A escolha das cores nas cidades afetam desde a acessibilidade para pessoas com deficiência visual até a orientação espacial e reciclagem.
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Redação em 22 de novembro de 2023 6minutos de leitura
As cores nas cidades têm um impacto que vai muito além da estética. Elemento informativo e funcional, elas também desempenham um papel surpreendente na forma como o ser humano percebe o mundo à sua volta. Têm o poder de influenciar a sensação de bem-estar e até mesmo moldar a percepção da qualidade dos espaços públicos.
Para as pessoas com dificuldades visuais ou idosos, por exemplo, seu papel ganha uma importância particular, embora muitas vezes subestimado: a inclusão. Isso porque a acessibilidade dos espaços públicos é grandemente influenciada pelas escolhas de cores.
No Brasil, quase 19 milhões de pessoas – cerca de 9% da população – vivem com algum tipo de deficiência, de acordo com dados do IBGE. A deficiência visual se destaca entre elas, afetando mais de 3% dos brasileiros, incluindo aqueles que enfrentam dificuldades para enxergar, mesmo com o auxílio de óculos ou lentes de contato.
Visão além dos olhos
O impacto do ambiente em vários aspectos da vida humana também são temas de estudos como The Image of The City, do autor Kevin Lynch, e Espaço e Lugar – A Perspectiva da Experiência, de Yi-Fu Tuan. Ambos mostram que, embora todos os sentidos sejam importantes no processo perceptivo, a visão, seja boa ou limitada, desempenha um papel central na percepção espacial.
Tuan, especialmente, destaca que grande parte da compreensão do ambiente é baseada em imagens visuais, que estão associadas a conjuntos específicos de significados. Nesse sentido, os olhos trabalham em conjunto com o corpo e os outros sentidos para ajudar o ser humano a compreender e interagir com o mundo ao redor.
Para a pesquisadora Mariana de Sousa Siqueira Santos, mestre em Arquitetura e Urbanismo, as pessoas com deficiência visual, seja parcial ou total, podem ter experiências muito diferentes ao interagir com o ambiente ao seu redor. Algumas delas conseguem se locomover de forma independente, enquanto outras precisam desenvolver estratégias específicas para se deslocar com segurança. São diferenças que influenciam significativamente a maneira como cada uma percebe e interage com o mundo ao seu redor e, consequentemente, como se move e se apropria dos espaços públicos.
Visão e inclusão
De acordo com o estudo “A influência da cor na avaliação dos usuários do ambiente urbano“, a cor, além de ser um elemento importante na configuração estética das cidades, também é uma fonte de informação visual. A escolha cuidadosa de cores com alto contraste e distintas luminosidades pode facilitar a identificação de objetos e elementos de referência, proporcionando uma clareza visual que auxilia na orientação.
Em estações de transporte público, a codificação por cores em plataformas e rotas específicas pode simplificar a experiência de navegação para passageiros com deficiências visuais ou outras deficiências. Ao fornecer indicações visuais claras e distintas, a utilização de pavimentos táteis em cores vivas, como o amarelo brilhante, contrastando com tons mais escuros, podem desempenhar um papel essencial na orientação de pessoas com deficiências visuais, permitindo-lhes identificar com clareza as rotas a seguir, as áreas de embarque e desembarque e a evitar obstáculos.
E o melhor: esse design inclusivo pode garantir que as vias para pedestres e os sistemas de transporte público sejam mais acessíveis e seguros para todos, independentemente de suas habilidades visuais.
Cores nas cidades: explorando o impacto psicológico e urbanístico
Em seu livro “A Psicologia das Cores”, Eva Heller explora em detalhes como os tons podem afetar emoções e comportamentos. Na arquitetura, o círculo cromático demonstra inúmeras possibilidades de criar sensações por meio da aplicação inteligente das cores.
Nas cidades, essa influência pode ser exemplificada pelas luzes dos semáforos, em que cada cor evoca uma sensação e indica uma ação. Mas a relação entre sentimentos, sensações e as cores nas cidades tem proporções muito maiores. Por exemplo, cidades consideradas “sem cor” pela ausência da luz solar, como em países nórdicos, têm maiores índices de pessoas com depressão.
