Climatização geotérmica: a energia sustentável sob nossos pés

O professor e engenheiro Alberto Hernandez Neto explica como a climatização geotérmica pode promover a sustentabilidade em edifícios.

Por Nathália Ribeiro em 10 de janeiro de 2024 6 minutos de leitura

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Alberto Hernandez Neto (Foto: Divulgação)

Uma das abordagens ecologicamente conscientes no projeto de residências e edifícios está no subsolo: a climatização geotérmica. Ao utilizar a energia térmica do subsolo para climatizar ambientes, esse método construtivo se destaca pela eficiência energética e sustentabilidade. Especialista dedicado em aprimorar a aplicação do método no cenário brasileiro, Alberto Hernandez Neto lidera a equipe responsável pela gestão da área de energia no edifício do Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS) da Poli-USP, pioneiro no Brasil na adoção do sistema. Em entrevista ao Habitability, o doutor em engenharia mecânica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor na mesma instituição dá detalhes sobre o sistema, suas vantagens e os desafios que envolve sua propagação.

Climatização geotérmica pela primeira vez no Brasil

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Foto: Divulgação

Embora amplamente difundida em países de clima temperado, como Estados Unidos, Japão e Canadá, além das regiões da Europa, a climatização por meio da geotermia será testada pela primeira vez em um país tropical como o Brasil, no edifício laboratório Cics Living Lab, pertencente ao Centro de Inovação em Construção Sustentável (Cics) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). 

No prédio, a equipe de Neto explora a possibilidade de realizar perfurações e aproveitar as fundações do empreendimento para promover a troca de calor. Isso envolve a criação de uma rede de tubos e a aplicação de uma bomba, conhecida como trocador de calor. Um fluido, como água, será direcionado para circular pelos tubos dispostos na parte interna das estacas que compõem as fundações do edifício. Esse processo facilitará a efetiva troca de calor entre o interior do prédio e a região subterrânea. 

“A essência da geotermia reside no aproveitamento do solo como uma fonte para dispersar o calor retirado do edifício. Diferentemente dos sistemas convencionais, nos quais condensadores ficam externos ao prédio, liberando calor para o ar externo, a abordagem geotérmica propõe direcionar o calor para o solo”, disse Neto. 

A temperatura do subsolo, apenas alguns metros abaixo da superfície, mantém-se relativamente constante ao longo do ano. Neto observa que a temperatura do solo em torno do prédio do CICS normalmente oscila entre 23 e 24 graus. “Essa temperatura mais baixa do solo permite uma rejeição mais eficiente de calor, tornando os equipamentos de climatização geotérmica mais eficazes e, consequentemente, reduzindo o consumo de energia”, aponta. 

Segundo o doutor, o sistema de ar condicionado representa uma parcela de 40% a 50% do consumo energético em edifícios brasileiros. O sistema de energia geotérmica é capaz de reduzir esse alto consumo, trazendo economia e, por ser uma fonte de energia renovável, causar menor impacto ao meio ambiente. 

Desafios na implementação do sistema

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Foto: Thaise Morais /Jornal da USP/Reprodução

O professor destaca que apenas uma parte do prédio do CICS é contemplado com a climatização geotérmica, pois climatizar todo o prédio implicaria em realizar muitas perfurações, o que acarreta custos elevados. Assim, a alternativa adotada é aproveitar as estacas já presentes. 

“Nesse caso, surge o desafio do número limitado de estacas disponíveis, já que, em edifícios menores, não é necessário um grande número delas. Portanto, consegue-se climatizar apenas uma parte do edifício com geotermia. Isso se torna um obstáculo comum, pois, ao planejar um sistema que atenda a toda a extensão do prédio, o custo associado à realização de múltiplas perfurações pode ser um impeditivo”, constata Neto.  

Em algumas situações, como no prédio da Google, na Califórnia (EUA) que adotou a geotermia, observa-se que a quantidade de estacas faz a diferença. Mesmo que o prédio de uma das maiores empresas do mundo tenha, aproximadamente, 10 mil metros quadrados, foram instaladas 4 mil estacas sob o edifício. Segundo Neto, é uma quantidade além do necessário para a estrutura em si, mas o suficiente para garantir a implementação de um sistema geotérmico em toda a extensão do prédio.

