Cidades e os ODS: desafios urgentes e estratégias para o futuro

Estudo revela obstáculos no caminho das cidades para alcançar os 17 ODS, da ONU, e aponta estratégias para enfrentar os desafios.

Por Redação em 14 de dezembro de 2023 8 minutos de leitura

ods

A Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável se configura como um plano de mudanças globais com a finalidade de reconfigurar o curso do mundo. O epicentro dessa iniciativa é composto pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entretanto, apesar dos esforços concentrados, uma série de desafios sistêmicos persistem, lançando uma sombra sobre o avanço efetivo das metas sustentáveis e colocando em risco suas perspectivas de êxito.

A pergunta que fica é: devemos soar o alarme? Estudos elaborados por instituições, como a KPMG, indicam que há razões para preocupação. Para eles, é crucial ficar atento às barreiras que podem comprometer o alcance desses objetivos e avaliar estratégias para superar esses obstáculos.

Um olhar crítico sobre a urbanização

ods

Conforme dados da ONU, mais da metade da população mundial já reside em áreas urbanas, e essa tendência tende a se acentuar. A estimativa é que até 2030, cerca de 60% da população global, equivalente a aproximadamente cinco bilhões de pessoas, viverá em centros urbanos. Além disso, projeções da organização apontam que até 2050, esse número poderá atingir a marca de 70%. Embora as cidades sejam motores do crescimento econômico, representando dois terços da atividade econômica global, segundo dados da ONU, o aumento da urbanização também traz consigo desafios significativos, especialmente no que diz respeito às emissões de carbono e seu impacto ambiental.

Leia também:

ODS 11: conheça os objetivos da ONU para as cidades

Os centros urbanos, enquanto impulsionadores vitais da economia global, estão paradoxalmente associados a desafios ambientais substanciais. Apesar de ocuparem apenas 3% da área terrestre do planeta, a ONU aponta que as áreas urbanas são responsáveis por aproximadamente 75% das emissões globais de carbono.

Porém, o problema das emissões não está uniformemente distribuído. Estudos da Scientific American apontam que 100 cidades isoladas contribuem significativamente para cerca de 20% das emissões globais de CO2. Por exemplo, a média de pegada de carbono per capita no âmbito mundial gira em torno de quatro toneladas, mas em nações mais abastadas, como os Estados Unidos, a média per capita atinge expressivos 16 toneladas, figurando entre as mais altas do planeta.

Leia também:

Cidades zero carbono precisam olhar para seus prédios antigos

Neste cenário alarmante, não há atalhos ou respostas rápidas para enfrentar esse desafio global de proporções históricas. Em meio à consciência de que o relógio não para, há razões para manter a esperança, mas o caminho a ser trilhado demanda um esforço conjunto, com as principais cidades do mundo e seus líderes adotando estratégias arrojadas.

Desafios do cumprimento dos ODS

ods

Sob essa perspectiva crítica, o estudo “O Tempo está se Esgotando para as Cidades“, fruto da colaboração entre a KPMG e a United Cities, emerge com o propósito de destacar obstáculos sistêmicos que representam barreiras ao avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ameaçando comprometer o êxito dessas metas.

Originado de uma Avaliação Dinâmica de Riscos (ADR), o documento oferece insights significativos sobre as barreiras enfrentadas pelas cidades no cumprimento dos ODS, buscando orientá-las na superação desses desafios, por meio de abordagens estratégicas.

A essência do estudo reside na identificação criteriosa dos entraves que podem minar o alcance dos ODS até 2030. Nesse contexto, ressalta-se a urgência de promover estratégias colaborativas, envolvendo tanto o setor público quanto o privado, assim como organizações sem fins lucrativos, a fim de maximizar o impacto positivo e viabilizar soluções eficazes.

A categorização dos desafios consiste em riscos específicos para as cidades, riscos para os ecossistemas dos ODS e riscos relacionados aos ODS. Esse mapeamento não se limita a diagnosticar os problemas, mas visa oferecer um guia estratégico para enfrentar cada categoria.

Riscos específicos para as cidades

Nas cidades, muitos desafios competem pela atenção, especialmente quando os cofres públicos estão apertados. Com dinheiro limitado, os governos municipais geralmente focam em expandir serviços e lidar com as pressões financeiras, deixando de lado os ODS.

