Casas contêiner: dos mares para os lares

Com método de construção modular mais rápido, sustentável e barato que o tradicional, casas contêiner também têm função social.

Por Ana Cecília Panizza em 10 de setembro de 2024 7 minutos de leitura

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Projeto Casa Container (Foto: Plínio Dondon/Divulgação)

Em 2010, um casal de São Paulo visitou o Porto de Santos com uma missão: garimpar e escolher contêineres que já não mais percorriam mares mundo afora. O objetivo da publicitária Adriana França e do arquiteto Danilo Corbas foi usar os caixotes metálicos como módulos para a construção – da maneira mais sustentável possível – de sua casa no bairro nobre da Granja Viana, município de Cotia, na Grande São Paulo. As peças foram levadas de caminhão para o galpão de trabalho do casal, que fez o tratamento das partes danificadas e os recortes das peças, dando vida a casa contêiner.

O método de construção modular é mais rápido, sustentável e barato do que os modelos tradicionais, de alvenaria, contando com todos os acabamentos: revestimentos térmico e acústico, azulejo, piso, louças sanitárias.

Além de finalidade residencial, contêineres marítimos podem ser reaproveitados para uso comercial. Para isso, são feitos cortes, soldas e aplicação de revestimento térmico (porque a estrutura esquenta muito) e acústico, a partir das necessidades do cliente.

Depois, as peças passam por processos de revitalização para garantir o tratamento adequado antes do início da construção. Isso evita, por exemplo, o risco de contaminação, caso o módulo tenha sido usado para transportar materiais tóxicos durante sua vida útil marítima. Os principais modelos de contêineres marítimos que podem ser reutilizados pela construção civil são de 20 pés e 40 pés. “Os contêineres são metálicos, têm baixa eficiência térmica e acústica, o que exige soluções adequadas. Às vezes se usa contêiner como casca, mas ele precisa ter um revestimento interno, uma segunda camada por dentro, e às vezes por fora, por conta de intempéries e dos isolamentos acústico e térmico”, explica o arquiteto e urbanista Leonardo Kseib, sócio-fundador do escritório KSAA (Kseib Suniga Arquitetos Associados), que desenvolve projetos escolares, comerciais, residenciais e urbanos. 

Leonardo Kseib (Foto: Reprodução/LinkedIn)

Casas contêiner, um case de sucesso

A casa contêiner de Adriana e Danilo ficou pronta em 2011 e virou case na arquitetura. No ano seguinte, eles fundaram a empresa Container Box, que reaproveita caixotes metálicos para desenvolver projetos e construções comerciais e residenciais de baixo impacto ambiental. As peças são adquiridas em portos de todo o Brasil, onde os caixotes estão parados, prontos para serem descartados pelas companhias marítimas.

O mercado corporativo representa 80% do negócio da Container Box. Entre os clientes estão Adidas, Localiza, Hyundai, Caterpillar, Tecnisa, KIA e Shell. A empresa atende tanto a área de eventos como de projetos customizados. As estruturas metálicas podem ser alugadas por alguns dias ou por mais de um ano. 

“Uma questão interessante dos contêineres é a da sustentabilidade ambiental, a reciclagem e a reutilização dos contêineres. São construções mais leves, com menos geração de resíduos em comparação com os métodos tradicionais”, diz Kseib. Além de reduzir o desperdício, há um menor uso de recursos como areia, cimento e água, o que também contribui para a sustentabilidade desse método construtivo. 

A Container Box fez o inventário corporativo de carbono e identificou que o impacto gerado é 90% mais baixo se comparado com o de uma construção de alvenaria. A produção de um contêiner do tipo 40 pés emite em média 18 toneladas de CO2 equivalente. Já uma edificação com as mesmas proporções executada em alvenaria convencional tem uma pegada de carbono de cerca de 195 toneladas de CO2 equivalente. São, assim, 177 toneladas de CO2 equivalente a menos lançadas na atmosfera. 

Por outro lado, Kseib pondera que “às vezes achamos que a sustentabilidade tem a ver só com a materialidade do produto, mas tem a ver também com o deslocamento, com a matéria-prima (se vai ter que importar). Não significa necessariamente que aquilo vai ser sustentável. Isso pode ser um desafio a ser vencido, ainda mais se for uma área remota, como o contêiner vai chegar? Normalmente chega de carreta, de caminhão, o que também bate na questão da sustentabilidade”. 

Desafios  

Por ser de metal, uma casa contêiner precisa de mais manutenção na pintura externa anual, além de necessidades técnicas estruturais. “Requer investimento significativo em isolamentos térmico e acústico para garantir o conforto necessário. Há também problemas estruturais: as alterações na estrutura original do contêiner podem comprometer a integridade do material. O contêiner é um ambiente hermético, então fazer uma mudança, como uma abertura para porta ou janela, pode afetar a integridade do próprio contêiner”, comenta Kseib. 

Para o arquiteto, outro desafio da casa contêiner é quanto a normas e regulamentações. “A legislação brasileira ainda é muito limitada em relação às construções em contêineres porque tem que adaptar normas técnicas existentes para garantir segurança, habitabilidade. Isso é um desafio contínuo. Uma construção civil necessita de atendimento a várias normas e, dependendo da questão da normativa, a gente às vezes não consegue eficiência. Quando a gente fala de habitação, principalmente coletiva, falamos de norma de desempenho. E na questão da norma de desempenho existem características e especificidades que devem ser seguidas principalmente em relação à acústica e às questões térmica e construtiva. Esse é um grande desafio para implantação de casas contêiner no Brasil”, pontua ele. “Falta regulamentação específica, o que pode dificultar aprovações dos projetos e licenças. Dependendo do condomínio existe um regulamento interno: solicitam que a casa seja feita de alvenaria, madeira, por exemplo. Tem lugar que não permite estrutura metálica”. 

