Microplásticos: mais numerosos que as estrelas da galáxia

Pequenos, mas altamente nocivos e praticamente onipresentes. Como conter a poluição causada pelos microplásticos?

Por Redação em 1 de novembro de 2023 7 minutos de leitura

microplásticos

Com menos de cinco milímetros de tamanho, eles já são resistentes o suficientes para ameaçar ecossistemas e até encontrarem o caminho para o interior do corpo humano. São mais numerosos na Terra do que estrelas na galáxia, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Estamos falando dos microplásticos, que aparecem em diversas formas nos mais variados contextos: estão no glitter que dá brilho ao rostos de filões, em dermocosméticos, nos produtos de limpeza e como matéria-prima e produto final de diversas indústrias, como a engenharia e a construção.

Não à toa, um número crescente de países e cidades tem decretado guerra ao material por meio de proibições a determinados produtos. No Brasil, as polêmicas limitações às sacolas plásticas nos supermercados e aos canudos em restaurantes são alguns exemplos de medidas municipais. A novidade mais recente é a proibição da venda de produtos contendo microplásticos em todos os países membros da União Europeia, tanto para materiais produzidos dentro, quanto fora da região. A medida adotada em 23 de setembro deste ano faz parte do Plano de Ação para Poluição Zero, cujo objetivo é reduzir em 30% os resíduos de microplásticos até 2030.

Seria o bioplástico uma alternativa? Para a especialista em bioenergia, biocatálise e bioprodutos Dra. Alane Vermelho, o primeiro cuidado ao responder essa pergunta é entender a diferença entre os plásticos sustentáveis e os biodegradáveis. “Há plásticos derivados de materiais orgânicos, como o bioetanol, provenientes da cana-de-açúcar, que, embora sustentáveis, não são biodegradáveis. É essencial compreender que a biodegradação está intrinsecamente ligada à ação microbiana, um processo que é fundamental para a decomposição eficaz dos materiais plásticos. Portanto, a busca por plásticos 100% biodegradáveis é importante para uma abordagem mais responsável em relação ao problema da poluição plástica global”, pontua.

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Dra Alane Beatriz Vermelho

Alane Vermelho também é professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o Laboratório da Rede de Biotecnologia BIONOVAR – Unidade de Biocatálise, Bioprodutos e Bioenergia. Com foco em pesquisa dedicada a enzimas e outros bioprodutos microbianos para o setor industrial, ela traz sua visão sobre como o bioplástico pode ser uma das opções para proteger a saúde humana, ao mesmo tempo em que contribui para preservar a saúde do planeta.

Microplásticos: uma ameaça para a saúde humana e ambiental

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Os microplásticos estão por toda parte – no sal, na cerveja, nas frutas e vegetais frescos, e até mesmo na água potável. Além disso, pequenas partículas podem ser carregadas pelo ar e viajar pelo mundo em apenas alguns dias, eventualmente caindo do céu como chuva. As expedições nos oceanos para contar esses microplásticos revelam números grandiosos, que continuam crescendo à medida que mais e mais toneladas de plástico entram nos oceanos e se desintegram ao longo do tempo.

Embora as pesquisas acerca dos efeitos dos microplásticos em seres humanos estejam em estágio inicial, a hipótese atual é que eles tenham efeitos semelhantes aos inflamatórios, hormonais e imunológicos observados em animais marinhos e aves. Um estudo conduzido por cientistas italianos e publicado em 2021 no periódico Environment International revelou, pela primeira vez, a presença de microplásticos na placenta humana. Os pesquisadores enfatizaram que tais partículas transportam “substâncias com propriedades de disruptores endócrinos”, o que levanta preocupações sobre os potenciais efeitos de longo prazo na saúde.

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“O problema principal realmente é a poluição em grande escala. Isso afeta a cadeia alimentar e produz substâncias prejudiciais para a nossa saúde, a dos animais e a do meio ambiente. É um desafio global, pois vemos o plástico migrar para regiões distantes, até mesmo para os polos, onde afeta até as baleias do Ártico”, explica Alane. “A formação de grandes acumulações de plástico nos oceanos provenientes de sistemas de esgoto ineficientes das cidades agrava ainda mais o problema”.

Segundo Alane, “a União Europeia está à frente nesse debate, mas o tema está ganhando destaque em encontros de biotecnologia e entre empresários, sinalizando uma crescente conscientização sobre a importância de enfrentar esse desafio”. Em contrapartida, “as regulamentações nacionais carecem de maior solidez, especialmente quando comparadas com a recente medida adotada pela Comunidade Europeia”.

O potencial do bioplástico na construção

Além da crescente conscientização sobre sustentabilidade, os movimentos legais em todo o mundo têm impulsionado a crescente adoção de práticas de produção degradáveis por diferentes segmentos industriais. Como explica Alane, “essa busca reflete uma tendência emergente impulsionada não apenas por considerações ambientais, mas também pela possibilidade de futuras regulamentações que possam restringir o uso de plásticos convencionais, dado que muitas linhas de produção já estão estruturadas em torno desses materiais”. Na indústria da construção, por exemplo, os bioplásticos estão sendo adotados como alternativa ao plástico convencional por se tratar de um material que se decompõe mais rapidamente que o plástico tradicional. Ele pode ser empregado na fabricação de pisos, rodapés, revestimentos e divisórias para ambientes.