Outra barreira é a falta de inovação integrada nas cidades. Apesar de ser importante para alcançar os ODS, a inovação muitas vezes fica restrita a áreas específicas, em vez de ser incorporada de maneira abrangente. De acordo com os pesquisadores do KPMG, é essencial promover a integração da inovação em todos os cantos da cidade para impulsionar o avanço em direção aos ODS.

Leia também:

Dinamarca quer ser a vanguarda em mudanças climáticas

Além disso, as cidades enfrentam problemas para atrair e manter talentos qualificados no atual mercado de trabalho. Isso pode criar lacunas de habilidades entre os municípios e reduzir a capacidade de apoiar efetivamente a realização dos ODS.

Para complicar ainda mais, a falta de iniciativas concretas coloca em xeque a capacidade das cidades em cumprir metas sustentáveis, destacando a necessidade premente de ações mais assertivas e comprometidas para enfrentar os desafios socioambientais em suas comunidades.

Riscos para os ecossistemas

Apesar do aumento da conscientização sobre práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) no mundo corporativo, segundo o levantamento da KMPG, as contribuições financeiras do setor privado para os ODS ainda são limitadas. Esse cenário cria lacunas significativas em recursos e financiamento, afetando a implementação eficaz dos ODS nas cidades.

A abordagem eficaz dos ODS exige uma colaboração sólida entre setores público, privado e sem fins lucrativos. A falta dessa colaboração pode resultar em dificuldades significativas para progredir nessa agenda, impactando diretamente a qualidade de vida nas cidades.

As cidades ainda dependem de financiamentos e empréstimos de IFIs para cumprir os ODS. Contudo, esses recursos, frequentemente, enfrentam dificuldades de obtenção devido à burocracia e às exigências administrativas, desafiando o progresso local em direção a metas sustentáveis.

Riscos relacionados aos ODS

Em meio a diversas prioridades nas cidades, a falta de ação nos aspectos sociais dos ODS pode agravar crises existentes. A escassez de moradias acessíveis, o acesso limitado à saúde e a falta de oportunidades de emprego são problemas sociais que podem piorar sem uma intervenção efetiva.

Leia também:

Melhoria na habitação: bom para as pessoas, para a economia e para o país

As circunstâncias e necessidades nas cidades variam globalmente, tornando a implementação dos ODS uma tarefa complexa. A ausência de uma abordagem padronizada dificulta o compartilhamento de melhores práticas entre as cidades, exigindo que cada uma identifique seu próprio plano de ação para enfrentar esses desafios globais.

O que as cidades podem fazer?

Embora haja razões para um otimismo e esperança em um futuro melhor, a realidade é que não podemos mais perder tempo. Como destacou o CEO da Sipremo, Gabriel Savio, que utiliza Inteligência Artificial (IA) para prever mudanças climáticas extremas, a hora é de agir e não mais apenas reagir.

O levantamento da KPMG enfatiza que frente aos desastres climáticos cada vez mais intensos e à urgência por soluções promissoras, os líderes locais não podem mais dar margem para que as iniciativas dos ODS sejam negligenciadas ou tratadas como opcionais. É imperativo que eles as reconheçam como uma necessidade urgente e prioritária. Nesse contexto, os profissionais da KPMG propõem abordagens específicas para um futuro promissor.

1. Organizar prioridades

ods

Para impulsionar o progresso nos ODS e superar conflitos de prioridades locais, os líderes urbanos podem adotar uma abordagem de gestão de portfólio, semelhante à utilizada por grandes organizações. Essa estratégia visa estabelecer e atingir objetivos claros, priorizando o financiamento e a alocação de recursos em iniciativas inteligentes. A abordagem estratégica também é crucial para enfrentar diferenças políticas entre os níveis de governo e para que as cidades incorporem inovação e tecnologia digital em suas políticas públicas.

Os líderes urbanos devem abandonar posturas reativas, reconhecendo a necessidade de uma mentalidade pró-ativa. Isso inclui superar a percepção de que um mundo livre de carbono é mais caro, considerando os custos passados como precursores de abordagens futuras. Parcerias público-privadas inovadoras devem ser implementadas para identificar, priorizar e colaborar em iniciativas públicas benéficas. A aquisição e manutenção de habilidades digitais são também fundamentais nesse processo.