Como ressaltou o psiquiatra Leandro Franco em entrevista ao portal da FioCruz, a luz solar exerce influência sobre o estado de espírito das pessoas. É por esse motivo que, nessas regiões do hemisfério norte, onde os dias de inverno são curtos, ocorre a chamada depressão sazonal. “A luminosidade impacta a atividade dos receptores neuronais associados a neurotransmissores ligados ao bem-estar”, destaca.
Não é à toa que diversas cidades têm adotado estratégias de coloração para trazer uma sensação de bem-estar às áreas urbanas. Oslo, capital da Noruega, é uma delas. Em 2021, a Câmara Municipal criou um plano para incluir mais cores nos edifícios da cidade.
As autoridades implementaram uma política arquitetônica que inclui a elaboração de um guia de cores, incentivando o uso de uma variedade de tons e materiais de construção. “As cores nas cidades e as diferentes opções de materiais criam uma sensação de bem-estar e são importantes para a saúde mental. As cores e as opções de materiais podem quebrar fachadas um tanto enfadonhas”, disse o vereador municipal para o desenvolvimento urbano, Rasmus Reinvang, em comunicado à imprensa.
Cores nas cidades revitalizam paisagens
A implementação estratégica de esquemas de cores vibrantes e atraentes tem se revelado também uma ferramenta poderosa para renovar e revitalizar áreas urbanas degradadas. Em 2022, o projeto “Cores da Cidade“, em São Luís/MA, garantiu mais beleza aos residenciais Monte Castelo, Ipem Bequimão e Conjunto dos Bancários.
Além de valorizar os imóveis, a iniciativa também teve impacto na vida dos moradores locais. As escolhas de cores e as intervenções foram cuidadosamente definidas em colaboração com os proprietários, em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelos órgãos de preservação do patrimônio, como o Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico (DPHAP), vinculado à Secretaria de Estado da Cultura (Secma).
O projeto tem como propósito fortalecer os esforços do governo estadual para revitalizar diversas áreas no centro da cidade. Entre os serviços oferecidos pelo projeto, estão a restauração do reboco, a pintura das fachadas e a revitalização e pintura de grades e janelas dos imóveis.
Já no estado do Espírito Santo, uma empresa de tintas sediada em Cachoeiro de Itapemirim tem implementado há uma década o projeto “Cores Solidárias”, uma iniciativa que renova espaços públicos utilizando tintas que normalmente seriam descartadas.
A mecânica é simples: a empresa coleta de seus clientes e doadores as sobras de tintas provenientes de obras. Posteriormente, essas tintas são armazenadas e destinadas a projetos selecionados que solicitam o apoio para renovação de espaços. Além de evitar o descarte incorreto e a poluição ambiental, a prática engaja e proporciona satisfação à comunidade, que ganha um lugar mais vibrante e acolhedor para viver e conviver.
Cores impactam até na reciclagem
Estudos como “A Percepção das cores em espaços públicos“, realizado por uma equipe de mestres em arquitetura do Rio Grande do Sul, mostram que a influência das cores nas áreas urbanas é complexa, envolvendo reações fisiológicas e psicológicas, moldadas pela aprendizagem, cultura e experiências individuais. Além de evocar respostas emocionais e cognitivas, as cores podem desencadear associações simbólicas carregadas de significados específicos.
Por exemplo, a escolha das cores no mobiliário das lixeiras nas áreas urbanas ganha trâmites funcionais. A utilização de cestos de lixo com cores diferentes para resíduos secos e orgânicos simplifica o processo de separação de materiais recicláveis, pois ajuda os cidadãos a identificar e utilizar os recipientes apropriados com mais facilidade, promovendo a coleta seletiva e, consequentemente, a reciclagem.
A funcionalidade das cores nas lixeiras urbanas também se estende ao planejamento e à eficiência dos serviços de coleta de resíduos. Os coletores e equipes de gestão de resíduos podem identificar facilmente os contentores e planejar suas operações de forma mais eficaz, garantindo uma coleta de lixo mais organizada e ambientalmente consciente.
A funcionalidade das cores, seja na sinalização de trânsito, na arquitetura inclusiva ou na gestão eficiente de resíduos, destaca como um elemento aparentemente estético pode ter um impacto significativo na qualidade de vida e na sustentabilidade das cidades, muito além do que os olhos podem ver.
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