Soluções ancestrais para cidades modernas. Conheça os jardins flutuantes

Inspirados em soluções Astecas, jardins flutuantes ganham espaço como alternativa para revitalizar áreas urbanas e fortalecer a biodiversidade.

Por Nathalia Ribeiro em 19 de março de 2025 6 minutos de leitura

jardins flutuantes
Foto: amdadphoto/ Shutterstock

À medida que as mudanças climáticas e a urbanização acelerada desafiam a infraestrutura das cidades, soluções inovadoras que equilibram desenvolvimento e sustentabilidade têm ganhado destaque. Entre elas, soluções ancestrais tem sido uma alternativa promissora, unindo benefícios ambientais, sociais e estéticos. É o caso dos jardins flutuantes! Adaptados às demandas contemporâneas, eles oferecem respostas para questões urgentes, como segurança alimentar, conservação de recursos hídricos e resiliência climática.

Há séculos, civilizações como os Astecas, no México, já utilizavam as chinampas — ilhas artificiais construídas em lagos — para cultivo agrícola. Essas estruturas, feitas com camadas de junco, lama e vegetação, não apenas garantiam alimento para populações inteiras, mas também ajudavam a manter a qualidade da água e a biodiversidade local.

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A origem nos jardins flutuantes Astecas

Em 1325, quando os astecas chegaram ao Vale do México, depararam-se com uma cena que parecia saída de uma profecia. Segundo a lenda, relatada em uma matéria da BBC, eles avistaram uma águia empoleirada em um cacto, segurando uma cobra no bico, às margens do Lago Texcoco. Esse sinal, que havia sido predito por seus deuses, indicava que ali era o local onde deveriam se estabelecer. Foi assim que nasceu Tenochtitlán, a capital do Império Asteca.

No entanto, construir uma cidade em meio a um lago não foi uma tarefa simples. O Vale do México era dominado por cinco grandes lagos – Texcoco, Xaltocan, Zumpango, Chalco e Xochimilco – e ilhas pantanosas que ofereciam pouco espaço para expansão. A falta de terra firme representava um desafio para o crescimento da cidade.

jardins flutuantes no lago Xochimilco
Jardins flutuantes no lago Xochimilco (Foto: JorgePM/ Shutterstock)

Diante dessa limitação, os astecas desenvolveram uma solução engenhosa: as chinampas. Essas faixas de terra artificial eram construídas sobre as águas rasas dos lagos. Para criá-las, eles empilhavam camadas de lama, juncos e vegetação, formando plataformas elevadas que flutuavam sobre a superfície. Essas ilhas eram então fixadas ao fundo do lago com estacas feitas de ahuejote, uma espécie de salgueiro nativo.

Enquanto o centro de Tenochtitlán foi construído conectando ilhas naturais por meio de pontes e calçadões, as áreas mais distantes, como a bacia do Lago Xochimilco, foram transformadas em jardins flutuantes. Essas chinampas serviam para agricultura, criação de animais, caça e coleta de alimentos. A técnica permitia o cultivo de milho, feijão, abóboras e outras plantas essenciais para a alimentação da população.

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Mas, afinal, o que são jardins flutuantes?

jardins flutuantes Chicago
Foto: Steve Hamann/ Shutterstock

Os jardins flutuantes são estruturas artificiais que flutuam sobre corpos d’água, como rios, lagos e canais, sustentando uma variedade de plantas aquáticas e terrestres. Essas plataformas são projetadas para criar habitats naturais, melhorar a qualidade da água e proporcionar benefícios estéticos e ecológicos às áreas urbanas.

A construção dessas estruturas geralmente envolve materiais ecológicos ou recicláveis, como bambu, madeira e plástico. Esses materiais suportam o peso das plantas e permitem que suas raízes cresçam diretamente na água. As raízes desempenham um papel fundamental na filtragem de poluentes, absorvendo nutrientes em excesso e contribuindo para a purificação da água.

Os benefícios do método flutuante

Foto: Wirestock Creators/ Shutterstock

1. Melhoria da qualidade da água

Um dos principais benefícios dos jardins flutuantes é a capacidade de purificar corpos d’água. As plantas presentes nessas estruturas atuam na filtragem e purificação, removendo poluentes e nutrientes em excesso, o que contribui para a saúde dos ecossistemas aquáticos e ajuda a prevenir a proliferação de algas.

2. Criação de habitats para a vida selvagem

Além de melhorarem a qualidade da água, os jardins flutuantes fornecem abrigo e alimento para uma variedade de organismos, como peixes, insetos e aves aquáticas. As plantas flutuantes atraem polinizadores, como abelhas e borboletas, promovendo a reprodução das plantas e a preservação da fauna local.

3. Aplicações em saneamento e sustentabilidade

Os jardins flutuantes também desempenham um papel significativo no tratamento de águas residuais. Também conhecidos como jardins filtrantes, eles utilizam plantas aquáticas para purificar águas cinzas, provenientes de pias, chuveiros e lavanderias, oferecendo uma alternativa sustentável e de baixo custo para o saneamento básico. 

