Prédios flexíveis apontam para futuro das cidades

Prédios que podem virar comércio, comércios que viram casas. Tudo de forma sustentável. Conheça os exemplos de arquitetura flexível.

Por Redação em 28 de março de 2022 4 minutos de leitura

Prédios flexíveis

O crescimento da população das cidades acompanhado da alta do déficit habitacional cria uma pressão para que o espaço urbano seja capaz de se adaptar às rápidas mudanças, na velocidade necessária. Acrescente à equação a expansão do trabalho remoto, que levou novos desafios aos bairros tipicamente comerciais das grandes capitais. Além disso, a mudança climática e suas consequências é uma realidade problemática. A resposta arquitetônica a essa “tempestade perfeita” são os prédios flexíveis.

O prédio flexível é um objeto que muda com o tempo, se tornando muito menos um produto final. “Diferentemente do passado, os prédios vão ter que mudar facilmente de função durante seu tempo de vida útil. O ciclo de construir e demolir não poderá ser o mesmo”, explica a agência de pesquisa e design arquitetônico Ruimtelab, referência no conceito. Uma construção flexível, portanto, consegue aceitar diferentes usos, se adaptar ao seu entorno e a modificações internas com o mínimo de mudanças estruturais. Segundo os especialistas holandeses da empresa, os prédios flexíveis conseguem manter mais de 40% das suas atividades durante uma modificação. 

Prédios flexíveis nascem no planejamento

O conceito de prédio flexível vai do projeto até a finalização, passando pelo uso dos materiais até o planejamento inicial. De acordo com a head de sustentabilidade e inovação da consultoria de engenharia sueca WSP Maria Brogen, o planejamento talvez seja o mais importante. “Precisamos analisar as tendências futuras antes de começar a desenvolver um projeto. Como esperamos que usem o edifício? A necessidade mudará ao longo do tempo?O o clima mudará e como isso implicará no edifício? Quais novas tecnologias podem ter impacto na edificação? Quais novas regulamentações? Em seguida, consideramos o desempenho do design em relação a esses diferentes cenários”, disse ela em entrevista ao The Possible.

Um prédio, vários usos

Um exemplo de construção flexível é o Timmerhuis, em Roterdam, lançado em 2015. O prédio foi assinado pela OMA e tem uma estrutura modular de aço, que abriga museu, serviços públicos e residências, todos separados em módulos, que podem ser adaptados conforme o uso do espaço. 

Foto: Frans Blok / Shutterstock.com

“Na maioria das cidades ocidentais os distritos financeiros parecem cidades fantasmas no final de semana. Se alguns desses prédios comerciais se tornassem ‘mistos’, eles seriam ocupados 24/7, o que daria vida para várias áreas da cidade”, disse o executivo da WSP Gary Pommerantz, em entrevista ao The Possible.  Outro exemplo é o projeto do Wire Collective, o The Cove, na área das docas de São Francisco. A ideia é criar vários armazéns que não só tenham funções diversas, como também consigam se adaptar a mudanças da maré e do vento.

Materiais flexíveis

Foto: perkinswill / Framehouse

Falar de prédios flexíveis também é falar sobre construções modulares e até mesmo o uso de containers para formar espaços, como nos estádios da Copa de 2022. Afinal, o custo para adaptar o espaço não pode ser alto. Nesse ponto, a Framehouse, que fica na Dinamarca, é diferenciada. O prédio de negócios está dentro do conceito flexível, mas é  quase todo projetado em madeira. 

“Sob ponto de vista ambiental, o mais importante é ser capaz de reutilizar os materiais que são mais emissores de carbono, como o concreto. Paredes de madeiras não têm uma pegada de carbono tão grande e são mais fáceis de se mover. A tecnologia digital também nos torna capazes de testar rapidamente um número grande de designs e calcular os fatores como o custo dos materiais e a pegada de carbono. No futuro, as soluções de prédios flexíveis podem ser uma combinação de arquitetura pós-guerra funcional, com técnicas tradicionais de construção, automação e novos materiais”, explica Brogen.

“O maior desperdício de materiais e a maior emissão de carbono acontecem quando um prédio se torna desnecessário ou indesejado, então precisa ser derrubado”, complementa Gary Pomerantz. 

Flexibilidade como resposta de habitação social aliada e empoderamento

Um prédio flexível não é só aquele que tem várias funções, mas que também se adapta ao perfil de seu usuário. Quando se fala em moradias sociais ou populares, esse é um tema ainda mais relevante, já que a possibilidade de se personalizar o espaço permite o sentimento de pertencimento para os moradores e oferece condições para manifestação de suas identidades, personalidades e estilo de vida. Esse é o sentido por trás do conceito “incremental housing” criado pelo arquiteto chileno Alejandro Aravena. Ou seja, projetos de moradias que são acessíveis, padronizadas, mas que, ainda assim, podem ser expandidas. Para o sucesso do projeto, a escuta ativa a essas pessoas foi essencial.  

Um dos seus projetos mais conhecidos é o de Quinta Monroy. Localizado em uma vila no Chile, o espaço foi usado para construir casas populares para retirar as pessoas de moradias irregulares. Aravena sugeriu partir de uma conversa com a população que ia morar nas casas. O resultado foram construções básicas, mas que podem ser expandidas. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele, que ficou conhecido como o arquiteto dos pobres, contou que, ao falar com as pessoas, foi possível entender quais eram as áreas da casa mais custosas para os moradores construírem, como banheiros e cozinha, e quais áreas eles preferiam construir, como os quartos. 

“As evidências mostram que há uma capacidade de investimento das próprias pessoas. Elas são capazes de construir 30, 40m² sem qualquer tipo de apoio estatal. Se essa capacidade informal existe, não seria melhor usá-la nas políticas públicas? Por que não fazer só a parte que as famílias não farão bem?”, disse ele. Quase 10 anos depois da construção do bairro, a maioria dos moradores permanece no local. “O poder de síntese do design é tentar utilizar de maneira mais eficiente o recurso mais escasso das cidades, que não é o dinheiro, mas a coordenação. A força da construção feita pelas pessoas, do senso comum, da natureza, todas elas precisam ser traduzidas em forma de prédios, em modelagem e moldagem, não é cimento, tijolos ou madeira. É a própria vida”, comentou Aravena em um TED Talk de 2014.