Rumo a uma climatização geotérmica mais acessível 

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Foto: Thaise Morais/Jornal da USP/Reprodução

O próximo passo, portanto, é buscar estratégias para tornar o método mais acessível e economicamente viável no contexto nacional. Segundo o professor Neto, ao optar pela climatização geotérmica, o empreendedor enfrentará um investimento inicial mais alto, podendo chegar a R$ 2 milhões, e o retorno se concretizará em aproximadamente sete a oito anos. “Sabemos que esse período de retorno do investimento pode parecer um prazo muito longo para o mercado brasileiro, já que as expectativas se concentram em retornos mais rápidos, geralmente de dois a três anos”, reconheceu ele.

A boa notícia é que a equipe do engenheiro não está longe de encontrar uma solução economicamente viável. A inspiração vem de terras francesas. Isso porque, parte da climatização do metrô de Paris é realizada de forma inovadora. Em vez de utilizar tubos verticais ou horizontais convencionais, eles aproveitam as paredes dos túneis do metrô para a rejeição de calor, ou seja, incorporam os tubos de rejeição de calor dos sistemas de ar condicionado nas próprias paredes do túnel. 

“Estamos explorando esse conceito em um projeto colaborativo com a professora Cristina Tsuha, do Departamento de Geotécnica da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Estamos testando diferentes configurações de geotermia, como tubos verticais e sua integração nas paredes”, conta o professor com entusiasmo. “Podemos utilizar as paredes da garagem de um prédio, por exemplo, como fontes para rejeição de calor, maximizando assim a eficiência do sistema”, esclarece.  

O propósito do CICS não se limita a testar pela primeira vez a tecnologia geotérmica no Brasil, mas também visa empregar todo o conhecimento e experiência acadêmica dos pesquisadores para desenvolver uma ferramenta destinada a profissionais do setor de construção civil e do mercado, em particular engenheiros interessados na concepção de sistemas geotérmicos. “Essa ferramenta será valiosa no dimensionamento dos projetos, uma vez que muitos profissionais enfrentam dificuldades na concepção do projeto e na escolha da metodologia adequada”, diz. 

Energia zero

Embora a climatização geotérmica seja um método sustentável, que traz consigo vantagens significativas, como a redução do consumo de energia e gases poluentes, Neto enfatiza que é importante incorporá-la com outros recursos. No contexto do CICS, a gestão eficiente do edifício é uma preocupação abrangente, abordando não apenas o consumo de energia, mas também a produção. “O conceito central é de alcançar uma condição de energia zero. A ideia é que o edifício seja capaz de gerar toda a energia que consome, tornando-se energeticamente autossuficiente”, explica o professor. Diversas estratégias estão sendo aplicadas para alcançar esse objetivo, desde a seleção criteriosa dos materiais que compõem o prédio, implementação de placas fotovoltaicas até a escolha dos equipamentos de iluminação, como a adoção de lâmpadas LED.

Uma andorinha só não faz verão…

A necessidade de ações integradas transcende o escopo do edifício da CICS, exigindo uma abordagem que alcance uma escala urbana mais ampla. “A geotermia poderia ter um impacto ainda mais significativo se pensada de forma integrada, abrangendo não apenas o apartamento ou prédio, mas também seu entorno. Isso contribuiria para criar ambientes mais frescos e agradáveis, como evidenciado pela sensação de conforto térmico ao estar em áreas verdes, em comparação com ambientes urbanos mais concretados”, afirma o professor. 

Alberto destaca a importância de reconsiderar a abordagem na construção de edificações nos centros urbanos. Ele sugere que, ao planejar a construção de um prédio em conformidade com as normas de zoneamento, que permitem, por exemplo, até 20 andares, uma construtora poderia obter autorização para adicionar mais três andares, caso incluísse no projeto espaços como parques e jardins comuns, beneficiando a comunidade local. “A criação de mais áreas verdes contribui para reduzir as ilhas de calor e a demanda por ar condicionado”, disse ele. 

Para ele, a geotermia é uma das opções atuais para tentar reduzir os impactos ambientais, mas não é uma solução única. É necessário adotar uma perspectiva diferenciada para projetar cidades considerando o futuro. Não se trata mais apenas de evitar problemas, agora o foco é reduzir o impacto que essas questões estão causando. “Nossa intenção é disseminar a ideia de que é crucial planejar para o presente, mas também antecipar o futuro. Estamos explorando maneiras de prever e enfrentar os desafios que inevitavelmente surgirão e é fundamental abordar essas questões proativamente”. 

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