“Maré de Mudanças”. O nome da exposição realizada pela LB Circular, com patrocínio da Águas do Rio (empresa do grupo Aegea), em Duque de Caxias/RJ, não poderia ser mais simbólico. Os impactos da crise climática sobre os oceanos, as cidades e a vida cotidiana muitas vezes passam despercebidos aos nossos olhos, mas estão ali, redefinindo paisagens, hábitos e futuros possíveis.
A mostra, porém, não se limita a transformar dados científicos em imagens ou estatísticas em experiências imersivas. Seu propósito é mais profundo, é provocar uma transformação interior, despertando um olhar mais atento e humano para a crise ambiental. Nesse sentido, arte, ciência e educação se entrelaçam para tocar a sensibilidade de quem visita a exposição, incentivando um novo tipo de maré de mudanças.
Como destaca Celi Pereira, embaixadora do movimento Lixo Zero, “a sustentabilidade começa na sensibilização”. É justamente nesse espaço entre emoção e razão que se abre a possibilidade de mudança.
Temperatura do mar atinge recorde histórico
Em 2024, a temperatura média da superfície do mar atingiu o maior nível desde que as medições começaram na década de 1980, segundo um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Mesmo no inverno do Hemisfério Sul, ondas de calor marinhas continuam afetando vastas áreas, trazendo impactos diretos ao clima global e aos ecossistemas.
Essa elevação das temperaturas acelera o degelo na Antártica e contribui para a elevação do nível do mar. No Brasil, regiões como Rio Grande do Sul, Baixada Santista (litoral do Estado de São Paulo), Macapá/AP e Atafona (região do Rio de Janeiro) já sentem os efeitos da erosão, da salinização e das inundações, ameaçando comunidades e infraestruturas essenciais.
Diante desse cenário, torna-se importante ampliar o debate sobre a crise climática e seus impactos nos oceanos, que são fundamentais para a regulação do clima e para a vida no planeta. Essa urgência é reforçada por iniciativas que unem ciência, arte e educação, buscando sensibilizar e engajar a sociedade para a proteção dos oceanos e a adaptação das cidades litorâneas.
Oceanos estão mais quentes

Nas últimas cinco décadas, as áreas que mais se destacaram pelo aquecimento intenso dos mares incluem o Mar da Tasmânia, o Mar de Salomão e grande parte das águas que circundam os Pequenos Estados Insulares do Pacífico, regiões vulneráveis às mudanças climáticas.
Esse aumento expressivo da temperatura dos oceanos tem efeitos profundos e multifacetados. Além de contribuir diretamente para a elevação do nível do mar, o aquecimento altera correntes oceânicas essenciais para o equilíbrio climático global e influencia a trajetória e intensidade das tempestades.
Além disso, também intensifica a estratificação das camadas oceânicas, prejudicando a circulação de nutrientes e oxigênio, o que pode desencadear mudanças drásticas nos ecossistemas marinhos. Durante o primeiro semestre de 2024, ondas de calor marinhas de intensidade forte a extrema afetaram quase 40 milhões de quilômetros quadrados do Pacífico Sudoeste, o maior registro desde o início dos monitoramentos em 1993.
Paralelamente, a acidificação dos oceanos, agravada pelo aumento da temperatura e pela redução dos níveis de oxigênio, compromete a biodiversidade e os habitats marinhos, ameaçando diretamente a saúde e a sustentabilidade dos ecossistemas que sustentam milhares de comunidades costeiras.
Leia também: Estamos alterando o oceano diante de nossos olhos
O aumento do nível do mar
Ainda de acordo com o relatório da OMM, o nível do mar segue subindo em ritmo acelerado e, na região do Pacífico Sudoeste, já ultrapassa a média global. Para os arquipélagos dessa parte do mundo, isso significa uma ameaça constante à sobrevivência. Mais da metade da população vive a menos de 500 metros da costa. Entre as ondas mais intensas e o solo cada vez mais instável, comunidades inteiras se veem diante de uma escolha difícil, isto é, permanecer em terras que carregam gerações de história — e enfrentar riscos cada vez maiores — ou migrar em busca de segurança, deixando para trás laços culturais.

Na Ilha de Serua, em Fiji, essa escolha vem se tornando uma urgência. Nas últimas duas décadas, a vila foi duramente castigada por inundações e erosões costeiras. Casas inteiras desapareceram sob a água, plantações foram salinizadas e o paredão de proteção não resistiu à força do mar.
Em pelo menos duas ocasiões, as chuvas intensas e o avanço da maré foram tão severos que a ilha pôde ser atravessada de ponta a ponta de barco. Medidas de adaptação, como barreiras de contenção, reflorestamento com manguezais e melhorias na drenagem, tornaram-se ineficazes diante do ritmo das transformações.
O governo local ofereceu apoio para a realocação dos moradores, mas muitos resistem à ideia de deixar a “vanua”, expressão que vai além do conceito de terra, carregando o sentido de pertencimento, ancestralidade e identidade coletiva que conecta profundamente o povo àquele território.
Leia também: Grandes cidades do mundo estão afundando. Por quê?
Impactos no Brasil e projeções de elevação do nível do mar

