De destino de luxo à cidade fantasma, as lições de Burj Al Babas

Burj Al Babas, um empreendimento na Turquia, oferece lições sobre a importância da responsabilidade socioambiental em projetos urbanos.

Por Redação em 18 de outubro de 2024 6 minutos de leitura

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Foto: Ezgi Tabak/ Shutterstock

Atendendo à ideia de viver em um castelo digno de conto de fadas, nasceu Burj Al Babas, uma “vila encantada” construída na Turquia em 2014. Castelos luxuosos em estilo medieval, com torres imponentes e escadas em espiral, foram colocados à venda por preços que variavam entre US$ 370 mil e US$ 530 mil, cada um com 325 m² de requinte. A única peculiaridade? Havia outros 731 castelos idênticos!

O sonho de viver em um castelo encantado foi interrompido abruptamente pela grave recessão econômica que atingiu o país em 2018. O que deveria ser uma próspera vila de contos de fadas acabou se transformando em um cenário desolador. Os castelos, que foram construídos para atrair compradores de alto poder aquisitivo, ficaram vazios e abandonados, e a cidade, antes vista como uma promessa de luxo, passou a ser conhecida como “cidade fantasma”. 

A dívida acumulada com o projeto atingiu US$ 27 milhões, deixando uma mancha na paisagem e no balanço financeiro da construtora do projeto. Agora, as torres imponentes e as fachadas majestosas estão cercadas por silêncio, decadência e questionamentos sobre a sustentabilidade desse tipo de empreendimento. 

Burj Al Babas, uma cidade abandonada com 500 castelos

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Foto: Esin Deniz/ Shutterstock

O projeto Burj Al Babas foi iniciado em 2014 pelos irmãos Yerdelen e Bulent Yilmaz, empreendedores de Istambul, com a meta de criar uma comunidade de luxo avaliada em US$ 200 milhões. Desenvolvido pelo Sarot Group, o empreendimento visava construir 732 casas quase idênticas, cada uma projetada para se assemelhar a um castelo em miniatura, com o objetivo de atrair compradores do mercado árabe que costumam passar férias na região.

Batizado de “Burj Al Babas Thermal Tourism Company”, o projeto foi estrategicamente posicionado em Mudurnu, uma cidade termal de origem romana localizada na região do Mar Negro, na Turquia. O local, com águas termais atingindo temperaturas de até 68°C, oferecia um grande potencial para o turismo termal, o que foi um dos principais atrativos para os investidores.

A maioria das residências no complexo Burj Al Babas segue o mesmo padrão arquitetônico: cada uma com cerca de 340 m², distribuídos em um pequeno terreno, grandes terraços no sótão e jardins projetados para serem encantadores, mas que nunca chegaram a ser adornados com árvores ou piscinas. 

O plano inicial da construtora incluía, além dos castelos, um centro comercial, restaurantes, spas, banhos turcos e até mesmo um campo de golfe, todos pensados para atender o estilo de vida luxuoso dos futuros moradores. Antes da crise econômica que atingiu a Turquia, o projeto já tinha mais de 300 castelos reservados para compra, o que parecia promissor. No entanto, a recessão interrompeu esses planos, deixando o empreendimento inacabado e os castelos vazios, à espera de seus moradores que nunca chegaram.

O conto de fadas que se tornou pesadelo

Com a queda dos preços do petróleo, muitos compradores em potencial desistiram de seus contratos, enquanto outros deixaram de fazer os pagamentos das casas de férias planejadas no Burj Al Babas. Esses problemas financeiros, somados à crescente inflação na Turquia, à instabilidade política e à crise econômica que o país enfrentava, forçaram os desenvolvedores a declarar falência em 2018, interrompendo o projeto. Até aquele momento, 587 das 732 casas haviam sido concluídas, mas permaneciam vazias e sem compradores.

Apesar da saída de investidores e compradores em 2019, o Sarot Group acreditava que o revés seria temporário e que o projeto de US$ 200 milhões continuaria conforme o planejado. No entanto, com o início da pandemia, a situação mudou drasticamente. A crise afetou diversos setores e levou ao abandono do projeto. 

De acordo com o Atlas Obscura, o projeto foi adquirido pela NOVA Group Holdings, uma multinacional americana que pretende reverter a situação do empreendimento. No entanto, por enquanto, os castelos permanecem vazios e a cidade continua abandonada. Como a infraestrutura da propriedade nunca foi concluída, o local é atualmente inabitável. Apesar disso, a cidade atrai visitantes curiosos em busca de explorar esse destino enigmático.

Desconexão cultural e impacto ambiental 

A construção do Burj Al Babas trouxe à tona uma série de questões que vão muito além dos problemas econômicos que eventualmente levaram ao seu abandono. Desde o início, moradores locais manifestaram descontentamento tanto com o estilo arquitetônico das casas quanto com as práticas comerciais dos desenvolvedores. O contraste gritante entre os castelos em miniatura, inspirados em contos de fadas da Disney e castelos europeus, e a arquitetura tradicional da região, marcada por mansões históricas de estilo otomano, gerou uma sensação de desconexão e até de invasão cultural. Mas o impacto negativo desse projeto vai além da estética.

