Design regenerativo: mais que preservar, é tempo de restaurar 

Design regenerativo combina biologia, design e materiais reaproveitáveis com foco em restauração.

Por Ana Cecília Panizza em 28 de agosto de 2024 6 minutos de leitura

design regenerativo
A “Casa Biológica” foi projetada e construída pelo estúdio de arquitetura Een til Een, utilizando resíduos da indústria agropecuária (Foto: Een Til Een/Reprodução)

Com as mudanças climáticas e o uso excessivo de recursos naturais, o planeta caminha para os chamados pontos de inflexão, um patamar de não retorno, que leva a mudanças significativas e irreversíveis, que, no caso do meio ambiente, comprometem sistemas de sustentação da vida. O alerta é do relatório Interconnected Disaster Risks, da Organização das Nações Unidas (ONU), que identificou potenciais pontos de inflexão em sistemas como o de abastecimento de água, pois muitos dos maiores aquíferos do mundo estão se esgotando mais rapidamente do que podem ser reabastecidos – como os da Arábia Saudita, da Índia e dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, escoamentos de água decorrentes do derretimento de geleiras estão em queda. Para evitar que se chegue a pontos de inflexão, não basta sustentar, proteger e conservar o meio ambiente – ou causar menos danos a ele: é preciso ir além e restaurar o que as atividades humanas já deterioraram, regenerando ecossistemas naturais. Um dos caminhos para isso é o design regenerativo, modalidade que combina biologia e design e encontra inspirações e ideias por meio da exploração de diferentes tipos de materiais (como microrganismos, alimentos, resíduos agrícolas) para construir edifícios, residências, móveis e objetos. 

Além de considerar os impactos das atividades econômicas sobre o meio ambiente, o design regenerativo leva em conta os impactos sobre a vida das pessoas e das comunidades. Esse tipo de design é norteado por quatro princípios: compreender a relação dos produtos ou processos com o local; definir metas que identificam a capacidade regenerativa; ser parceiro de lugares e comunidades; esforçar-se para construir uma colaboração sustentável entre pessoas e lugares. Além disso, prioriza materiais reciclados e com longa duração, baixa emissão de carbono e base biológica, a fim de reutilizar – ao máximo – componentes existentes na natureza, em linha com o conceito de economia circular. 

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Design regenerativo da Holanda ao Peru

Virou case o design regenerativo desenvolvido pelo designer holandês Rik Makes, que usa o compostboard – matéria-prima à base de resíduos da agricultura – para criar móveis circulares. Funciona assim: após a mobília chegar ao fim de sua vida útil, ela é reinserida ao meio ambiente, pois suas partes devolvem nutrientes ao solo, o que ajuda a regenerar a natureza.  

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Rik Makes (Foto: Reprodução/Green Product Award)

Já no Peru, a marca local de água mineral Andea, em parceria com a agência criativa Fahrenheit DDB e pesquisadores da consultoria Cirsys, aderiu ao design regenerativo para criar o sabão AWA. No país, mulheres que vivem em aldeias têm, até hoje, hábito de lavar roupas em rios, tradição herdada dos incas, que também é vista como um momento de descontração e socialização entre as mulheres. O problema é que os detergentes químicos usados contaminam os rios e prejudicam a fauna e a flora dos ecossistemas e as comunidades que dependem dessas águas para beber e cozinhar. Para manter os rios limpos, sem acabar com uma tradição ancestral, Andea introduziu, em barras de sabão, um microrganismo que se alimenta de poluentes da água. Depois de testes, criaram um sabão com a propriedade de descontaminar a água do rio. Segundo a marca, amostras de água coletadas antes e depois que o sabão AWA foi usado indicam que a qualidade da água melhorou em até 75%. O produto foi distribuído gratuitamente para as mulheres. A empresa também disponibilizou a fórmula do AWA para agências governamentais, organizações ambientais e fabricantes de detergentes aderirem a essa solução.  