4. Segurança alimentar em áreas vulneráveis

Em regiões onde a terra cultivável é escassa, como Bangladesh, os jardins flutuantes têm se mostrado vitais. No país, comunidades inteiras utilizam plataformas flutuantes para produzir alimentos durante a estação das monções. Segundo um levantamento do Laboratório de Inovação em Horticultura, da Universidade da Califórnia, essa prática não apenas aumenta a produção de alimentos, mas também melhora a nutrição local.

Jardins flutuantes revitalizam o Rio Chicago, nos EUA

Foto: Reprodução/ Wild Mile

Além dos benefícios ambientais, os jardins flutuantes oferecem benefícios estéticos e recreativos, transformando áreas urbanas degradadas em espaços verdes que atraem a comunidade. Um exemplo é o Wild Mile, um projeto da organização Urban Rivers, que revitaliza um trecho de 1,5 km do rio Chicago. Com a instalação de jardins flutuantes e calçadões, o projeto melhorou a sustentabilidade ambiental, criando espaços de lazer para os moradores e promovendo uma melhor qualidade de vida na região.

Lançada em julho de 2023, a primeira seção do projeto já atraiu mais de 30 mil visitantes, incluindo cidadãos locais, grupos educacionais e participantes de eventos especiais. Os responsáveis pela Urban Rivers comemoram a transformação dessa área antes degradada em um espaço público próspero, que beneficia tanto a biodiversidade local quanto a comunidade. Para eles, o sucesso do Wild Mile é uma prova de que é possível revitalizar ambientes urbanos de forma ecológica e acessível.

Além de fornecer habitats para diversas espécies de plantas e animais, o Wild Mile tem um impacto econômico positivo. A presença de áreas verdes e calçadões ao longo do rio contribuiu para o aumento do turismo e do comércio na região, estimulando o crescimento de negócios e gerando novas oportunidades de emprego.

A Urban Rivers tem trabalhado de maneira colaborativa com o Departamento de Planejamento e Desenvolvimento de Chicago, organizações comunitárias e empresas locais para garantir que o Wild Mile seja um projeto sustentável a longo prazo. Esse esforço conjunto visa assegurar que ele seja se mantenha como um recurso valioso ao longo dos anos, com a participação ativa dos habitantes locais no planejamento e nas decisões de gestão.

A técnica no Brasil

A empresa paulistana ÁguaV, desde 2012, vem criando jardins flutuantes para ajudar a limpar rios e lagos. Essas ilhas flutuantes, que têm entre 10 m² e 15 m², ficam na superfície da água e têm como objetivo melhorar a qualidade dela, podendo até tornar esses locais próprios para banho e navegação. A iniciativa une tecnologia, sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente, trazendo benefícios tanto para a naturezaquanto para as comunidades próximas.

Foto: Reprodução/ Floating Islands

As ilhas são feitas com materiais reciclados, como garrafas PET, doadas por cooperativas de catadores, e mangueiras de bombeiro que seriam descartadas. Esses materiais formam a base das ilhas, que são preenchidas com substrato e plantas aquáticas, como copo-de-leite, taboa, lírio e costela-de-adão. Tais plantas foram escolhidas porque são eficientes em filtrar impurezas da água.

A estrutura é fixada no fundo do rio ou lago com cordas e cabos de aço presos a blocos de concreto. Na parte subaquática, há raízes artificiais feitas de resíduos têxteis, que ajudam a atrair bactérias e micro-organismos. Esses seres vivos auxiliam na decomposição da matéria orgânica presente na água, contribuindo para a limpeza. Além disso, as ilhas se tornam um habitat para peixes, tartarugas, insetos e outros animais, que encontram ali um lugar seguro para viver e se reproduzir.

Algumas versões das ilhas também têm aeradores e oxigenadores, que aceleram o processo de purificação da água. Até agora, a ÁguaV já realizou cinco projetos no estado de São Paulo, cada um adaptado às necessidades do local. O tempo para instalar as ilhas varia de três a seis meses e o custo de manutenção é cerca de 10% do valor inicial da instalação.

Um dos exemplos mais conhecidos está no Parque Burle Marx, na zona sul de São Paulo, onde um protótipo foi instalado. A empresa também está desenvolvendo um projeto para ajudar na revitalização do rio Doce, que foi muito afetado pelo desastre em Mariana/MG, em 2015.

Diante da necessidade de soluções sustentáveis para mitigar os impactos da urbanização e das mudanças climáticas, os jardins flutuantes mostram-se como uma alternativa transformadora. Inspirados por práticas ancestrais e aprimorados por tecnologias modernas, esses projetos não apenas melhoram a qualidade da água e promovem a biodiversidade, mas também revitalizam áreas urbanas e fortalecem o vínculo entre as comunidades e o meio ambiente.