Hotel Populus: primeiro carbono positivo dos EUA?

Primeiro hotel autodeclarado carbono positivo dos EUA levanta questões em relação ao conceito.

Por Ana Cecília Panizza em 30 de maio de 2024 4 minutos de leitura

hotel populus
Foto: Studio Gang/ Divulgação

Denver, capital do estado do Colorado, nos Estados Unidos, não tem ar de metrópole. Com 700 mil habitantes, a cidade se destaca por seus museus e sua alta gastronomia, com restaurantes contemplados pelo Guia Michelin. Tranquila, pacata, arborizada… e, agora, sede do primeiro hotel autodeclarado carbono positivo dos Estados Unidos. Inaugurado em 2024, o Populus, segundo os responsáveis pelo projeto, captura e armazena mais carbono do que produz, da fase da construção à operacional.

Projetado a partir dos preceitos do design biofílico pelos escritórios Studio Gang e Urban Villages, ele personifica as características do estado por meio do uso de plantas, luz natural e materiais sustentáveis, como madeira e pedra. Assim, busca criar um ambiente que estimula os sentidos, transmite a sensação de tranquilidade e favorece o bem-estar. A integração com o meio também está nos elementos arquitetônicos da fachada, que contempla aberturas irregulares que servem de assentos (e convite!) para quem quiser observar a paisagem.

Leia também: Biomimética: a natureza como inspiração para a arquitetura

Carbono positivo, carbono neutro ou carbono zero

hotel populus
Foto: Studio Gang/ Divulgação

Para o especialista em sustentabilidade Leandro Rosa, formado em Relações Internacionais pela PUC-SP e pós-graduado em Negócios Sustentáveis pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), o conceito de “carbono neutro” refere-se ao esforço em equilibrar as emissões de gases de efeito estufa, compensando-as de alguma forma, de modo que a quantidade de carbono liberada seja igual à quantidade removida ou compensada, resultando em um equilíbrio nas emissões. Já o conceito de “carbono zero” é alcançado quando todas as emissões de carbono geradas pelo empreendimento são completamente eliminadas ou compensadas, resultando nenhuma emissão líquida de carbono associada à atividade em questão.

“A nível global, já se percebe uma mudança de paradigma: em vez de focarmos apenas na redução ou mitigação dos efeitos climáticos, estamos nos conscientizando da necessidade crucial de nos adaptarmos a essas mudanças. Isso implica buscar soluções inovadoras que transcendam as abordagens convencionais com as quais já estamos acostumados”, avalia Rosa.

Leandro Rosa (Foto: Divulgação)

No hotel, a preocupação com apegada de carbono esteve presente já no planejamento, tendo como exemplo a ausência de estacionamento (o primeiro hotel do estado nesta condição). Além do impacto na construção, a medida é uma forma de incentivar os visitantes a usar transporte público e caminhar.

No estágio de construção do prédio, as emissões reduzidas foram garantidas por meio do uso de misturas de concreto com baixo teor de carbono, de materiais de alto conteúdo reciclado e uso reduzido de materiais de acabamento. 

Já na fase operacional, o foco está na compensação das emissões por meio da plantação e cultivo de mais de 2 mil hectares de floresta, o suficiente para compensar uma emissão de carbono incorporada equivalente a quase 500 mil galões de gás e remoção de dióxido de carbono adicional da atmosfera.

Leia também: Silvicultura urbana: o resgate da selva na selva de pedra

hotel populus
Foto: Studio Gang/ Divulgação

Mas a definição formal desta relação do empreendimento com os conceitos de emissões de GEE ainda passa por desafios no que tange à padronização de conceitos, cálculos e verificação. “O Hotel Populus, em Denver, pode representar um avanço significativo rumo ao conceito de carbono positivo, mas não deve escapar do escrutínio dos especialistas para comprovar que todos os requisitos sejam devidamente atendidos. Embora a autodeclaração de ser carbono positivo tenha gerado considerável publicidade e chamado a atenção para o tema, é desafiador verificar essa afirmação”, alerta o especialista, em referência à falta de padrões ou protocolos internacionais amplamente aceitos para construções a partir desses novos conceitos – carbono positivo, carbono neutro e carbono zero. 

Essa falta de padrões dificulta a avaliação prática e independente (se um empreendimento é realmente carbono positivo, no caso do Hotel Populus). É nesse ponto que as certificações podem contribuir. Rosa cita como exemplo a Certificação LEED (do inglês, Leadership in Energy and Environmental Design), desenvolvida pelo U.S. Green Building Council (USGBC) e lançada em 1999, já adotada em empreendimentos no mundo. A LEED avalia uma variedade de atributos relacionados à qualidade ambiental, materiais utilizados, eficiências hídrica e energética, além do desenvolvimento sustentável do entorno da construção. 

Além das certificações, normas e protocolos globais também são essenciais para agregar transparência a iniciativas como a do Hotel Populus. Assim, é possível mensurat, qualificar e comprovar a real relação com o aspectos socioambientais, apresentando indicadores e evidências de maneira clara e objetiva, o “G”, de governança, tão necessário para que os pilares “E” (ambiental) e “S” (social) possam formar o tripé que deve sustentar as transformações urgentes que o planeta e a sociedade demandam.