Arquitetura afro-brasileira: raízes ancestrais para cidades do futuro

Da ancestralidade à sustentabilidade, arquitetura afro-brasileira emerge como a chave para a resiliência urbana.

Por Marcia Tojal em 10 de outubro de 2025 4 minutos de leitura

Casa com arquitetura afrofuturista, apresenta painéis solares no telhado, design sustentável e elementos modernos integrados à natureza ao redor.
Imagem gerada digitalmente

Em um cenário de crises climáticas, com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas, adaptar as cidades para torná-las mais sustentáveis e resilientes é uma urgência global. Nesse contexto, a arquitetura afro-brasileira emerge como uma fonte de soluções promissoras, oferecendo um conjunto de saberes ancestrais que vão muito além da estética, focando na resiliência socioambiental.

Baseada em princípios como a ancestralidade, a coletividade e a profunda conexão com a natureza, que moldam tanto a funcionalidade, quanto a forma dos espaços, a arquitetura afro-brasileira é descrita por pesquisadores como Fábio Macêdo Velame como um “campo em construção”, um sistema de valores que reflete uma “forma de estar no mundo”. Suas soluções práticas utilizam de materiais locais e técnicas adaptadas ao ambiente, como o uso de barro e a taipa de pilão, que garantem o conforto térmico e aeração. 

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A resiliência, neste contexto, não é apenas um atributo técnico da construção, mas uma característica social do processo. A valorização do coletivo é a base para a construção colaborativa, em que a comunidade se une para conceber e manter seu ambiente. Em entrevista ao Habitability, a arquiteta Gabriela de Matos ressaltou que esse processo de construção é como uma “infraestrutura social” que cria uma comunidade mais forte e mais capaz de resistir a choques externos.

Essa abordagem de base comunitária se torna ainda mais relevante ao considerarmos a população quilombola no Brasil. Segundo o Censo Demográfico de 2022 do IBGE, o País abriga cerca de 1,3 milhão de pessoas quilombolas, que há séculos constroem e mantêm suas comunidades de forma autônoma e sustentável, aplicando técnicas como a do adobe, que utiliza tijolos de terra crua, feitos de uma mistura de solo (argila e areia), água e, por vezes, fibras vegetais como palha, para construir estruturas.

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Do conceito à prática: a aplicação em projetos urbanos

Vista da região do Cais do Valongo na Pequena África destacando a arquitetura afro-brasileira, com elementos históricos e modernos em uma área urbana com árvores e passarela, símbolo da cultura afro-brasileira.
Região do Cais do Valongo na Pequena África (Foto: Marcelo Piu/ Prefeitura do Rio)

A aplicação prática da arquitetura afro-brasileira pode ser vista em projetos de revitalização urbana que valorizam a memória e a cultura. O concurso para o Centro Cultural Rio-África e o concurso BNDES Pequena África no Rio de Janeiro são exemplos de iniciativas que buscam integrar soluções arquitetônicas e de mobilidade urbana com a valorização do patrimônio afro-brasileiro. O projeto vencedor – “Pequena África: Memória Continental” – utiliza elementos como a água e vegetação de origem africana para criar espaços mais resistentes e conectados com a história e a cultura locais.

O projeto vencedor - "Pequena África: Memória Continental"
Foto: André Telles/ BNDES

A falta de infraestrutura e o planejamento precário são fatores que agravam a vulnerabilidade climática das cidades. Ao integrar soluções como o uso de vegetação para mitigar as ilhas de calor, a arquitetura afro-brasileira oferece um modelo de desenvolvimento urbano mais robusto e objetivo, no qual a resiliência climática e a valorização cultural se reforçam mutuamente.

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Rumo a um futuro sustentável e justo

Para que a arquitetura afro-brasileira possa, de fato, transformar as cidades, é crucial investir em políticas públicas, pesquisa e financiamento.

As políticas públicas são essenciais para promover a integração de saberes e técnicas ancestrais, valorizando a produção arquitetônica de comunidades tradicionais. Iniciativas como concursos e editais voltados para profissionais negros e africanos podem ajudar a corrigir a marginalização histórica do tema, oferecendo plataformas para que essa produção ganhe a visibilidade merecida.

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Paralelamente, investir na formalização e na pesquisa de campo é uma política de resiliência climática por si só, pois valida essas práticas e as adapta aos desafios contemporâneos. Além disso, há uma notável carência de estudos sobre a contribuição africana na arquitetura, o que representa uma barreira de conhecimento.

Como contou em entrevista ao Habitability Sônia Guimarães, a mestre em física aplicada no Brasil e primeira mulher negra a obter PhD – Philosophy Doctor, “os códigos de computação começaram na África, com os Ifás, os Orixás e toda a forma de viver africana. Tudo são códigos, que te dizem o que vai acontecer. E os africanos viam isso há 6 mil anos. Eles já tinham esse conhecimento. Eles não tinham computador, mas sabiam escrever códigos para ter resultado na vida. É lindíssimo”. Outro exemplo é sobre a teoria da relatividade. “Exu disse: eu matei amanhã o pássaro que vi ontem, que é exatamente todo o paradoxo da teoria da relatividade, de Einstein”, aponta ela. “Há escritos, de 7 mil anos, em que eles já falavam que não existe corpo sem movimento. Essa é a primeira lei de Newton”, acrescenta a cientista.

Por fim, o apoio de instituições como o BNDES para projetos que unem arquitetura, cultura e sustentabilidade é fundamental para que as propostas saiam do papel e se tornem realidade. Isso demonstra que a valorização cultural pode ser uma estratégia de desenvolvimento urbano que promove a resiliência climática de forma holística, justa e equitativa.

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