo do perímetro costeiro fortalece a resiliência da cidade diante de tempestades e do aumento do nível do mar. Essas estruturas reduzem a exposição de bairros vulneráveis e ajudam a conter a força das águas, funcionando como um sistema adaptável e contínuo.

Além da função protetiva, o projeto também reorganiza o espaço urbano. As novas áreas de lazer e circulação aproximam a população da orla e criam conexões entre regiões antes separadas por barreiras físicas ou vias expressas. A lógica é transformar as zonas de risco em zonas de uso qualificado, onde infraestrutura e vida cotidiana coexistem.

O envolvimento da comunidade no processo de planejamento também foi essencial. Moradores e organizações locais participaram da definição das prioridades de cada trecho, o que permitiu que o projeto respondesse a necessidades específicas e aumentasse o senso de pertencimento.

Com essa abordagem integrada, o The Big U demonstra que obras de resiliência podem gerar benefícios além da segurança física, como melhoria da mobilidade, ampliação das áreas verdes e fortalecimento dos laços sociais contribuindo para uma cidade mais habitável e preparada para os desafios climáticos futuros.

Projetos semelhantes no contexto brasileiro

Foto: Divulgação/ IAT

Embora o The Big U tenha sido concebido para o contexto costeiro de Nova Iorque, seus princípios, como infraestrutura para proteção, integração ao espaço público e participação comunitária, encontram relevância direta em cidades brasileiras vulneráveis a inundações, marés, chuva extrema e elevação do nível do mar. No Brasil, já existem iniciativas que oferecem importantes lições, tanto para replicação quanto para adaptação.

No litoral do Paraná, a nova orla de Pontal do Paraná possui 3,6 quilômetros de requalificação entre os balneários de Monções e Canoas, com um sistema de drenagem e ampliação da cobertura vegetal, incluindo o plantio de mais de duas mil árvores e espécies nativas de restinga. Além da infraestrutura de proteção, o espaço incorpora ciclofaixas, pistas de caminhada, quiosques e passarelas acessíveis, transformando a defesa costeira em um ambiente de lazer e encontro.

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