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Puxão de orelha 

“Quando falamos em sustentabilidade ambiental com um olhar empresarial voltado para o design regenerativo, é essencial considerar como o planeta está sofrendo com os impactos ambientais em geral. É fundamental que cada empresário do setor se conscientize diariamente sobre as práticas adotadas dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para sustentar os recursos existentes. No entanto, apenas isso não é suficiente para reparar os danos já causados aos biomas brasileiro e mundial”, analisa o designer industrial focado em inovação Ricardo Schwab Schirmer. Ele é sócio-fundador da empresa Primata Criativo, voltada para oferecer soluções em design com base em métodos de criatividade colaborativa, e head de Inovação e Novos Projetos na d.Propósito, empresa com a proposta de entregar design e projetos com soluções inovadoras e sustentáveis. 

Ricardo Schwab Schirmer (Foto: Pedro Balderama Macedo)

Para Schirmer, para a efetivação de mudanças nesse sentido é necessário que as empresas, a sociedade e os indivíduos adotem o design regenerativo. “Esse conceito vai além de simplesmente causar menos danos; ele busca fazer do design uma ferramenta que restaura, renova e revitaliza. Inerente à natureza, a regeneração deve ser a abordagem central de nossa interação com o planeta. Trata-se de uma forma de pensar focada em devolver muito mais do que recebemos”, pontua ele. “Além disso, o design não se trata somente de questões de forma e função. O design tem a responsabilidade, como agente produtivo, de fomentar essa cultura, sempre com muito respeito e ética. Portanto, o puxão de orelha também serve aos designers: é urgente que cada profissional também se conscientize da sua responsabilidade neste momento do planeta”. 

A restauração está em nossas mãos

Para a ONU, a humanidade detém tanto o poder quanto o conhecimento necessários para reverter os danos e restaurar o planeta, desde que medidas sejam implementadas imediatamente, já que até 2030 o mundo precisa reduzir quase pela metade as emissões de gases de efeito estufa para evitar consequências climáticas catastróficas. Por isso, a ONU lançou a Década da Restauração de Ecossistemas e reconheceu 10 projetos que demonstram que é possível restaurar o planeta. Entre eles estão o Pacto Trinacional da Mata Atlântica e a Restauração Marinha em Abu Dhabi.

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Na visão de Schirmer, para estimular os setores de arquitetura e construção civil a aderirem ao design regenerativo, é crucial, além de educar todos os envolvidos, guiá-los a pensar no planeta e na forma de atuação das empresas conforme esse novo papel regenerativo. “Deve-se questionar os executivos sobre como colocar a vida no planeta e tudo que ele sustenta no centro de todas as nossas ações e produções. Por exemplo, é fundamental entender a história por trás de cada produto que consumimos. Além de educar, precisamos formar melhores mentes com essa filosofia, para que elas possam conectar todo o processo junto com os seus parceiros de negócio. A única maneira de se fazer a diferença é acreditar nas diferenças, pois são elas a força motriz para se ir ao encontro de boas (e por que não genuínas) soluções regenerativas”.

O designer menciona o trabalho de Fábia Toqueti Pace, sócia-fundadora e diretora de operações e ESG na D.Propósito, que reutiliza materiais geralmente descartados e os incorpora em cada peça exposta na galeria da empresa. “É um exemplo prático de design regenerativo. A galeria não só apresenta obras de artistas e designers comprometidos com propósitos ambientais e culturais, mas também se estabelece como uma fonte de inspiração e referência no meio corporativo. Além do desenvolvimento e comercialização de produtos próprios, a galeria conta com a curadoria de obras de arte e design de artistas brasileiros, compartilhando conhecimento e experiências para catalisar a criação de novos projetos focados na sustentabilidade e consciência social”. 

Foto: Reprodução/D.Propósito Design

Tecno-humanizado

Schirmer ressalta que “é essencial olhar para a sustentabilidade de forma holística, percebendo que ser sustentável não é suficiente. É fundamental contribuir ativamente para o ecossistema ao nosso redor e estabelecer bases para a regeneração no design”. As empresas têm papel crucial nisso – e precisam avaliar como otimizar outros serviços dentro do processo de produção, explica o designer, em referência a reúso de água e processo de emissão de carbono na fabricação (e como esse carbono é armazenado e pode retornar ao ambiente). “Integrar esses serviços ecossistêmicos ao design é fundamental para o futuro necessário. Apesar de parecer dicotômico o que afirmo, o design é a ferramenta mais tecnológica e mais humanizada que temos. É ele que tem o maior potencial para nos ajudar a construir um futuro sustentável e regenerativo”, crava ele.