As previsões mais recentes não deixam dúvidas sobre a gravidade da situação. Estudos publicados no repositório científico da Cornell University, indicam que, em cenários de emissões elevadas, o nível médio global do mar pode subir entre 0,79 e 1,46 metro até 2.100, com estimativas máximas chegando a 1,9 metro caso ocorra um colapso parcial da camada de gelo da Antártica Ocidental.
Essas projeções são consistentes com os alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que já reconhece a possibilidade de cenários mais extremos, especialmente em regiões tropicais e subtropicais, onde os efeitos da elevação tendem a ser mais dramáticos.
O Brasil, com mais de 7 mil km de costa, está entre os países mais vulneráveis a esse processo. Uma pesquisa publicada na ResearchGate e comandada pelo Doutor em Geociências, Lucas Terres de Lima, aponta que entre 28% e 38% da planície costeira do Rio Grande do Sul pode ser afetada até o final do século, com perdas de até 40 km² de áreas urbanas.
Outros estados também preocupam. É o caso de São Paulo, especialmente a Baixada Santista, que pode sofrer com a salinização dos lençóis freáticos e perdas de infraestrutura portuária. Um estudo da Universidade de São Paulo alerta para inundação de áreas urbanas e infraestrutura portuária em Santos, São Vicente e Bertioga com elevação de cerca de 1 m.
Leia também: O sertão vai virar mar? Nível dos oceanos subiu 9,4 cm em 30 anos
Uma reportagem da Reuters revelou que a água salgada já atingiu áreas próximas a Macapá, situada a cerca de 150 km da foz do rio Amazonas. Esse avanço da salinidade causou a morte de peixes de água doce e prejudicou comunidades locais que dependem da pesca. Segundo o oceanógrafo Ronaldo Christofoletti, da Unifesp, a intrusão de água salgada vai alterar toda a biodiversidade daquela zona.
Na mesma reportagem da Reuters, a costa de Atafona, no norte do Rio de Janeiro, é apresentada como um caso emblemático de erosão acelerada. Nos últimos 30 anos, a região sofreu uma elevação média do nível do mar de 13 cm, e espera‑se um avanço adicional de até 150 m para o interior nas próximas décadas, o que já resultou na destruição de cerca de 500 casas.
Esse cenário expõe falhas no planejamento urbano. De acordo com o oceanógrafo, muitas casas foram construídas em locais que deveriam ter sido preservados com mangues, restingas ou dunas naturais, que atuam como barreiras costeiras naturais.
Infraestrutura, natureza e engajamento
Para enfrentar os efeitos do aquecimento dos oceanos e da elevação do nível do mar, cidades costeiras precisam investir em soluções que unam infraestrutura adaptativa, proteção ambiental e justiça climática. Um dos caminhos mais promissores são as chamadas soluções baseadas na natureza, citadas pelo oceanógrafo. Segundo a organização Nature-based Solutions Initiative, essas estratégias podem reduzir em até 2,5 vezes o risco de desastres em zonas costeiras.
Outro pilar é o planejamento urbano baseado em dados climáticos. A própria cidade de Santos/SP, por exemplo, foi pioneira ao elaborar um plano municipal de adaptação à mudança do clima, incluindo projeções de elevação do mar, vulnerabilidade socioambiental e diretrizes para o uso do solo. Experiências internacionais também apontam caminhos, como o conceito de cidades esponjas, implementado em cidades chinesas, que usam infraestrutura permeável e áreas verdes para lidar com inundações urbanas.
Em casos onde a permanência se torna inviável, algumas cidades começam a discutir a retirada planejada e assistida de populações em risco. Segundo relatório publicado no âmbito da Década dos Oceanos da ONU, essa estratégia deve ser conduzida com planejamento, apoio financeiro e participação ativa da população afetada, para garantir segurança sem comprometer direitos e identidades territoriais.
É justamente esse envolvimento coletivo que a exposição Maré de Mudanças busca inspirar. Unindo arte, ciência e educação, ela convida o público a experimentar, de forma sensorial e interativa, os impactos da crise climática sobre os oceanos e as cidades que vivem à sua beira e, sobretudo, a imaginar futuros regenerativos.

Por meio de visitas guiadas, instalações imersivas, obras sensoriais e recursos interativos, a exposição transforma dados técnicos em experiências que emocionam. Mais do que informar, ela estimula a ação coletiva, reforçando o papel de cada pessoa na proteção dos ecossistemas marinhos e na adaptação das cidades à nova realidade climática.

Inserida no contexto da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (2021–2030), a mostra reforça a urgência de unir conhecimento científico e mobilização social para restaurar a saúde dos oceanos e preparar as sociedades para os desafios do século, porque proteger o mar é, antes de tudo, proteger o futuro de todos nós.