Com o adensamento urbano, cada vez mais urbanistas questionam os espaços dedicados ao estacionamento de veículos
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Redação em 23 de março de 2023 4minutos de leitura
A compra de automóveis, como um bem de consumo, se popularizou na primeira metade do século XX. E foi justamente nesta época que as cidades começaram a disponibilizar um número mínimo de vagas para estacionamento – o que resultou na construção de prédios que dessem conta dessa demanda de um ambiente físico de armazenagem para os veículos.
Sendo assim, ao longo dos anos, as cidades foram construídas planejando espaços para guardar os carros. Isso acabou fazendo com que as pessoas – mesmo aquelas que não possuíam nenhum veículo – tivessem que arcar com os altos custos das construções que comportassem estacionamentos.
Segundo John Hersey, professor de Design Ambiental da University of Colorado Boulder, é possível analisar duas suposições que sustentam o que se criou a partir da política de estacionamento urbano: “sem estacionamento adequado, os proprietários de veículos resistiriam em patrocinar grandes empreendimentos; e sem uma vaga de estacionamento exclusiva para seu carro, eles estariam menos propensos a alugar e comprar casas.”
Como os espaços urbanos são, geralmente, menores e mais caros, os urbanistas passaram a construir garagens de vários andares, o que se perpetua até hoje, culminando em um excesso de prédios que dificultam o desenvolvimento das cidades mais densamente povoadas.
Tal prática afetou o planejamento das cidades e se tornou uma questão complicada de ser resolvida, pois há uma série de consequências ao meio ambiente e à qualidade de vida dos habitantes das cidades. Afinal, terrenos são usados para abrigar carros ao invés de pessoas, em um momento em que as cidades enfrentam uma escassez de moradias e custos habitacionais elevados.
Altos investimentos
Um estudo de 2016, publicado pela Access Magazine, do Centro de Competitividade Econômica da Universidade da Califórnia, apontou que o custo para construir uma vaga de estacionamento em uma garagem estava entre US$ 24 mil e US$ 34 mil. Uma despesa que, até os dias de hoje, certamente aumentou.
As condições necessárias para construir um estacionamento representam um fardo em muitos empreendimentos habitacionais acessíveis, onde os moradores têm menos condições de comprar um carro. No entanto, por conta dessas necessidades, eles também acabam arcando com a obrigação de dos custos. Até porque os estacionamentos, em grandes cidades, estão espalhados por várias áreas, não necessariamente residenciais. Todo entorno de comércio, parques, áreas públicas, entre outros, precisa ter um espaço reservado para que os veículos sejam estacionados.
Por conta dessa mentalidade, alguns urbanistas entendem que os estacionamentos são construções que correspondem a crenças ultrapassadas no que diz respeito ao crescimento das cidades, já que eles atendem cada vez mais a carros que não são usados com certa frequência no dia a dia, corroborando no endurecimento urbano.
Novas visões
Urbanistas, desenvolvedores e designers agora têm novas interpretações que tornam as vagas de estacionamento menos prioritárias e consideram todas as novas maneiras pelas quais as pessoas se locomovem. Essa reformulação se mostra viável através da promoção de alternativas de transporte.
Os especialistas também consideram encontrar maneiras de acondicionar o número crescente de moradores que estão abandonando completamente a prioridade do carro. Confira algumas delas:
alternar o estacionamento exclusivo por assinaturas de compartilhamento de carros;
incentivar moradores a optarem por serviços de transporte e bicicletas compartilhadas;
alugar vagas em uma garagem subutilizada, visando melhorar a situação financeira do prédio com restrição de renda e repassar os lucros aos inquilinos;
diferenciar os aluguéis de moradores sem carro e que não utilizem vagas na garagem para permitir que eles paguem apenas pelo que utilizam.
Soluções viáveis
Optar por demolir garagens recorre a um gasto de energia, emissões e investimento financeiro. A estrutura física, com rampas inclinadas e o concreto pesado de construção, faz com que a solução seja algo desafiador. Mas questões como essas não impediram que alguns urbanistas aproveitassem com criatividade as garagens que já existiam.
Em Wichita, a cidade mais populosa do estado americano do Kansas, um projeto transformou uma garagem de meados do século XX em um prédio com 44 apartamentos. Já em Denver, capital do Colorado, nos Estados Unidos, urbanistas construíram um estacionamento térreo que foi projetado para facilmente ser convertido em lojas ou apartamentos, caso os carros entrem de fato em desuso.
Iniciativas que promovem esse tipo de transformação também são encontrados em outros países, como a França. Em Paris, uma garagem se tornou um apoio à agricultura: a construção foi convertida em uma fazenda urbana de cogumelos. Os decks superiores das garagens, que estão ao ar livre, se transformaram em áreas de food trucks e passaram a receber festivais gastronômicos, com a disponibilidade de locais para painéis solares.
Mudanças como essas se tornaram viáveis, em parte, por meio do estímulo à forma como as pessoas escolhem se locomover nas cidades, bem como as transformações no desenho das ruas.
A “mobilidade como serviço” eficaz é uma realidade cada vez mais presente na maioria das cidades do mundo, onde pessoas conseguem optar, por exemplo, por serviços de aplicativos de carros, caso seja necessário. Bicicletas e patinetes elétricos também expandiram as opções de mobilidade para os moradores dos grandes centro urbanos.
Tal realidade vai permitir, nos próximos anos, que a vida urbana passe a depender cada vez menos de proporcionar espaços para estacionamento de carros. Isso pode resultar na criação de bairros mais inclusivos e que estejam focados em pessoas que prezem pela convivência em harmonia com o meio ambiente.
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