Los Angeles, cidade onde ficam Hollywood e os estúdios de cinema mais famosos do mundo. Onde tem glamour e calçada da fama, é também onde há uma das maiores populações em situação de rua dos Estados Unidos: cerca de 30 mil pessoas. Se forem considerados abrigos ou moradias temporárias, esse contingente sobe para 45 mil. É essa cidade cheia de contrastes que receberá os Jogos Olímpicos de 2028. A situação, comum em várias regiões dos Estados Unidos, resulta da falta de moradia a preços acessíveis, desigualdade de renda, dificuldades de acesso a tratamento de saúde mental e dependência de drogas. Um cenário que desafia as autoridades.
Cracolândia hollywoodiana

A maior preocupação das autoridades de LA é uma região do centro da cidade conhecida como Skid Row, onde mais de 4 mil pessoas vivem em situação de rua ao longo de 50 quarteirões. Conhecida por ter uma enorme concentração de moradores de rua e de consumo de drogas a céu aberto, costuma ser comparada com a “Cracolândia”, na região central da cidade de São Paulo. Com início em 1990, o problema da capital paulista é considerado por especialistas um dos mais difíceis de se solucionar no Brasil, em razão da complexidade e dos múltiplos fatores relacionados, como questões sociais, de saúde e de segurança pública.
O plano americano

Um dos planos da prefeitura de Hollywood para enfrentar a crise da falta de moradia em LA a tempo da realização das Olimpíadas na cidade, em julho de 2028, é acelerar um programa já existente, o Inside Safe. Ele foi lançado em 2022 para transferir moradores para abrigos temporários (como quartos de hotéis) e, posteriormente, para lares permanentes. Segundo a prefeitura, a iniciativa beneficiou mais de 50 acampamentos de sem-teto, abrigou quase 3 mil pessoas e transferiu mais de 600 para habitações permanentes. Entre 2022 e 2024, a população de rua diminuiu pela primeira vez em seis anos, mas cerca de 30% das pessoas abrigadas temporariamente voltaram para as ruas de LA.
Em entrevista à BBC News Brasil, o cientista político Jules Boykoff, professor da Pacific University, no Estado do Oregon, e autor de seis livros sobre os Jogos Olímpicos, disse que as medidas da prefeitura conseguem diminuir o número de pessoas que vivem nas ruas, mas que, mesmo que o ritmo de queda seja mantido, será insuficiente para acabar com a crise da falta de moradia em LA até 2028. “O temor é que, então, adotem medidas mais drásticas, como as que vimos em Paris. Como colocar os sem-teto em ônibus no meio da noite e levá-los para outras partes do estado”, afirmou Boykoff.
Outra frente de atuação é a parceria entre o Departamento de Serviços de Saúde do Condado de Los Angeles, a prefeitura e a comunidade local para oferecer, em Skid Row, moradia permanente para 2,5 mil pessoas (mais da metade dos moradores de rua da área). Também estão previstas centenas de vagas em hotéis de baixo custo na região, que servirão como moradia temporária, para que as pessoas possam deixar os acampamentos nas ruas e esperar pela transição para habitações permanentes. Segundo balanço divulgado em agosto de 2024, 1.975 moradores de rua de Skid Row foram transferidos para moradias temporárias e 990 para habitações permanentes.
Paris, um (anti) case?

Paris, sede das Olimpíadas 2024, recebeu críticas pela forma como retirou milhares de moradores de rua para a realização dos jogos. São pessoas – muitas delas migrantes – que vivem em tendas ou sob pontes em áreas da capital, principalmente no norte da cidade e às margens do Rio Sena. A polícia realizou o desmonte de acampamentos e enviou essas pessoas de ônibus para abrigos temporários em outras regiões da França.
“As autoridades fizeram a promessa de que um dos legados dos Jogos de Paris seria o de uma sociedade mais inclusiva. Mas Paris não será uma exceção na tendência de esconder os pobres nas Olimpíadas”, disse à BBC News Brasil Théodore Malgrain, porta-voz da ONG O Reverso da Medalha, que reúne associações que atuam na área de assistência social. Segundo a entidade, 12,5 mil pessoas foram removidas de Paris e Seine-Saint-Denis, região ao norte da cidade onde foram construídos a Vila Olímpica, o centro aquático e outros espaços de competição.
As autoridades francesas negaram que a retirada dessas pessoas tenha sido motivada pelas Olimpíadas. A ministra dos Esportes e dos Jogos Olímpicos de Paris, Amélie Oudéa-Castéra, afirmou que se tratava de política de acomodação de emergência para distribuir essas pessoas por todo o país. E que operações desse tipo eram realizadas regularmente, não sendo, portanto, ditadas pelo evento.
Tema endêmico

Especialistas consideram pouco provável que a crise da falta de moradia em LA seja resolvida até 2028, a tempo da realização dos jogos olímpicos. O receio é de que a competição agrave o problema, acelerando a gentrificação e a especulação imobiliária, o que prejudica as parcelas mais pobres e vulneráveis da população.
André Nery Figueiredo, arquiteto, pesquisador e diretor da Faculdade de Arquitetura e Design da Universidad Científica del Sur, em Lima, Peru, explica que, historicamente, eventos globais, como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, em algumas cidades, aumentam a especulação imobiliária. “Não necessariamente vai acontecer, mas é muito provável que aconteça (em Los Angeles), principalmente se a gente pensa em toda a dinâmica que se gera pelo turismo, agora com as novas plataformas do Airbnb. Então isso, logicamente, aumenta o preço e altera toda a dinâmica urbana”, analisa Nery.
Leia também: Além das medalhas: urbanismo olímpico remodela cidades-sede
“O que deveria ser feito? Quais seriam as ações para reduzir os moradores de rua? Esse é um tema já endêmico em muitos lugares. Nos Estados Unidos, cada vez mais isso é forte pelo preço da habitação e pelos problemas de saúde mental, de consumo de drogas. E o governo dá as costas para isso”, indaga o arquiteto. Para ele, a primeira medida precisa ser a construção de habitação acessível. “A habitação social acaba sendo em uma parte muito isolada da cidade, então não promove a inclusão. Mais de 30% das pessoas que entraram em programas como o Inside Safe, em LA, voltaram para as ruas. Então, é preciso um bom planejamento urbano, que seja inclusivo”.
Figueiredo lembra que há áreas em Los Angeles e em outras cidades dos Estados Unidos que são extremamente amplas e têm muitas áreas vazias no centro da cidade, em regiões aptas ao aumento da densidade demográfica, o que pode ajudar a cidade a ser mais diversa. “Isso diminui a marginalização e, logicamente, a segregação econômica. E impacta a justiça social. Esse é um problema complicado, que não se resolve da noite para o dia, mas começando com essas ações, pode dar certo”.