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Economia da Aglomeração japonesa: o que ela tem a nos ensinar?
Economia da Aglomeração pode ensinar ao Brasil o valor da proximidade entre pessoas em prol da mobilidade e habitação.
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Redação em 15 de maio de 2024 6minutos de leitura
Ilustração gerada com inteligência artificial
Entre os brasileiros, o Japão é visto como referência em tecnologia em função dos famosos trens-bala, lá chamados de shinkansen, cuja velocidade passa de 300 quilômetros por hora. É lembrado também por inovações ousadas na habitação para otimizar espaços, com as casas-cápsula. E pela resiliência e força do país na reconstrução após catástrofes naturais. A pujança e a inovação japonesas nesses quesitos parecem distantes da realidade das metrópoles brasileiras, carentes de infraestrutura e logística para atender às demandas da população por transporte e habitação. Mas um conceito japonês é factível de ser adotado pelo Brasil: a Economia da Aglomeração.
O nome pode remeter a algo negativo, principalmente após a pandemia da Covid-19. Mas a teoria pode ajudar a melhorar a vida das pessoas por aqui, segundo o consultor brasileiro Lucas Bispo de Oliveira Alves, que mora em Tóquio há oito anos – e revela alguns dos segredos das cidades japonesas. “Sou apaixonado por pesquisar conexões entre o Japão e o Brasil e encontrar oportunidades de negócios para criar valor tanto em meu país de nascimento quanto em meu país de residência”, conta ele.
Alves foi para o Japão a fim de fazer doutorado em Planejamento de Transportes na Universidade de Tóquio, uma das mais prestigiadas do país. Formado em economia, ele trabalha em uma consultoria japonesa que elabora projetos – para o governo local – que apoiam países em desenvolvimento, principalmente na África, como Moçambique e Tanzânia.
O especialista explica que a Economia da Aglomeração prioriza a proximidade entre pessoas, ideias, serviços e produtos. “Aglomeração gera escala, reduz custos e suporta atividades econômicas mais sofisticadas”, diz. Para Alves, “espaços vazios são um desserviço urbano” porque distanciam as pessoas entre si e de seus lugares de interesse, além de aumentar os custos de transportes e dificultar o estabelecimento de uma rede ampla de transportes coletivos.
Kanto inspira
A Região Metropolitana de Tóquio, intitulada Kanto, tem a maior população absoluta do planeta: cerca de 37 milhões de habitantes. Ao mesmo tempo, é um local seguro, impecavelmente limpo e com poucos congestionamentos. Oferece parques e praças tranquilos e arborizados, onde moradores e visitantes obtêm equilíbrio diante do agito e da vida social diversificada da cidade mais populosa do mundo.
Para transportar esse contingente, a Região Metropolitana de Tóquio conta com a rede metroferroviária mais extensa do mundo: 158 Linhas, 4,7 mil quilômetros e 2,2 mil estações, que atendem a capital e cidades próximas. O sistema é operado por duas empresas de metrô (uma pública e uma privada). “Há superlotação no metrô de Tóquio, o sistema opera diariamente próximo do limite da capacidade, mas oferece conforto, pontualidade e segurança”, comenta Alves. “Tóquio e as demais cidades japonesas redefinem o conceito de cidade grande”.
Ele explica que uma das iniciativas que colocam em prática a Economia da Aglomeração no Japão é o Transit-Oriented Development (TOD), Desenvolvimento Urbano Orientado para os Transportes, em português. O TOD busca agregar eficiência aos deslocamentos a partir de dois pilares: desenvolvimento que integra o espaço urbano (residências, comércios, empresas, parques) ao sistema de transportes; e alinhamento econômico-financeiro de empresas de transportes e do setor imobiliário.
Exemplo de TOD é a Estação de Shibuya, que interliga trem, metrô, ônibus, comércio e rede de calçadas em Tóquio. O vagão entra literalmente no shopping. Assim, a rede de transporte leva os clientes para o centro de compras, que, por sua vez, atrai passageiros para o trem. Alves lembra que a capital paulista conta com cases similares ao japonês, como o Shopping Metrô Tatuapé, Itaquera e o Shopping Metrô Santa Cruz, conectando estações com centros de comércio.
