Embora a figura do professor seja fundamental no aprendizado, a arquitetura escolar também é importante e impacta o desempenho dos alunos.
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Nathalia Ribeiro em 16 de janeiro de 2025 6minutos de leitura
Imagem gerada por Inteligência Artificial
Para uma boa educação, basta um bom professor, certo? Nem sempre. Embora o papel do professor seja de extrema importância no processo de ensino-aprendizagem, há outros fatores que exercem grande influência no desempenho dos alunos e um deles é frequentemente subestimado: a arquitetura escolar. O ambiente físico em que os alunos estudam pode ter um impacto significativo na maneira como eles aprendem e se desenvolvem.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Salford, em parceria com a empresa de arquitetura britânica Nightingale Associates, analisou alunos do ensino fundamental em 27 escolas do Reino Unido ao longo de um ano. No estudo, foram avaliadas 153 salas de aula, considerando tanto as características gerais das escolas quanto dos próprios espaços de aprendizagem. A equipe coletou dados de 3.766 alunos para entender como fatores como iluminação, temperatura, qualidade do ar, acústica, flexibilidade, complexidade e cores influenciavam o progresso acadêmico. Os resultados mostraram que salas de aula bem projetadas podem aumentar o desempenho dos estudantes em até 16%. Mas o que exatamente faz com que a arquitetura de uma escola tenha tanto impacto?
Arquitetura escolar como aliada no processo de aprendizagem
A arquiteta e pesquisadora Dóris K. Kowaltowski, em sua obra Arquitetura Escolar: O Projeto do Ambiente de Ensino, considera desumanos ambientes educacionais marcados por iluminação artificial predominante, janelas com vidros opacos que bloqueiam a visão externa, grades de proteção, monotonia nas formas, cores e mobiliário, falta de manutenção, excesso de ordem e rigidez funcional, ausência de personalização e impossibilidade de adaptação pelos usuários. Para ela, tais fatores contribuem para a criação de espaços opressivos e pouco inspiradores, que não promovem o bem-estar nem o desenvolvimento integral dos estudantes.
Doris defende um ambiente escolar humanizado em que os alunos se sintam mais à vontade e conectados ao espaço, o que impacta diretamente o processo de aprendizagem. Ela destaca que a arquitetura escolar deve integrar elementos naturais e vegetação, evitar a monumentalidade e estabelecer uma relação com a arquitetura residencial. Além disso, a inclusão de “detalhamento”, ou seja, um acabamento cuidadoso que demonstre a atenção do arquiteto em criar um espaço acolhedor e bem planejado, é fundamental.
A importância de um ambiente bem planejado é reforçada pelo estudo da California Energy Commission, que aponta que o uso de iluminação natural e ventilação cruzada contínua pode aumentar o desempenho dos alunos em até 30%. Escolas projetadas para aproveitar os ventos locais garantem boa circulação de ar, o que mantém o ambiente fresco, reduzindo a necessidade de ar-condicionado e eliminando fungos e bactérias com o ar mais puro da madrugada. Além disso, um pé-direito alto proporciona sensação de amplitude e melhora a circulação do ar, criando um ambiente mais saudável e confortável para os alunos.
Em uma palestra no Evolução UNOi, Doris propôs que “o espaço pode ser usado como um terceiro professor.” Ela explicou que a combinação de elementos lúdicos e científicos nos ambientes escolares permite integrar o ensino ao próprio espaço físico. Por exemplo, conceitos de geometria solar podem ser ensinados no pátio, matemática pode ser explorada em áreas projetadas para estimular o raciocínio lógico e fenômenos como luz e sombra podem ser usados para ensinar física, transformando o ambiente escolar em uma ferramenta pedagógica ativa.
Arquiteto como educador
No livro Currículo, Espaço e Subjetividade: A Arquitetura como Programa, de Antonio Viñao Frago e Agustín Escolano, os autores explicam que o “currículo oculto” presente na arquitetura escolar tem um papel importante na formação das primeiras estruturas de pensamento dos alunos. Eles afirmam que o arquiteto, de certa forma, é também um educador, pois as formas e os espaços que ele cria acabam influenciando diretamente o desenvolvimento das crianças desde cedo.
Além disso, eles defendem que todo educador, querendo ou não, também exerce um papel de arquiteto. Isso ocorre tanto quando ele escolhe alterar o ambiente da escola quanto quando decide mantê-lo como está. O espaço nunca é neutro, pois sempre ensina algo. Por isso, os autores destacam a importância de analisar o espaço e a educação juntos, já que ambos têm uma influência mútua e significativa no aprendizado.
Nesse contexto, Mario Fernando Petrilli do Nascimento, em sua pesquisa de mestrado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, intitulada Arquitetura para a Educação: A Contribuição do Espaço para a Formação do Estudante, explora como o projeto arquitetônico das escolas influencia os aspectos pedagógicos. O pesquisador declarou que, ao desenvolver esse trabalho, ficou clara a importância de haver mais diálogo entre arquitetos e educadores ao projetar espaços escolares. Essa colaboração pode ajudar a criar ambientes que atendam melhor às necessidades educacionais e ofereçam uma experiência de aprendizagem mais adequada aos alunos.