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“A cadeia de suprimentos da construção utiliza plásticos em diversas etapas, desde o transporte de materiais até o armazenamento de itens como cimento. Isso ressalta a ampla aplicação dos plásticos e a necessidade de buscar alternativas, como os bioplásticos, que possam substituir efetivamente os plásticos convencionais em todo o setor da construção”, salienta Najla Polisel, coordenadora de marketing da Bioelements, que tem se dedicado à produção de bioplásticos e à realização de testes de degradação em colaboração com diferentes setores.

A questão tem uma proporção ainda maior quando considerados os resíduos plásticos, difíceis de serem mensurados. Algumas empresas procuram soluções como o método de incineração, contribuindo significativamente para a emissão de gases do efeito estufa e, consequentemente, agravando outros problemas ambientais. “Nesse contexto, os plásticos biodegradáveis têm o potencial não apenas de desempenhar um papel crucial na mitigação dos problemas associados ao descarte de plástico, mas também de agir como catalisadores na prevenção de outros impactos negativos que podem surgir indiretamente”, aponta Alane.

Os resultados dos testes de compostagem, que monitoram a emissão de CO2, ressaltam o potencial dos bioplásticos como uma opção viável para uma produção mais ecologicamente sustentável. No entanto, é essencial reconhecer que o bioplástico não é isento de desafios.

Desafios dos bioplásticos como resposta aos microplásticos

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Pesquisas recentes, também publicadas na Environment International, lançaram luz a respeito de alguns aspectos que demandam cuidados. Embora muitos bioplásticos sejam comercializados como “compostáveis” e “biodegradáveis”, essas características podem se perder, se os materiais forem descartados em ambientes inadequados. Estudos anteriores já levantaram preocupações sobre a confiabilidade de determinados materiais, enfatizando a necessidade de enviá-los para instalações específicas que possam facilitar a decomposição.

Outra questão é que o tempo necessário para a decomposição dos bioplásticos varia consideravelmente dependendo dos materiais e das condições ambientais às quais são expostos. Em ambientes úmidos, por exemplo, esses elementos podem se degradar muito mais rapidamente do que em condições secas. Embora os tempos de degradação nem sempre sejam significativamente diferentes daqueles dos plásticos tradicionais, o uso de compostos orgânicos específicos tem o potencial de acelerar esse processo, oferecendo uma vantagem em termos de sustentabilidade e redução de resíduos.

Contudo, como alerta o diretor da campanha pelos oceanos do Greenpeace nos Estados Unidos John Hocevar, em uma entrevista para o portal Gizmodo, assim como os plásticos convencionais, muitos dos materiais que se denominam bioplásticos contêm produtos químicos não submetidos a regulamentação, associados a riscos graves, como o desenvolvimento de câncer. Portanto, é preciso uma avaliação cuidadosa dos produtos químicos presentes nos materiais antes da sua introdução no mercado, enfatizando a necessidade de divulgação, testes meticulosos e regulamentações robustas como medidas essenciais de proteção para a saúde pública e o meio ambiente. Essa perspectiva é compartilhada também por Najla e Alane, ampliando o chamado por uma regulamentação mais rígida e transparente dentro do setor.

Ou seja, biodegradáveis ou não, o uso racional e as práticas de descarte responsável seguem como premissas básicas.

Najla Polisel

Desenvolvendo o mercado de bioplástico

A produção e a adoção do bioplástico em grande escala depende da demanda, assim como de qualquer outro produto no mercado. De acordo com Najla, a empresa tem adotado uma abordagem proativa ao conversar com empresas, oferecendo explicações detalhadas sobre as tecnologias do bioplástico e seus benefícios, além da parceria com a academia. “Uma regulamentação adequada poderia gerar uma demanda mais robusta de maneira reativa, impulsionando todo o mercado de forma abrangente. Além disso, essa regulamentação abriria portas para explorar outros mercados que atualmente não estão no nosso foco”, pontua.

Para Alane, o sucesso do bioplástico depende não apenas da indústria, mas também de esforços conjuntos em políticas governamentais. “Estabelecer critérios claros para a certificação de biodegradabilidade seria fundamental. Seguir uma norma oficial, como as observadas na Europa, e implementar um sistema de certificação no Brasil representaria um marco significativo”.

De acordo com ela, isso não apenas esclareceria a confusão em torno dos produtos rotulados como biodegradáveis, mas também criaria uma medida crucial atualmente ausente. “Poderíamos categorizar os diferentes tipos de biodegradação para trazer mais clareza. Por exemplo, uma categoria poderia ser relacionada à degradação na presença de oxigênio, enquanto outra poderia abordar a biodegradação em ambientes sem oxigênio, como regiões profundas. Esses refinamentos conceituais poderiam ter um impacto significativo, trazendo maior precisão e entendimento”, explica.

Uma abordagem eficiente requer uma participação ativa do governo e não deve se limitar apenas à ação individual de empresários. Os próximos passos requerem políticas gerais e investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessa área. Para Alane, novas tecnologias, métodos de produção e materiais inovadores podem surgir por meio de pesquisas contínuas, ajudando a impulsionar a indústria do bioplástico.

Para que tudo isso funcione, é preciso estabelecer uma coordenação entre diferentes setores, envolvendo especialistas preocupados com questões ambientais.