O ano: 3.500 a.C. A região: Mesopotâmia, que fica atualmente no Iraque. Uma prática que começou nessa época, nesse lugar, está viva até hoje – e conquista profissionais de arquitetura, construção e design, bem como seus clientes. É o mosaico, que consiste em criar figuras geométricas ou abstratas com pequenos fragmentos, que podem ter menos de um centímetro cada! Eles são feitos de materiais como vidro, cerâmica, pedras, conchas e até plástico ou tampas de garrafas usadas, o que torna os mosaicos sustentáveis. Em entrevista exclusiva para o Habitability, o arquiteto e designer de interiores boliviano Eduardo Baldelomar, que desenvolve projetos com mosaico no Brasil e em outros países, mostra como essa técnica milenar é mais do que um processo ecologicamente correto.
Para ele, trata-se de uma forma de manter vivos legados e eternizar histórias. Foi esse aspecto que o inspirou a criar o projeto Ceiba Camba, para a CASACOR São Paulo 2024. Trata-se do nome de uma árvore nativa da Bolívia. O arquiteto trouxe, assim, referências da natureza exuberante de seu país, como em um mural e uma peça desenhados pelo arquiteto e construídos em mosaico com cerâmica reciclada pelo artista e engenheiro químico boliviano Andrés Fenix. As criações protagonizaram um espaço marcado pela multiplicidade de cores, pelas formas orgânicas e pelos jogos com a iluminação.
Com 17 anos de experiência em sua terra natal, Baldelomar busca firmar sua presença no Brasil e valorizar o intercâmbio entre culturas da América Latina. Professor de design ambiental e design cenográfico no Curso Integral de Design da Universidad Autónoma Gabriel René Moreno (UAGRM), onde também se graduou, é especializado em móveis modulares planejados em Buenos Aires e Rosário, na Argentina, e atualmente tem seu próprio escritório, mas já passou por empresas como Jhonson & Acero e Reno Amoblamientos.
Veja também o episódio 33 do podcast Habitability:
QUAL É A IMPORTÂNCIA DESSA TÉCNICA PARA A ARQUITETURA E O DESIGN?
Eduardo Baldelomar: Na CASACOR Bolívia 2022 eu vi o trabalho do mosaiquista boliviano André Fenix em um espaço vizinho ao meu e fiquei impressionado com o mínimo detalhe. A técnica do mosaiquismo permite dar solução para o problema de descarte que existe nas obras, como de pisos e revestimentos cerâmicos. O mosaiquismo nos permite reciclar e criar obras de arte e móveis de área externa lindíssimos. A técnica é milenar na arquitetura e no design, e permite estampar desenhos contemporâneos que contêm histórias nas obras.
O MOSAICO É TENDÊNCIA HOJE NO DESIGN E NA ARQUITETURA? POR QUÊ?
Eduardo Baldelomar: No Brasil essa técnica faz parte da própria história do país. O mosaiquismo vem desde o período colonial do velho mundo e tem uma personalidade em cada região. A tendência hoje para criar espaços é desenhar espaços afetivos, que remetem aos nossos ancestrais, lembrando nossas origens. Por isso o mosaiquismo é uma técnica perfeita para trazer referências de nossos antepassados, com propostas aconchegantes e cheias de cor e texturas.
COMO A ARTE DO MOSAICO INSPIROU SEU PROJETO PARA A CASACOR SP 2024?

Eduardo Baldelomar: Eu sou veterano na CASACOR Bolívia, assinando ambientes desde 2013 (11 participações). Em 2023 recebi o convite para participar na CASACOR São Paulo em 2024. O manifesto da CASACOR 2024, “De presente, o agora”, fazia um chamado a refletir sobre que ancestrais queremos ser, marcando que tudo que fazemos agora vira um legado para futuras gerações. Nesse contexto eu resolvi refletir sobre a necessidade de preservar a natureza, trazendo como referência a ceiba camba, uma árvore nativa da Bolívia que floresce no inverno, e pensei que o mosaiquismo seria perfeito para trazer essa mensagem de sustentabilidade, aplicando técnicas de reciclagem que reforçam a mensagem de conhecer nossa biodiversidade e protegê-la. Convidei André Fenix para trabalhar nessa versão da CASACOR São Paulo e ele topou. Os desenhos dos murais foram feitos com mosaico usando materiais reciclados de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, e trouxemos tudo como um quebra-cabeça até São Paulo. O resultado foi maravilhoso e tive muita divulgação e impacto na mostra. Depois da CASACOR a gente resolveu morar em São Paulo e criar uma sociedade para desenvolver projetos aqui no Brasil de mosaiquismo (o Studio Ceiba).
DE QUE FORMA VOCÊ USA ELEMENTOS DE SEU PAÍS PARA INSPIRAR TRABALHOS COM MOSAICO? E OS ELEMENTOS BRASILEIROS? COMO ELES SE ENCAIXAM EM SEUS PROJETOS COM MOSAICO?
