Gentrificação: a gourmetização do espaço urbano

Com impactos cada vez mais evidentes nas cidades, a gentrificação demanda soluções que conciliem desenvolvimento urbano e inclusão social.

Por Redação em 1 de junho de 2023 4 minutos de leitura

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A gentrificação tem se tornado cada vez mais presente nas discussões sobre a ocupação urbana dos bairros nas cidades. É comum associar a transformação de determinadas regiões, especialmente as mais antigas, a uma espécie de “invasão hipster” ou a uma tendência de “gourmetização” dos espaços. Embora o termo seja relativamente recente, os efeitos desse fenômeno são observados há tempos.

Em São Paulo, a gentrificação pode ser observada desde o início do século 20, quando ocorreram transformações significativas, como a criação da avenida no Vale do Anhangabaú, a inauguração do Theatro Municipal e a formação do Jardim da Luz, localizados na região central da cidade.

Embora a premissa da gentrificação implique na renovação de áreas urbanas antes negligenciadas, essa transformação não ocorre sem consequências. Um dos principais aspectos controversos é a expulsão dos moradores originais, muitas vezes de baixa renda, que não conseguem acompanhar o aumento dos custos de moradia e estilo de vida impostos pelas mudanças.

Efeitos da gentrificação 

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Cidade do México

A gentrificação é um termo usado para descrever a transformação de bairros antigos e populares em áreas urbanas. Isso ocorre quando essas regiões, que geralmente apresentam sinais de deterioração física, passam a atrair moradores com renda mais alta. Esses novos moradores são atraídos por características como arquitetura, diversidade cultural, infraestrutura e localização privilegiada, e começam a demandar serviços e estabelecimentos exclusivos. 

Por um lado, a gentrificação pode trazer melhorias e renovação para áreas urbanas que antes estavam em declínio. O investimento de capital e a chegada de novos moradores com maior poder aquisitivo podem impulsionar a economia local, gerar empregos e melhorar a infraestrutura. A revitalização de espaços abandonados ou subutilizados pode trazer um novo fôlego para a comunidade.

Por outro lado, o encarecimento dos aluguéis e dos imóveis acaba por forçar essas pessoas a se mudarem para áreas mais afastadas, afetando o seu acesso à cidade e aos serviços. Essa realidade pode gerar segregação e aprofundar as desigualdades sociais.

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Sob a ótica ambiental

A gentrificação não apenas reestrutura as dinâmicas social e espacial das cidades, mas também tem impactos significativos no meio ambiente. Um dos efeitos comuns é a redução das áreas verdes nos bairros, à medida que espaços abertos e parques são substituídos por construções densas. Além disso, o processo de gentrificação muitas vezes resulta em uma maior impermeabilização do solo devido à expansão das áreas construídas, o que dificulta a absorção da água da chuva.

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Avenida Paulista – Cidade de São Paulo

Outra consequência ambiental da gentrificação é o aumento do tráfego de veículos particulares nas áreas afetadas. À medida que pessoas de renda mais alta se mudam para os bairros, a demanda por transporte individual cresce, aumentando a quantidade de carros circulando e contribuindo para a poluição do ar e a emissão de gases de efeito estufa.

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Essas transformações urbanas causadas pela gentrificação tendem a agravar os problemas ambientais já presentes nas cidades. A redução das áreas verdes e a maior impermeabilização do solo contribuem para o surgimento de ilhas de calor, áreas com temperaturas mais elevadas devido à falta de vegetação e à retenção de calor nas superfícies construídas. Além disso, o aumento da impermeabilização do solo pode levar a um maior risco de enchentes, uma vez que a água da chuva não consegue ser absorvida pelo solo e sobrecarrega os sistemas de drenagem urbana.

Casos de gentrificação no Brasil

O solo do centro de São Paulo é altamente disputado, levando as pessoas mais pobres a se deslocarem para regiões mais distantes, apesar da disponibilidade de prédios centrais vazios. Esse movimento é uma consequência da especulação imobiliária e do aumento do custo de vida, resultando em uma transformação inevitável da cidade, com algumas exceções icônicas.

Um exemplo dessa relação é a disputa pelo Teatro Oficina, dirigido pelo dramaturgo Zé Celso Martinez, que está sendo pressionado pelo Grupo Silvio Santos, que deseja construir três torres na região. Os defensores do teatro acusam Santos de alterar a paisagem urbana e a dinâmica imobiliária do bairro do Bixiga.

No Rio de Janeiro, a gentrificação também é um problema significativo. A “reforma higienista” realizada há mais de um século na cidade moldou seu formato atual à custa dos cortiços e do despejo da população para as favelas. Atualmente, a região portuária carioca se destaca como uma das mais afetadas pela gentrificação, com grandes espaços vazios e barracões abandonados. A “revitalização” da área, conhecida como Porto Maravilha, foi impulsionada principalmente pelos eventos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. 

Foto: Reprodução/ Facebook Porto Maravilha

No entanto, as críticas não estão relacionadas ao investimento em si, mas, sim, ao fato de que o processo acaba excluindo as pessoas de baixa renda, aprofundando a desigualdade social e os problemas de moradia.

Possíveis soluções

A gentrificação é um problema complexo que exige soluções multifacetadas. Uma das possíveis soluções é a implementação de políticas públicas que visem à proteção e preservação de bairros históricos e culturais. Essas políticas podem incluir a criação de zonas de proteção ambiental, incentivos fiscais para a preservação de imóveis antigos e a regulamentação do uso do solo.

Além disso, é importante investir em programas de habitacionais para garantir que a população mais vulnerável possa permanecer nas áreas gentrificadas. Esses programas podem incluir a construção de conjuntos habitacionais ou a adaptação de prédios vazios em moradias populares.

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As abordagens podem variar de acordo com cada contexto urbano, no entanto, um enfoque colaborativo, com a participação do governo, da comunidade e de diversas partes interessadas, pode ser um caminho para desenvolver estratégias eficazes e sustentáveis que abordem os desafios da gentrificação, garantindo a coesão social e a melhora da habitação nas cidades.

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