Como o conhecimento indígena pode ajudar a desarmar a bomba-relógio do clima

Para ONU, governos devem aprender com exemplos ambientais dados pelas comunidades indígenas; caso contrário, corremos o risco de acelerar a crise climática que enfrentamos

Por Redação em 28 de dezembro de 2023 4 minutos de leitura

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Que atire a primeira pedra quem não reclamou do calor nos últimos meses no Brasil. Com razão! A sensação térmica de alguns locais ultrapassaram os 58ºC, como foi registrado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em novembro.

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Mas isso não é um caso isolado do Brasil, o clima do mundo está mudando. Ondas de calor, secas prolongadas, tempestades e furacões estão cada vez mais frequentes, segundo o relatório global do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançado em março deste ano. Diante do cenário devastador, avistado há anos pela Organização das Nações Unidas (ONU), existem algumas alternativas. Dentre elas, o conhecimento indígena. 

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) fez o alerta: governos devem aprender com exemplos ambientais das práticas adotadas por comunidades indígenas. Caso contrário, corremos o risco de acelerar a crise planetária que enfrentamos. 

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“A perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, em combinação com a gestão insustentável de recursos, estão levando os espaços naturais ao redor do mundo, de florestas, rios e savanas, ao ponto de não retorno”, informou em nota Siham Drissi, oficial do Programa de Biodiversidade e Gestão de Terras do PNUMA. “Precisamos proteger, preservar e promover o conhecimento tradicional, o uso sustentável e a experiência das comunidades indígenas, se quisermos interromper os danos que estamos causando – e, finalmente, salvar a nós mesmos”.   

Vale ressaltar que as notícias atuais não são boas. As mudanças climáticas descritas pelo IPCC são sem precedentes e muitas permanecerão irreversíveis por séculos. Segundo o relatório, a temperatura mundial já subiu 1,1ºC acima dos níveis pré-industriais. Essa é uma consequência direta de mais de um século de queima de combustíveis fósseis e do uso desordenado e insustentável da energia e do solo. A elevação aumenta ainda a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos e tende a causar o agravamento da insegurança alimentar e hídrica. 

O relatório mostra que o declínio ambiental também está acelerado em comunidades indígenas, mas, nelas, ele tem sido “menos severo” do que no restante do mundo. Isso se deve ao conhecimento tradicional acumulado por séculos e, em muitas comunidades, à visão predominante de que a natureza é sagrada. 

Povos originários contra uma terra adoecida 

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Comunidade Bambuti-Babuluko (Foto: Christian Chatelain/Site Territories of Life)

Cerca de três quartos do nosso planeta foram “significativamente alterados” pelas ações humanas, segundo relatório de 2019 da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), apoiada pelas Nações Unidas. Isso colocou em perigo ecossistemas importantes, como florestas, savanas e oceanos, levando 1 milhão de espécies à extinção. 

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O planeta abriga mais de 476 milhões de indígenas, vivendo em 90 países. Juntos, esses povos possuem, administram ou ocupam cerca de um quarto das terras do mundo todo. Seus territórios protegem espaços de rica biodiversidade.

A comunidade Bambuti-Babuluko, na República Democrática do Congo, por exemplo, está ajudando a proteger uma das últimas áreas remanescentes de floresta tropical na África Central. O povo Chahdegal Balouch, no Irã, cuida de 580 mil hectares de matagal e deserto. E, líderes Inuit, no Canadá, estão trabalhando para restaurar os rebanhos de caribus, que estavam em declínio acentuado. 

No Brasil, a terra indígena Mangueirinha ajuda a conservar uma das últimas florestas de araucárias nativas do mundo, no Sul do país; e os Pataxó, da Barra Velha, focam na proteção de uma das áreas de maior diversidade da Mata Atlântica, no Sul da Bahia. 

A taxa de desmatamento dentro das florestas indígenas no Brasil, em áreas em que a “terra já foi assegurada”, é até 2,5 vezes menor em comparação a outras regiões, segundo o relatório “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), de 2021. No entanto, tais territórios têm sido espaço de resistência diante da ganância capitalista, com práticas de exploração predatórias, como mineração, extração de madeira, monocultura e pecuária.

Para combater a ação de infratores, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) apresentou o PL 344/2023, que altera a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998). A proposta é de que práticas ilegais sejam penalizadas de forma qualificada quando ocorridas em terras indígenas. Ou seja, a pena passaria de um a quatro anos de reclusão e multa mais elevada. 

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Corrida contra o tempo

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Para o IPBES, povos indígenas geralmente estão em melhor posição do que os cientistas para fornecerem informações sobre a biodiversidade local e as mudanças ambientais. Uma vez que reconhecem o meio ambiente como parte integrante da sua identidade cultural, conseguem manter uma relação recíproca e sabem a importância de protegê-lo para gerações futuras.

No entanto, como suas vidas costumam estar intimamente ligadas à terra, as comunidades indígenas estão entre as primeiras a enfrentar as consequências das mudanças climáticas. Por isso, parte fundamental desse processo de preservação da biodiversidade é reconhecer as reivindicações de terras indígenas e abraçar as formas tradicionais de gestão da terra. 

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