O TOD busca usos mistos do solo (para fins residencial e comercial) por meio, por exemplo, de fachada ativa, que é a construção de comércios, serviços e espaços culturais no pavimento térreo de edifícios, mesmo nos exclusivamente residenciais. O modelo também propõe a oferta de moradias perto de estações para minimizar a necessidade de deslocamentos com transporte individual – o que também é positivo do ponto de vista sustentável, pois desestimula uso de carros, poluentes, e prioriza transportes mais verdes (ferroviário e metroviário). Há forte incentivo também ao uso de bicicleta: estações contam com grandes bicicletários.
“O Japão investe ao redor das estações de trem e metrô, com técnicas para uso misto do solo e fachadas ativas, que estão em voga na cidade de São Paulo. Investe também em caminhabilidade, em bicicleta. O país é forte em tudo isso e tenta exportar esse modelo e adaptar a realidades de países em desenvolvimento”, diz Alves. “O município de São Paulo tem perseguido modelos assim por meio do Plano Diretor, com medidas como a proibição de prédios altos nos bairros a fim de concentrá-los perto dos corredores de transporte urbano”, lembra.
Alves destaca que, como consultor, trabalha com países em desenvolvimento que não têm setor privado forte, diferentemente do Brasil. O país pode, portanto, importar do Japão um modelo chamado Nova Cidade, em que o desenvolvimento de bairros ao redor de linhas de trem recebe contribuições do setor privado – de companhias de transporte e empresas da área imobiliária – em parceria com o setor público. Trata-se de integração entre linhas e residências para que todos os moradores tenham acesso fácil e rápido ao centro para trabalhar.
Nas capitais brasileiras, operadoras de transporte público e empresas imobiliárias podem usar lotes vazios em regiões distantes do centro para construir shoppings e implantar bairros residenciais, interligando com a região central por meio de transporte. Assim, o alinhamento entre negócios de transporte e imobiliário assegura sinergia entre os projetos. De um lado, é gerada demanda por trem; de outro, os imóveis tendem a ser valorizados, com preços mais elevados devido à facilidade de estar perto de transporte. Os dois lados ganham. “É muito factível e imediatamente aplicável ao Brasil porque o país tem um setor privado pujante e bem organizado nas áreas imobiliária e de transportes, com experiência de operação privada de infraestrutura. Se trabalharem juntas, as duas áreas vão se beneficiar mutuamente”, analisa.
Mais vida
O movimento contrário – o Brasil inspirar o Japão – também é possível. “Quando falamos de diálogo, não é só trazer as referências do Japão para o Brasil, mas nossas referências para lá, porque talvez essa relação de país desenvolvido e país em desenvolvimento tende a fazer só um fluxo: o desenvolvido é que dá referências para o país em desenvolvimento. No entanto, vejo muitas oportunidades de isso ser uma via de mão dupla”, afirma a arquiteta e urbanista Agata Takiya, coordenadora da área de Parcerias e Projetos Culturais do Pavilhão Japonês do Parque Ibirapuera.
Alves concorda e defende que o Brasil pode ajudar o Japão no atual desafio da revitalização das pequenas cidades japonesas diante do envelhecimento da população e do número cada vez menor de jovens. “Cidades pequenas estão desaparecendo”, alerta. “O Brasil tem culturalmente muito mais vida no sentido de encontro entre pessoas: é a cultura de praça, em que moradores se reúnem no fim do dia para comer cachorro-quente, pastel. Isso traz alegria à cidade, sentimos falta disso no Japão, que tem procurado meios de fazer isso. É um exemplo brasileiro que pode ser apropriado pelos japoneses”.
O Japão, de acordo com ele, já tem usado um conceito comum em capitais brasileiras, o de urbanismo tático, que consiste em pequenas intervenções no espaço urbano para ficarem mais agradáveis para pedestres – de baixíssimo custo. Alguns exemplos são pinturas no asfalto para aumentar espaços para pedestres e reduzi-los para carros, muitas vezes temporariamente (para um evento ou fim de semana); e mobiliário urbano com material sustentável: bancos feitos com madeira reciclada ou com caixas de frutas, tornando os espaços mais coloridos e lúdicos para atrair crianças. “Isso gera um relacionamento diferente, o espaço urbano fica mais receptivo. A cultura alegre e amigável do brasileiro pode ser exemplo e inspiração para essas cidades japonesas que estão passando por redução populacional”, ressalta Alves.
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