De casas contêiner a escola modular

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Projeto de salas modulares em escola do bairro Santa Marta, em Canela/RS (Foto: André Fernandes/Prefeitura Municipal de Canela)

Kseib explica que uma grande vantagem da casa contêiner é o custo reduzido. “Pode ser até mais econômico em comparação com uma construção tradicional porque o material já existe, se gasta menos com vedação e alvenaria, se for pensar só no contêiner sem tratamento acústico e térmico. Para habitações efêmeras, de baixo custo, pode fazer mais sentido essa questão do custo. E a rapidez de construção também: a montagem é significativamente mais rápida e isso reduz custos com mão de obra e materiais”.  

O arquiteto elogia também uma outra solução arquitetônica, casas modulares, feitas de modo offsite, ou seja, fabricadas fora do local de instalação. Elas funcionam como se fossem um produto que o cliente compra e pede para entregar pronto em um terreno. As casas modulares podem ser feitas de contêiner e de outros materiais: madeira em diferentes formatos (bruta, engenheirada, madeira laminada colada, woodframe, chapas de OSB), aço leve ou galvanizado (opção conhecida como steelframe); ou placas de concreto.

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Segundo Kseib, empresas brasileiras – principalmente do Sul do País – são especializadas em edificações modulares e constroem casas, escolas e edifícios. “É super interessante porque se parte de um módulo estrutural – do esqueleto, dos pilares, das vigas e das lajes – e as vedações são feitas à parte. E isso vem de frete, de outros estados, principalmente do sul, e é muito rápido. A questão logística acaba sendo mais rápida do que uma construção convencional”. Um dos principais usos atuais, segundo ele,  é a construção de escolas modulares. “A escola precisa de agilidade na construção, com aprovação do ponto, da secretaria de educação, e atingir um maior número de pessoas. Às vezes as construções modulares fazem mais sentido, por mais que sejam mais caras do que a convencional; mas por serem mais rápidas”. 

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Reencontro 

A aplicação de casas contêiner vai além dos usos residencial e comercial: abarca o social. Um exemplo é o Laboratório Estratégico de Diagnóstico PCR do Instituto Butantan, na capital paulista, erguido pela Container Box em 2022, durante a pandemia da Covid-19. Foram utilizados seis contêineres na execução da obra, entregue em apenas quatro meses.  Segundo Adriana, se fosse de alvenaria, iria demorar pelo menos oito meses. Ela conta que, na obra, a pegada de carbono foi 90% menor do que a de uma construção tradicional. Para chegar a zero pegada de carbono, os 10% que não foram reduzidos foram compensados com a compra de créditos de carbono em projetos na Amazônia. 

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Foto: Divulgação

Habitação popular é outra importante aplicação social das construções com contêiner, como a Vila Reencontro, projeto de casas modulares metálicas, feitas de contêineres, e usadas como moradia provisória para moradores em situação de vulnerabilidade social na cidade de São Paulo. A ideia é que eles conquistem autonomia por meio da reinserção no mercado de trabalho e da reconstrução dos vínculos sociais e familiares. Enquanto isso, contam com essas casas temporárias. 

Foto: Marcelo Pereira/SECOM – Prefeitura da Cidade de São Paulo

Em maio de 2024, a prefeitura entregou a sexta unidade da Vila Reencontro, no Jabaquara, zona sul. Desde a inauguração da primeira vila, em 2002, no Anhangabaú (região central), mais de 120 pessoas conseguiram obter saída qualificada, ou seja, deixaram a situação de rua. A iniciativa é inspirada no modelo Housing First (Moradia Primeiro), adotado em países como Canadá, Finlândia e Estados Unidos.

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Vila Reencontro Jabaquara I (Foto: Marcelo Pereira/SECOM – Prefeitura da Cidade de São Paulo)

As casas e paredes das vilas em SP receberam intervenções artísticas de grafiteiros, com cores vivas e imagens que representam a ideia de reencontro. Cada moradia cerca de 18 m² e é construída de estrutura totalmente metálica, com paredes e forro feitos de material antichama para isolamentos térmico e acústico, além de equipadas com fogão, geladeira e ventilador de teto. A mobília é montada de acordo com a configuração de cada família. Cada unidade tem banheiro próprio e minicozinha.

Foto: Marcelo Pereira/SECOM – Prefeitura da Cidade de São Paulo

Cada família pode permanecer na vila entre 12 e 24 meses. Atualmente, os 550 módulos (casas) têm capacidade para atender mais de 2 mil pessoas.

Assim, a disseminação do uso de construções com contêiner, acompanhada pelas necessárias normas e regulamentações, podem ajudar a tornar as habitações mais econômicas, viáveis e sustentáveis. Mais que isso, podem fazer a diferença não só para quem decide construir sua própria casa com um olhar especial para os impactos ambientais, mas para beneficiar milhares de pessoas que precisam de acesso à saúde, educação e moradia.