O crescimento da população das cidades acompanhado da alta do déficit habitacional cria uma pressão para que o espaço urbano seja capaz de se adaptar às rápidas mudanças, na velocidade necessária. Acrescente à equação a expansão do trabalho remoto, que levou novos desafios aos bairros tipicamente comerciais das grandes capitais. Além disso, a mudança climática e suas consequências é uma realidade problemática. A resposta arquitetônica a essa “tempestade perfeita” são os prédios flexíveis.
O prédio flexível é um objeto que muda com o tempo, se tornando muito menos um produto final. “Diferentemente do passado, os prédios vão ter que mudar facilmente de função durante seu tempo de vida útil. O ciclo de construir e demolir não poderá ser o mesmo”, explica a agência de pesquisa e design arquitetônico Ruimtelab, referência no conceito. Uma construção flexível, portanto, consegue aceitar diferentes usos, se adaptar ao seu entorno e a modificações internas com o mínimo de mudanças estruturais. Segundo os especialistas holandeses da empresa, os prédios flexíveis conseguem manter mais de 40% das suas atividades durante uma modificação.
Prédios flexíveis nascem no planejamento
O conceito de prédio flexível vai do projeto até a finalização, passando pelo uso dos materiais até o planejamento inicial. De acordo com a head de sustentabilidade e inovação da consultoria de engenharia sueca WSP Maria Brogen, o planejamento talvez seja o mais importante. “Precisamos analisar as tendências futuras antes de começar a desenvolver um projeto. Como esperamos que usem o edifício? A necessidade mudará ao longo do tempo?O o clima mudará e como isso implicará no edifício? Quais novas tecnologias podem ter impacto na edificação? Quais novas regulamentações? Em seguida, consideramos o desempenho do design em relação a esses diferentes cenários”, disse ela em entrevista ao The Possible.
Um prédio, vários usos
Um exemplo de construção flexível é o Timmerhuis, em Roterdam, lançado em 2015. O prédio foi assinado pela OMA e tem uma estrutura modular de aço, que abriga museu, serviços públicos e residências, todos separados em módulos, que podem ser adaptados conforme o uso do espaço.

“Na maioria das cidades ocidentais os distritos financeiros parecem cidades fantasmas no final de semana. Se alguns desses prédios comerciais se tornassem ‘mistos’, eles seriam ocupados 24/7, o que daria vida para várias áreas da cidade”, disse o executivo da WSP Gary Pommerantz, em entrevista ao The Possible. Outro exemplo é o projeto do Wire Collective, o The Cove, na área das docas de São Francisco. A ideia é criar vários armazéns que não só tenham funções diversas, como também consigam se adaptar a mudanças da maré e do vento.
Materiais flexíveis

Falar de prédios flexíveis também é falar sobre construções modulares e até mesmo o uso de containers para formar espaços, como nos estádios da Copa de 2022. Afinal, o custo para adaptar o espaço não pode ser alto. Nesse ponto, a Framehouse, que fica na Dinamarca, é diferenciada. O prédio de negócios está dentro do conceito flexível, mas é quase todo projetado em madeira.
“Sob ponto de vista ambiental, o mais importante é ser capaz de reutilizar os materiais que são mais emissores de carbono, como o concreto. Paredes de madeiras não têm uma pegada de carbono tão grande e são mais fáceis de se mover. A tecnologia digital também nos torna capazes de testar rapidamente um número grande de designs e calcular os fatores como o custo dos materiais e a pegada de carbono. No futuro, as soluções de prédios flexíveis podem ser uma combinação de arquitetura pós-guerra funcional, com técnicas tradicionais de construção, automação e novos materiais”, explica Brogen.
“O maior desperdício de materiais e a maior emissão de carbono acontecem quando um prédio se torna desnecessário ou indesejado, então precisa ser derrubado”, complementa Gary Pomerantz.
Flexibilidade como resposta de habitação social aliada e empoderamento
Um prédio flexível não é só aquele que tem várias funções, mas que também se adapta ao perfil de seu usuário. Quando se fala em moradias sociais ou populares, esse é um tema ainda mais relevante, já que a possibilidade de se personalizar o espaço permite o sentimento de pertencimento para os moradores e oferece condições para manifestação de suas identidades, personalidades e estilo de vida. Esse é o sentido por trás do conceito “incremental housing” criado pelo arquiteto chileno Alejandro Aravena. Ou seja, projetos de moradias que são acessíveis, padronizadas, mas que, ainda assim, podem ser expandidas. Para o sucesso do projeto, a escuta ativa a essas pessoas foi essencial.
Um dos seus projetos mais conhecidos é o de Quinta Monroy. Localizado em uma vila no Chile, o espaço foi usado para construir casas populares para retirar as pessoas de moradias irregulares. Aravena sugeriu partir de uma conversa com a população que ia morar nas casas. O resultado foram construções básicas, mas que podem ser expandidas. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele, que ficou conhecido como o arquiteto dos pobres, contou que, ao falar com as pessoas, foi possível entender quais eram as áreas da casa mais custosas para os moradores construírem, como banheiros e cozinha, e quais áreas eles preferiam construir, como os quartos.
“As evidências mostram que há uma capacidade de investimento das próprias pessoas. Elas são capazes de construir 30, 40m² sem qualquer tipo de apoio estatal. Se essa capacidade informal existe, não seria melhor usá-la nas políticas públicas? Por que não fazer só a parte que as famílias não farão bem?”, disse ele. Quase 10 anos depois da construção do bairro, a maioria dos moradores permanece no local. “O poder de síntese do design é tentar utilizar de maneira mais eficiente o recurso mais escasso das cidades, que não é o dinheiro, mas a coordenação. A força da construção feita pelas pessoas, do senso comum, da natureza, todas elas precisam ser traduzidas em forma de prédios, em modelagem e moldagem, não é cimento, tijolos ou madeira. É a própria vida”, comentou Aravena em um TED Talk de 2014.