Áreas de risco de inundação trazem desafios para gestão urbana

O crescimento populacional em áreas de risco de inundação ao redor do mundo traz desafios para os grandes centros urbanos.

Por Redação em 26 de junho de 2023 5 minutos de leitura

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Um estudo publicado na revista Nature revelou uma alarmante expansão populacional em áreas de risco de inundação ao redor do mundo. Sob a liderança dos pesquisadores Beth Tellman e Jonathan Sullivan, a investigação baseou-se na análise de dados globais coletados entre 2000 e 2018. Os resultados são preocupantes: o contingente populacional nessas áreas de risco aumentou significativamente, saltando de 58 milhões para assustadores 86 milhões de habitantes. Durante esse intervalo, foram registradas 913 grandes inundações, cobrindo uma área extensa de 2,23 milhões de quilômetros quadrados.

Essas estatísticas evidenciam a tendência das populações de baixa renda em migrar para essas regiões perigosas, muitas vezes atraídas pelos custos mais acessíveis, mesmo em casos de ocupações irregulares.

A culpa do aquecimento global  

O levantamento feita pela equipe multidisciplinar de especialistas de diversas universidades dos Estados Unidos revelou que a grande maioria das inundações analisadas foi desencadeada por chuvas intensas em áreas urbanas densamente povoadas, que enfrentam deficiências na infraestrutura para lidar de forma eficiente com o volume excessivo de água. Além disso, tempestades tropicais, o derretimento de neve ou gelo e a falha em represas também contribuíram para esses eventos catastróficos.

Colin Doyle, um dos coautores do estudo, enfatizou em uma entrevista à revista Bloomberg que a situação tende a se agravar devido ao aquecimento global, que intensifica mecanicamente a umidade e, consequentemente, desencadeia precipitações extremas, exacerbando as consequências devastadoras das inundações.

Responsabilidade humana

A responsabilidade humana no agravamento do aquecimento global não pode ser ignorada. Diversas atividades, como o amplo uso de veículos movidos a combustíveis fósseis, são responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa na atmosfera, intensificando os impactos indesejados desse fenômeno.

VLT, transporte público movido à eletricidade na cidade do Rio de Janeiro

A busca por soluções sustentáveis e a conscientização sobre a importância da mobilidade sustentável surgem como caminhos para combater o problema. A adoção de veículos elétricos e o fomento a meios de transporte alternativos, que reduzem as emissões de gases poluentes e minimizam o impacto ambiental, desempenham um papel fundamental na mitigação dos eventos catastróficos de inundações.

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Infraestrutura também joga contra

Foto: China Daily/ Via Reuters

Tanto a inundação ocorrida no quase centenário metrô da cidade de Nova Iorque, como no sistema de metrô de Zhengzhou, na província de Henan, China, expõem uma realidade em comum: grande parte da infraestrutura urbana construída décadas atrás não foi projetada para enfrentar o tipo de chuva intensa e histórica que as cidades têm experimentado atualmente. 

Desse modo, o investimento em infraestruturas adaptadas, como a implementação de sistemas de drenagem eficientes em áreas urbanas, também é essencial para lidar de forma mais eficaz com as chuvas intensas. Muitas vezes, a solução é simples, como as calçadas permeáveis que evitam enchentes e mais espaços verdes, mas demandam intencionalidade na tomada de decisão.

Áreas de risco de inundação no Brasil

No Brasil, o estudo População em Áreas de Risco no Brasil, divulgado em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentou os dados mais recentes disponíveis, referentes ao ano de 2010. 

Os resultados mostram que cerca de 8 milhões de brasileiros residiam em regiões propensas a enchentes e deslizamentos de terra, abrangendo mais de 872 municípios. A previsão é de que os dados sejam atualizados ainda em 2023, mas a expectativa é que essa proporção tenha aumentado drasticamente em razão da pandemia, já que o aumento dos níveis de pobreza obrigou muitas pessoas a buscarem alternativas habitacionais mais acessíveis, mesmo que em condições precárias.

Salvador – Bahia

Salvador desponta no topo do ranking, apresentando a maior população em área de risco, com um número de 1,2 milhão de habitantes, correspondendo a aproximadamente 45% de sua população total. Logo em seguida, encontram-se São Paulo, com 674,3 mil pessoas expostas a esses perigos, o Rio de Janeiro, com 444,9 mil, Belo Horizonte, com 389.218, e Recife, com 206.761. Esses números ressaltam a extensão do desafio enfrentado pelas grandes cidades brasileiras no que se refere à proteção e segurança de seus moradores em áreas vulneráveis e chamam atenção às ações urgentes, para que desastres como os ocorridos em Petrópolis/RJ e São Sebastião/SP não virem rotina.

A importância das políticas públicas

Em 2019, regiões em Moçambique, Malawi, Zimbábue e Irã foram palco de inundações fatais, com aproximadamente 1 mil vidas perdidas e milhares de pessoas desabrigadas. O Brasil também vivenciou uma situação semelhante no início de 2023, no litoral norte de São Paulo, onde uma tragédia resultou em 40 mortos, 1.730 desalojados e 766 desabrigados. 

As chuvas não são as únicas responsáveis por essas tragédias, mas sim uma série de problemas estruturais. O déficit habitacional, a falta de planejamento urbano, a Defesa Civil deficitária e o descaso do poder público são considerados fatores determinantes nessas ocorrências.

Para enfrentar esses desafios, é fundamental estabelecer um amplo planejamento e coordenação entre os poderes públicos federais e locais, a iniciativa privada e a sociedade civil. A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Isadora Guerreiro, destacou em entrevista à BBC a importância de programas habitacionais e outras medidas. “Há uma gama de políticas que podem ser utilizadas, como auxílio-aluguel, urbanização de favelas e reformas de edifícios antigos”, disse.

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Possíveis soluções para áreas de risco de inundação

Para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a busca por soluções também requer um compromisso de longo prazo, especialmente através da descarbonização das atividades humanas, pois o contínuo aumento do aquecimento global pode levar a situações cada vez mais alarmantes e urgentes em relação às áreas de risco de inundações. 

Uma tendência que tem ganhado destaque em países como China, Japão e alguns países europeus é a implementação de cidades-esponja. Essa abordagem consiste em criar estratégias para reter e absorver a água da chuva nos locais onde ela cai, utilizando pontos estratégicos para reutilização. Para isso, são adotadas ações como a criação de parques, zonas úmidas, pavimentos drenantes, jardins de chuva, agricultura urbana e até mesmo a implementação de telhados verdes. 

China

Existem outras estratégias comumente adotadas para lidar com o problema das inundações. Entre elas, destaca-se a restauração de planícies, que consiste na remoção de pavimentações em áreas de lagos, permitindo que a água seja absorvida pelo solo. Essas medidas visam minimizar o impacto das enchentes, promovendo uma gestão mais sustentável e eficiente dos recursos hídricos nas áreas urbanas.