2. Incentivar a participação do setor privado

O estudo defende a necessidade de criatividade e colaboração para atrair novos investimentos e impulsionar a mudança local. A abordagem inovadora para unir stakeholders dos setores público e privado inclui intensificar diálogos, estabelecer políticas realistas e buscar iniciativas financeiramente sustentáveis, apoiadas por investimentos privados.

A vinculação dos investimentos aos ODS, aliada a uma gestão efetiva de riscos, pode ser um incentivo poderoso. A estrutura estratégica de iniciativas e negócios busca um cenário de ganha-ganha para investidores e comunidades.

A cidade de Bonn, na Alemanha, por exemplo, está conversando mais com empresas para deixar seus projetos sociais mais alinhados com os ODS. Enquanto isso, em Kópavogur, na Islândia, a prefeitura começou a pedir conselhos a empresas locais sobre como melhorar e promover iniciativas relacionadas aos objetivos estabelecidos pela ONU.

3. Eliminar a instabilidade política e buscar a inovação a longo prazo

Os líderes locais precisam direcionar seus esforços para o benefício das comunidades. No Reino Unido, o National Infrastructure & Construction Pipeline, lançado em 2021, destina recursos significativos, aproximadamente US$ 700 bilhões, para investimentos em infraestrutura a longo prazo, independente dos ciclos políticos. Projetos como a construção da usina nuclear Hinkley Point C, em Somerset, Inglaterra, são parte desse esforço para “transformar a vida das pessoas nas próximas décadas”. Enquanto isso, cidades francesas estão adotando abordagens inovadoras, planejando infraestrutura de forma independente dos ciclos políticos.

Para a KPMG, é essencial remover a política da equação e adotar uma visão de longo prazo. Isso também impulsiona a incorporação da inovação nas cidades. Optar por uma abordagem moderna, priorizando o progresso sobre a política e a influência das mídias sociais, pode promover a inovação de maneira positiva, envolvendo ativamente o público e as comunidades beneficiadas.

4. Atuação responsável das empresas

Líderes empresariais e investidores devem atuar como “cidadãos responsáveis”, considerando o impacto social e ambiental de suas operações. A atuação responsável das empresas é uma dimensão essencial para a construção de uma sociedade sustentável. Empresas responsáveis adotam práticas que vão além do simples cumprimento de regulamentações, incorporando a responsabilidade social corporativa em sua cultura empresarial.

Além disso, a atuação responsável das empresas abrange a transparência em suas operações, a promoção da diversidade e inclusão, bem como a gestão ética em todas as áreas de negócios. Isso não apenas fortalece a reputação da empresa, mas também contribui para o desenvolvimento sustentável, impactando positivamente as comunidades em que operam.

5. Ampliar a conscientização ambiental

ods

A comunicação eficaz sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está aquém do necessário para impulsionar o progresso, especialmente diante do futuro incerto. Segunda a KPMG, a crença de que, em um mundo digital e conectado, haveria um consenso amplo sobre a trajetória dos ODS está prejudicando a mobilização e ação necessárias. Por isso, os defensores dos ODS e os movimentos ambientais precisam compartilhar suas mensagens de maneira universal, visando aumentar a conscientização e o ativismo público, especialmente em áreas que ainda não enfrentaram totalmente os impactos das mudanças climáticas.

Leia também:

Cidades devem se unir contra mudanças climáticas

Incentivar um ativismo público mais significativo, capaz de ir além de soluções paliativas, pode mobilizar maior participação e influenciar prioridades urbanas, colaboração, financiamento e superação da instabilidade política. O Project Management Institute (PMI), por exemplo, está desempenhando um papel global, ao capacitar profissionais com novas habilidades e abordagens, visando melhorar a conscientização para um futuro mais sustentável.

Para cumprir os ODS, o futuro deve começar hoje

O Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, destacou em um alerta aos líderes mundiais que o planeta está em um “momento de grande perigo” e enfatizou a urgência de abordar as numerosas tarefas críticas que não podem ser adiadas.

Diante desses desafios, muitas soluções estão ao alcance das cidades e o levantamento joga luz a ações que os líderes municipais ainda podem realizar. O cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU é uma responsabilidade que não pode ser negligenciada e o tempo é um fator essencial. O caminho para o futuro começa hoje.