Segundo Nascimento, o papel do arquiteto ao criar o espaço escolar é garantir condições físicas que permitam que a escola seja um local de participação, debate e construção de conhecimento. Para isso, os ambientes precisam ser planejados de forma a ampliar as possibilidades de interação.
Em sua pesquisa, ele observa que, ao longo do tempo, vários teóricos e educadores refletiram sobre a importância do espaço escolar, mas ainda são poucos os projetos que realmente se alinham com as necessidades pedagógicas de cada escola. No movimento da Escola Nova, que ganhou força na primeira metade do século 20, o espaço escolar começou a ser pensado de forma mais inovadora. No entanto, por ter se tornado padronizado, não conseguiu atender às demandas de cada instituição, especialmente as que variam conforme a região onde a escola está localizada.
A Fundação de Desenvolvimento da Educação (FDE), ligada ao governo de São Paulo, publicou vários materiais sobre o tema. No entanto, segundo Nascimento, os projetos de prédios escolares ainda são muito rígidos, com especificações padronizadas. Ele ressalta, porém, que os padrões da FDE garantem requisitos mínimos importantes, como boas condições ambientais e a organização funcional dos espaços.
A necessidade de integração entre arquitetos e educadores
A arquitetura escolar é uma temática abordada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (9.394/1996), que estabelece as normas e diretrizes para a educação pública no Brasil. De acordo com essa legislação, todos os espaços dentro do ambiente escolar devem ser projetados com o propósito de promover a formação de indivíduos autônomos e solidários, em consonância com os princípios educacionais que norteiam a construção do conhecimento.
A LDB enfatiza a importância de as escolas buscarem uma identidade própria, o que implica a necessidade de um diálogo efetivo entre arquitetos e pedagogos. A intersecção entre arquitetura e pedagogia não apenas enriquece o ambiente escolar, mas também potencializa as experiências de aprendizagem dos alunos.
Entretanto, a realidade nas escolas públicas brasileiras revela um outro cenário. Passados 20 anos desde a promulgação da LDB, a falta de interação entre profissionais da educação e da arquitetura ainda persiste.
Arquitetura escolar na prática
Para que o espaço físico de uma escola possa efetivamente contribuir para o desenvolvimento holístico dos estudantes, é fundamental que o arquiteto e todos os profissionais envolvidos compreendam o ambiente como um todo, repleto de oportunidades de aprendizagem. Isso significa romper com o modelo tradicional de salas de aula com mesas enfileiradas, quadro negro e o professor na frente, e, em vez disso, criar um espaço que promova novas dinâmicas educacionais.
Com o objetivo de destacar o potencial do espaço aliado a uma pedagogia inovadora, que valoriza a diversidade no ensino, foram definidas quatro frentes de análise para guiar os projetos arquitetônicos: natureza, liberdade, equidade e cores. A Wish School, em São Paulo (fundada em 2008) e a Green School, em Bali (fundada em 2008), fizeram uso do conceito.
Na Wish School, fundada pela professora Andressa Lutiano, um galpão reformado pelo grupo Garoa ganhou múltiplos acessos para os espaços, favorecendo a fluidez da circulação: salas com mais de uma porta e diferentes opções de escadas e rampas, além da ausência de corredores. As cores vibrantes e contrastantes também ajudam na orientação, facilitando a localização de portas e móveis, especialmente para pessoas com baixa visão. A equidade também é garantida por soluções de acessibilidade, como rampas e escadas, e pias em diferentes alturas. A flexibilidade do espaço é outro destaque, com painéis pivotantes que permitem modificar o tamanho dos ambientes, e portas camarão que podem integrar ou dividir espaços de acordo com a necessidade.
Em Bali, a Green School, fundada pelo casal John e Cynthia Hardy e projetada pelo escritório Ibuku, se destaca pelo foco em sustentabilidade. Os alunos têm a oportunidade de aplicar o aprendizado de forma prática. Exemplos disso são os banheiros secos, que geram compostagem, e o uso de energia solar.
Inserida em um ambiente natural, as construções da escola não possuem paredes, criando uma conexão direta entre as crianças e a natureza, além de valorizar a autonomia dos alunos – que podem entrar e sair das aulas à vontade – e ser uma representação da comunicação mais fluida e de relações sem hierarquias valorizadas pelas proposta pedagógica. O ambiente aberto ainda busca despertar a curiosidade como um convite ao aprendizado. Isso reflete a pedagogia da escola, que oferece aos alunos a liberdade de escolher os cursos que desejam seguir.
Quando projetada de maneira estratégica e integrada à pedagogia, a arquitetura escolar se torna um agente ativo no processo de aprendizado, promovendo a liberdade, a inclusão e o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas.
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