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Luciane Virgílio: O diálogo como caminho para a cidade sustentável
Integrar construções ao meio, diminuir a ponte entre o privado e o público e participação social são fundamentais, explica Luciane Virgílio.
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Redação em 30 de março de 2022 4minutos de leitura
Fomentar o diálogo entre os setores público, privado e a sociedade civil é o que vai levar as cidades ao desenvolvimento socioeconômico sustentável. Para a sócia da Arquitécnica Urbanismo e professora de planejamento urbano do Insper, Luciane Virgilio, é justamente nesse espaço, de diálogo e aprendizado, que se constrói a cidade para as pessoas.
“Temos que quebrar este ciclo danoso à sociedade. Não podemos nos conformar em observar de forma sistêmica problemas em procedimentos e processos na gestão pública, no mercado e na sociedade civil. Esta conjuntura nos trouxe até este momento”, disse Luciane.
Na entrevista ao Habitability que você confere a seguir, a urbanista, que já projetou e licenciou o desenvolvimento e a implementação de mais de 40 milhões de metros quadrados de empreendimentos, fala sobre os desafios das cidades brasileiras, das gestões municipais e indica possíveis soluções para tornar as cidades mais sustentáveis.
Como você enxerga a relação entre o que se produz e a legislação vigente?
Luciane Virgílio – São os gestores públicos que planejam e regulam, através de legislação específica, como devem ser nossas cidades. Com base nessa regulação o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil constroem e requalificam espaços. A questão que se coloca é que o excesso regulatório vem gerando enorme dificuldade na aplicação de diversos instrumentos urbanísticos e edilícios agravados pela falta de compatibilização entre as três esferas envolvidas nos processos de licenciamento (municipal, estadual e federal), o que vem gerando um desequilíbrio importante entre o planejado pelos gestores e a cidade real, construída, que é onde vivemos. O resultado disso é a criação de espaços que não atendem aos anseios da sociedade.
Como fica a demanda mercadológica em meio a essa relação?
Luciane Virgílio – É importante lembrar que o que se produz é majoritariamente o que a sociedade demanda ao mercado. Essa leitura, considerando que o objetivo da regulação é não gerar desequilíbrios, garantindo espaços para equipamentos públicos, habitação de interesse social, preservação ambiental e de patrimônio histórico, nos mostra novamente que existe um excesso na regulação dos espaços restantes para produção, onde leis antigas e limitadoras, que não acompanham as alternâncias de usos, costumes e tipologias, acabam determinando produtos que não têm aderência às necessidades do mercado. O resultado disso é facilmente observado em qualquer cidade de médio e grande portes, em regiões com disponibilidade de terrenos e infraestrutura, mas extremamente degradadas, onde não existe interesse de se investir, tanto da sociedade civil quanto de empreendedores, pelas questões aqui colocadas.
E a sociedade civil, que papel assume ou poderia assumir nessa questão?
Luciane Virgílio – A sociedade civil vem se apoiando no discurso da incapacidade da gestão pública na regulação e fiscalização das cidades e esquece de olhar para si como parte do processo. As prefeituras, quando se dispõem a discutir ou revisar um plano diretor, por exemplo, não encontram participação da sociedade civil sob a ótica dos interesses do conjunto dos cidadãos.
O processo participativo, através das audiências públicas, regra geral, fica refém de grupos organizados que representam interesses legítimos, como habitação social, meio ambiente, mobilidade, mas também, muitas vezes, a defesa de “privilégios espaciais” que não têm aderência aos conceitos de cidade compacta, plural, com uso diversificado e menor tempo nos deslocamentos.
As cidades brasileiras do jeito que estão no momento podem ser vistas como espaços de exclusão, onde há pouca diversidade dentro dos bairros. O que nos trouxe até aqui?
Luciane Virgílio – Vários são os aspectos que geram cidades exclusivas. De maneira estrutural, Planos Diretores antigos estimulavam a criação de bairros com usos específicos: lugar para morar, lugar para trabalhar, criando entre outros problemas, exclusão territorial de pessoas de baixa renda que se deslocavam para as periferias devido ao custo dos terrenos, gerando necessidade de deslocamento por automóvel e investimento em transportes públicos. Mais recentemente, considero relevante, ainda que eu entenda os problemas que as cidades brasileiras vivem em relação à segurança, o desenho dos empreendimentos que se voltam para dentro através de muros. Acredito que o mercado passou a projetar empreendimentos e pequenos bairros murados, criando guetos, sem integração entre espaços públicos e privados, desconsiderando que a cidade é, por conceito, um espaço de convivência e troca de experiências.
Qual seria a saída para esses empreendimentos? Quebrar os muros?
Luciane Virgílio – Não precisamos necessariamente quebrar esses muros, mas repensar o desenho deles. Talvez criar espaços de integração públicos e privados entre as ruas e os empreendimentos, ampliando calçadas, criando pistas de caminhada e ciclovias. Investir em iluminação, arborização e na qualificação dos espaços públicos do entorno dos empreendimentos são possibilidades que a meu ver estimulariam a convivência e a integração entre as pessoas. Como disse [o urbanista] Jan Gehl: “crie espaço para as pessoas e elas aparecerão”
Como pensar na regulamentação de uma cidade mais sustentável, tendo em vista todos esses desafios?
Luciane Virgílio – Olhando em perspectiva entendo haver um grande desafio: como, na criação ou revisão de Planos Diretores ou Leis específicas, garantir direitos e necessidades da sociedade na criação de cidades justas, sustentáveis e inclusivas, simplificando a legislação e procedimentos burocráticos, e dando mais autonomia em áreas determinadas, a cidadãos e ao mercado para definição de projetos e tipologias que atendam às demandas da sociedade?
Como você imagina a cidade de 2050? O que precisamos fazer para chegar nela?
Luciane Virgílio – Percebo uma distância muito grande entre o discurso da cidade justa, inteligente e sustentável e o dinamismo do processo de urbanização que vem ocorrendo à margem do mercado formal.Enquanto discutimos nos balcões das prefeituras o tamanho da janela de um banheiro por meses, a cidade informal avança em direção às áreas de interesse social e ambiental, criando bairros sem nenhuma infraestrutura, transportes ou equipamentos públicos.
Não que esses argumentos devam nos intimidar, mas precisamos continuar buscando instrumentos para criação de cidades com menores deslocamentos, que estimulem a preservação ambiental, a permeabilidade, reuso de água e a autogeração de energia, que alcançaremos, graças à tecnologia, os edifícios autônomos, e principalmente, como tornar a cidade e seus edifícios mais integrados, com calçadas mais largas e acessíveis, arborização e equipamentos públicos de qualidade.
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