Uma das críticas mais profundas está relacionada ao impacto ambiental. Um processo movido contra os desenvolvedores alega que a construção do complexo resultou na destruição de áreas florestais, incluindo a derrubada de árvores que faziam parte do ecossistema. Em uma região conhecida por suas paisagens naturais e fontes termais, esse tipo de dano é um golpe não apenas para o meio ambiente, mas também para a própria identidade da comunidade.

Grandes projetos habitacionais abandonados ao redor do mundo

O abandono de projetos habitacionais de grande escala não é uma exclusividade do Burj al Babas. Problemas financeiros, obstáculos políticos e impactos ambientais estão entre as principais causas de fracasso de projetos ambiciosos de urbanização pelo mundo.

Um exemplo é Ordos Kangbashi, na China, que foi planejada para abrigar um milhão de pessoas, mas acabou se transformando em uma “cidade fantasma” nos anos 2000 devido à baixa demanda e à falta de interesse. Na Espanha, Ciudad Valdeluz sofreu o impacto da crise financeira de 2008 e foi amplamente abandonada, com metade de sua população original partindo. Outro exemplo são as Sanzhi UFO Houses, em Taiwan, cujas construções foram interrompidas devido a problemas econômicos e estruturais. 

Ciudad Valdeluz (Foto: Javier Ruiz/ Shutterstock)

Até mesmo no Brasil há empreendimentos ambiciosos abandonados. Localizada no Pará, às margens do Rio Tapajós, Fordlândia é uma pequena cidade criada pela imaginação de Henry Ford, o fundador da famosa montadora de carros. Na década de 1920, Ford sonhou em construir uma cidade onde seus funcionários pudessem viver e trabalhar, cultivando seringueiras para produzir borracha destinada aos pneus de seus veículos.

No entanto, o projeto enfrentou sérios desafios e acabou fracassando na década de 1950. As casas construídas para os trabalhadores eram extremamente quentes e as rígidas regras da empresa americana, que interferiam até na vida social dos funcionários brasileiros, geraram insatisfação. Porém, o maior obstáculo foi o impacto ambiental. O desmatamento para o cultivo dos seringais e a falta de conhecimento sobre esse tipo de manejo agrícola na região levaram ao surgimento de pragas que devastaram as colheitas. Hoje, Fordlândia é um distrito do município de Aveiro e, de acordo com o Censo de 2010, abriga apenas 1,2 mil habitantes. 

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Fordlândia (Foto: Alex Fisberg/ Shutterstock)

Planejamento sustentável: lições de Burj Al Babas e Fordlândia

No planejamento de imóveis e novos empreendimentos urbanos, a falta de cuidado pode ter impactos significativos, muitas vezes até de forma indireta. Dados do IBGE revelam que o Brasil perdeu 513 mil km² de área verde em duas décadas, equivalendo a 6% do território nacional. Embora a agropecuária seja a principal responsável por esse desmatamento, a construção civil também desempenha um papel importante.

A pesquisa “Contas Econômicas Ambientais da Terra” do IBGE destaca que a urbanização contribui para a degradação ambiental, desmatando áreas que poderiam servir de habitat para diversas espécies. Essas mudanças não afetam apenas a biodiversidade, mas também impactam a qualidade de vida, pois a redução das áreas verdes está ligada ao aumento da poluição, ao aquecimento e à escassez de água. Dessa forma, empreendimentos como o Burj Al Babas, na Turquia, e Fordlândia, no Brasil, destacam os riscos e impactos negativos que grandes projetos podem ter sobre o meio ambiente quando não são planejados com responsabilidade socioambiental. 

Planejamento como premissa

Por outro lado, existem projetos que se empenham em integrar a sustentabilidade desde seu planejamento, demonstrando que é possível harmonizar construção e meio ambiente. Um desses exemplos é o projeto Cidade Sete Sóis, que já está em andamento nas cidades de São Paulo e Campinas, com sua primeira unidade localizada no distrito de Pirituba, na zona norte da capital paulista. Desenvolvido por uma equipe multidisciplinar, o projeto visa oferecer qualidade de vida e sustentabilidade de maneira acessível e democrática.

Um dos principais destaques do Cidade Sete Sóis é sua integração com o meio ambiente. O projeto começou com um mapeamento da área em colaboração com órgãos ambientais, revelando que, dos 1,7 milhão de metros quadrados disponíveis, 70% eram ocupados por eucaliptos, uma espécie invasora. Os 30% restantes, que correspondem à mata nativa, foram preservados e serão ampliados, resultando em 750 mil m² de áreas verdes, incluindo praças e um parque linear do tamanho do Parque Villa-Lobos, em São Paulo.

Assim, enquanto projetos como o Burj Al Babas servem como alerta, iniciativas como o Cidade Sete Sóis exemplificam que é possível almejar grandes empreendimentos que respeitem o meio ambiente e promovam a qualidade de vida. Esse tipo de abordagem não apenas ajuda a mitigar os impactos negativos associados ao desenvolvimento urbano, mas também estabelece um novo padrão de responsabilidade e cuidado com o planeta e com as pessoas.