Eduardo Baldelomar: Minha experiência com o mosaiquismo é recente, mas meu parceiro André Fenix vem desenvolvendo trabalhos com mosaicos há cinco anos, com projetos em Santa Cruz e La Paz – ele se formou em Barcelona, onde aprendeu as técnicas de Antoni Gaudí. Em 2025 estamos colaborando com dois espaços na CASACOR São Paulo 2025, no ambiente da Fichberg Arquitetura. Em uma ilha de conforto nós estamos trabalhando o piso com mosaico: usamos a referência de frutas nativas do Brasil, como caju, jabuticaba, açaí, cupuaçu e abacaxi. E, no jardim do Luciano Zanardo, estamos desenvolvendo escultura de uma menina em pé olhando uma árvore. A obra será feita com mosaiquismo nos tons branco cinza e off white. Nosso desejo é apresentar como uma criança consegue se maravilhar com a simplicidade da natureza, com a reflexão de que o que realmente importante está sempre diante de nossos olhos.
QUAL SUA RELAÇÃO COM O BRASIL?
Eduardo Baldelomar: Eu conheço o Brasil faz 25 anos e há 13 venho uma ou duas vezes por ano para prestigiar as feiras e mostras como recurso para inspirar meus projetos. Até que recebi um convite para participar da CASACOR São Paulo 2023 e 2024. Então abri meu escritório em São Paulo em 2023 e estou atuando em ambos os países (Bolívia e Brasil) simultaneamente.
A TÉCNICA DO MOSAICO UTILIZA PEQUENOS FRAGMENTOS DE MATERIAIS COMO VIDRO, CERÂMICA, PEDRAS, CONCHAS E ATÉ PLÁSTICO OU TAMPAS DE GARRAFAS USADAS. QUAIS SÃO OS MATERIAIS QUE VOCÊ MAIS USA EM SEUS TRABALHOS COM MOSAICO? HÁ OUTROS MATERIAIS, DIFERENTES DOS CONVENCIONAIS?


Eduardo Baldelomar: O mosaiquismo nasce com o uso das pedras naturais, depois utiliza a cerâmica e o vidro, e na evolução – já na contemporaneidade – usa materiais como plástico e outros descartes que podem ser reaproveitados em novos produtos. Como arquiteto eu tenho muito contato com entulhos de pisos e revestimentos cerâmicos, então estou trabalhando com esses materiais em projetos atualmente com Andres, no Studio Ceiba. Eu já vi, especialmente em obras de arte, mosaiquismo com materiais pouco convencionais, como acrílico e piso vinílico.
QUAL É A IMPORTÂNCIA DA SUSTENTABILIDADE PARA SEUS TRABALHOS?
Eduardo Baldelomar: Total, a sustentabilidade é o propósito fundamental para criar peças novas, dando uma segunda oportunidade para materiais que podem contaminar o meio ambiente. As peças são para sempre, não tem caducidade, e no futuro viram um legado.
COMO FOI A SUA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL NA BOLÍVIA E NO BRASIL?
Eduardo Baldelomar: Formei-me arquiteto faz 18 anos, virei autônomo em 2012 com meu escritório EB Arquitetura e Interiores. Trabalho para a CASACOR Bolívia desde 2013 e para a CASACOR São Paulo desde 2023, ano em que abri meu escritório em São Paulo, em parceria com André Fenix. Minha especialidade é design de interiores e tenho experiência em projetos residenciais e comerciais, showrooms, hotéis e mostras na Bolívia toda e no Brasil, em cidades como Fortaleza, Campina Grande, Rio de Janeiro e São Paulo. Também assinei móveis de desenho no meu país. Fiz trabalhos para Johnson Acero e Reno Moveis, da Argentina, e para marcas como Bosch, Tramontina, Kare, Hotel Cortez, Karcher entre outros.
VOCÊ É PROFESSOR DE DESIGN AMBIENTAL E DESIGN CENOGRÁFICO NO CURSO INTEGRAL DE DESIGN DA UNIVERSIDADE AUTÓNOMA GABRIEL RENÉ MORENO (UAGRM), ONDE TAMBÉM SE GRADUOU. O QUE VOCÊ ACHA DA EXPERIÊNCIA DE ENSINAR?
Eduardo Baldelomar: Amo compartilhar minha experiência de um jeito prático, sempre imagino o que eu queria ter escutado quando era estudante. Acho muito importante transmitir o que você aprendeu e, assim, garantir que todo o aprendizado transcenda além da sua passagem nessa vida. Eu tento motivar os futuros designers a criar consciência sobre a responsabilidade que temos como agentes de mudanças para futuras gerações. O poder de ação de cada um pode fazer uma grande diferença para outras pessoas.