Da terra para a Terra, bioconstrução ganha força no Brasil

Criador do Bioconstrução Brasil, Caio Martins fala sobre o que significa bioconstrução, e como ela se conecta com o tradicional e o futuro

Por Redação em 15 de maio de 2023 5 minutos de leitura

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O futuro será feito com os pés na terra. O material mais abundante do mundo está voltando para o mapa dos arquitetos e engenheiros brasileiros, que encontraram na bioconstrução um caminho sustentável para construir casas de uma maneira sustentável e diferente, transformando-as em organismos vivos.

bioconstrução é uma técnica que usa materiais de baixo impacto, adequados para a arquitetura e para o clima local. E não só isso, como explica o arquiteto criador do Bioconstrução Brasil, Caio Martins. “Percebo que não só envolve a questão dos recursos materiais, mas também você priorizar os recursos humanos daquele ambiente. Usar mão de obra local, valorizar saberes locais. Usar tudo o que tem disponível ali”, afirma.

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Foto: Divulgação/ Bioconstrução Brasil

Martins se especializou em usar terra para as construções, mas explica que há alguns que preferem madeira, pedra e bambu. Tudo depende do lugar. “Alguns materiais estão em maior disponibilidade que outros, reduzimos os gastos do transporte de materiais e consequentemente seus danos”. diz o arquiteto.

Em sua página, onde explica e dá cursos sobre a construção com terra, Martins notou o crescimento da procura. Impulsionados pela possibilidade de menor custo e também pelo fato da terra não produzir sobras, como o entulho, onde os mais de 97 mil usuários que seguem Caio nas redes sociais também se preocupam em aprender na prática.

Isso porque, a bioconstrução precisa ser aprendida na prática, com os pés na terra. “A teoria e a prática precisam estar alinhadas, uma complementa a outra”, fala. Foi sujando as mãos que Caio se encontrou na bioconstrução. Após formado em arquitetura, Caio se aproximou do Instituto de Permacultura da Bahia durante a organização de uma horta na agência que trabalhava.

Mexer com a lama e a terra, misturar tudo, fez tanta diferença para o arquiteto, que estava acostumado a pensar em obras apenas com cimento, aço e concreto. Caio foi, então, fazer cursos sobre o assunto no Rio de Janeiro, no Tibá. No meio tempo, se aventurou pelo interior do Brasil, atrás de formas tradicionais de usar a terra. 

“Viajei pelo Brasil pegando carona e passei a participar de trabalhos voluntários, tudo para aprender a usar a terra. Quando voltei para a Bahia, tive a confiança de fazer meu primeiro projeto arquitetônico com tudo que eu havia aprendido”, lembra Caio.  O contato não foi só com o barro, mas com aqueles que estavam acostumados a usar técnicas ancestrais nas suas casas, como o adobe. Pessoas que, nem sempre, são contempladas pelo saber acadêmico. 

“Para mim, a bioconstrução não é só uma ferramenta que dá autonomia nos processos de construção. Mas também uma ferramenta para melhorar a relação entre as pessoas. Vejo que muitas daquelas que optam por esse tipo de construção, acabam tendo uma relação mais próxima com aqueles que constroem, um diálogo horizontal e cuidadoso. Sabe e compreende a diferença entre mãos e máquinas”, fala Caio.

Propriedades que só a terra tem

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Foto: Divulgação/Bioconstrução Brasil

Construir com terra significa desconstruir muitos conceitos, explica Martins. Um deles é o do tempo. A terra, assim como a natureza, tem um tempo próprio, que depende do clima e de testes que precisam ser feitos e não podem ser negligenciados. “É necessário fazer testes para saber a granulometria daquela terra, como ela se comporta depois que seca. Respeitar esses processos e entender que eles terão um tempo diferente de uma obra com cimento, uma vez que é um material padronizado”, fala Caio.

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Outro conceito que a bioconstrução muda é o da relação com os animais e com a natureza. A casa passa a ser um espaço natural, vivo, como o ambiente em volta. Que interage com o meio ambiente, como as árvores, o vento, a chuva, o sol. “A manutenção de uma casa enquanto um organismo é diferente, todo ser vivo precisa de cuidados e manutenção. A parte boa é que, diferente da alvenaria tradicional, a terra é mais amistosa e te convida a experimentar. Você trabalha com materiais não corrosivos, que encontra facilmente, então modificar alguma coisa, consertar o que errou com o mesmo material, não traz prejuízo financeiro”, fala o arquiteto.

O que significa que o ambiente acompanha as necessidades dos moradores. Caso precise levantar uma nova parede ou um novo cômodo, a terra traz essa “leveza” e menor custo, comenta. 

Além disso, na parte prática, o barro tem propriedades que permitem a manutenção da umidade relativa interna do ar e conservação de temperatura. Em zonas mais frias, as paredes espessas deixam o espaço confortável, já que a parede absorve a energia do sol durante o dia e transmite, lentamente, a temperatura para dentro do ambiente, garantindo que ele esquente apenas no final do dia, quando o clima do lado de fora está mais gelado. “É o conceito de inércia ou transmitância térmica”, fala o arquiteto.

Técnicas para criar paredes mais grossas com terra e aditivos naturais, como palhas, apoiam a construção em ambientes frios. Outros materiais, como a caseína ou o cal, tornam os acabamentos de terra resistentes à água. E assim como a terra, o bambu e a madeira também podem ser usados para criar estruturas fortes da construção, lembra o arquiteto. 

Futuro ancestral da bioconstrução

Foto: Divulgação/Bioconstrução Brasil

Para Caio, a bioconstrução é uma forma das pessoas regenerarem o meio ambiente, o que é necessário para a manutenção da humanidade do planeta pelos próximos séculos.

A inspiração, além da natureza, é a ancestralidade. Técnicas influenciadas por africanos, europeus e povos originários da América, ensinam como usar a terra para fazer casas que poupam o meio ambiente e interagem com o clima. Caio lembra que os mucambos, esconderijos dos negros escravizados, eram feitos com barro, palha e madeira. 

A inspiração nos povos originários também motiva as construções de barro. Como a valorização pelo processo de construção passa por todas as gerações. “Algumas culturas tradicionais indígenas, por exemplo, não constroem as casas com paredes elevadas do solo para que a nova geração de filhos e netos também possam passar pelo processo de construir uma casa durante a vida. Como um rito de passagem individual entre o povo”, conta Caio.

Já os maias e astecas, povo originário da América Latina, usavam pedras e materiais locais para construir cidades inteiras. Ele lembra que, em Palenque, antiga cidade dos maias no México que hoje em dia pode ser visitada, tem brises de pedra que serviam tanto para a iluminação, quanto para avisar os moradores de tempestade. “Quando o vento de uma tempestade batia nesses brises, fazia um som diferente. E os moradores sabiam, a partir do som, que a chuva estava se aproximando”, conta. 

Todas essas não são só histórias, são técnicas que podem ser resgatadas com o avanço das pesquisas e da procura pela bioconstrução. “Tudo isso foi se perdendo e se desvalorizando com o dito progresso da humanidade. Mas são coisas que precisam ser revisitadas para manter a nossa permanência e garantir um mundo melhor para os que estão vindo depois de nós. Precisamos nos reconectar com a natureza e favorecer os processos vitais de regeneração”, finaliza o arquiteto.