Prêmio Nobel de Economia 2023: um retrato da desigualdade de gêneros

Claudia Goldin, Prêmio Nobel de Economia 2023, expõe a disparidade entre gêneros, não só pela premiação, mas pela sua pesquisa sobre o tema.

Por Redação em 15 de novembro de 2023 5 minutos de leitura

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Claudia Goldin em sua casa falando com um repórter após saber que foi a ganhadora do prêmio (Foto: Jon Chase/Equipe de Harvard/Site News Harvard)

Em 55 edições do Nobel de Economia, a americana Claudia Goldin fez história na última edição ao se tornar a ganhadora do Prêmio Nobel de Economia 2023, sendo a primeiro mulher a conquistar sozinha o Nobel na categoria. Mesmo quando incluímos neste cenário as mulheres que dividiram o prêmio com homens, a discrepância é grande: do total de 93 premiados desde 1969, data da primeira edição da categoria, apenas três foram para pesquisadoras. Mas a relação de Claudia com diferenças de gênero vai além: ela ganhou justamente por conduzir uma das mais relevantes pesquisas sobre a disparidade salarial entre os sexos no mercado de trabalho. 

Segundo seu estudo, ao longo do último século, a proporção de mulheres com trabalho remunerado triplicou em muitos países. No entanto, o cenário é marcado por significativas diferenças. Entre os temas em foco, grande parte da disparidade salarial entre os sexos poderia ser explicada pela diferença na educação e nas escolhas profissionais. Mas o estudo de Claudia revela que o principal responsável por essa disparidade é o próprio mercado, que aos poucos passou a valorizar o trabalhador que é capaz de dedicar mais horas ao emprego.

Assim, se homens chegam a ganhar bônus por passar mais tempo no trabalho, mulheres, antes de tudo, têm de lidar com um histórico pano de fundo social e cultural que, por muitos anos, determinou que cabia a elas os cuidados com a casa, os filhos e os pais idosos. O resultado: dupla (tripla!) jornada, atenções divididas para elas e uma assimetria entre os sexos que persiste, mesmo diante dos avanços e conquistas femininas em todo o mundo.

“Nunca teremos igualdade de gênero até que também tenhamos igualdade entre casais”, cravou a historiadora econômica norte-americana ao “The New York Times”.

Prêmio Nobel de Economia 2023, conquista de valor duplo para a equidade

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Foto: Jonathan Nackstrand / AFP / Correio do Povo / Reprodução

Conciliar vida familiar e trabalho é um desafio das mulheres, que tendem a escolher empregos que tenham maior flexibilidade de horários. A premiação de Claudia coloca luz sobre o assunto e a urgência de debatermos formas de reduzir as diferenças.

A também autora do livro “Understanding the gender gap: an economic history of american women” (Entendendo a disparidade de gênero: uma história econômica das mulheres norte-americanas, em tradução livre), publicado em 1990, ela realizou ainda estudos sobre o impacto da pílula anticoncepcional nas decisões de carreira e casamento das mulheres, o sobrenome delas após o casamento como indicador social; e os motivos que elas são hoje a maioria dos estudantes da graduação.   

Claudia vasculhou os arquivos e recolheu mais de 200 anos de dados dos Estados Unidos, o que lhe permitiu demonstrar como e porque as diferenças de gênero nos rendimentos e nas taxas de emprego mudaram ao longo do tempo. 

Segundo a pesquisadora, a disparidade salarial ainda mais acentuada ocorre no momento em que mulheres precisam tomar decisões importantes, como a escolha pela maternidade. A chegada do primeiro filho faz os rendimentos das mulheres caírem imediatamente e deixarem de aumentar na mesma proporção do que para os homens, ainda que ambos tenham a mesma formação e profissão. 

Mulheres na obra

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Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS ), preconizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e que deve ser cumprido até 2030. 

No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma mulher ganha, em média, 78% dos rendimentos de um homem. Para reduzir essa disparidade, o projeto de lei 1.085/2023, regulamentado por decreto, torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres quando exercerem trabalho equivalente ou mesma função. 

O projeto prevê aplicação de multa equivalente a dez vezes o valor do novo salário ao empregador que descumprir a nova regra. Em caso de reincidência, o valor será dobrado. Para dar eficácia à nova lei, o Governo Federal prevê medidas como disponibilização de canais específicos de denúncias, capacitação de todos os empregados sobre a temática da equidade de gênero no mercado de trabalho; fomento à capacitação e formação de mulheres para ingresso, permanência e ascensão no mercado em condições de igualdade com os homens. 

Alinhado à nova meta, o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) tem buscado fazer a sua parte no intuito de reduzir o distanciamento e incentivar melhores práticas de atuações profissionais entre os gêneros.

Trata-se de um desafio e tanto, uma vez que a construção civil é um setor predominantemente masculino. Entre os profissionais registrados, 80,5% são homens e apenas 19,5% mulheres. Mas nos últimos anos, o cenário tem mudado.

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Segundo dados do Painel da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho, a participação das mulheres com carteira assinada passou de 205.033, em 2019, para 216.330, em 2020, um aumento de 5,5%. 

Esse aumento se deve à maior procura em busca de capacitação para que possam atuar no setor. No Rio de Janeiro, por exemplo, o projeto “Mão na massa”, formou desde 2007, cerca de 1,2 mil mulheres não só para atuar no canteiro, mas em postos de gerenciamento; no Rio Grande do Sul, o “Mulher em construção” atendeu mais de 6 mil mulheres com cursos e oficinas na área. 

Atualmente, um projeto na Câmara dos Deputados defende a reserva de 5% das vagas da construção civil às mulheres (PL 5358/2020, ainda em tramitação na Câmara).

E o futuro?

Para o presidente do Comitê do Prêmio em Ciências Econômicas Jakob Svensson, compreender o papel da mulher no trabalho é importante para a sociedade. “Graças à investigação inovadora de Claudia Goldin, sabemos agora muito mais sobre os fatores subjacentes e quais as barreiras que terão de ser abordadas no futuro”, afirmou em nota.

Investimentos em educação, informação e na legislação podem ter efeito significativo durante determinado período de tempo. Contudo, os estudos de Claudia mostram que tais investimentos têm efeito limitado em espaços onde mulheres já têm níveis elevados de emprego e são mais qualificadas que seus colegas homens – uma vez que a disparidade salarial segue nesses casos. 

Apoiar o retorno delas ao mercado após ter filhos ou a possibilidade de trabalhar de forma flexível pode ser mais importante nesse contexto. Contudo, isso exige uma grande mudança, que só deve ocorrer quando grupos que adotarem novos comportamentos no mercado de trabalho começarem a sair dele, deixando tais costumes como legado a mulheres mais jovens. A ganhadora do Prêmio Nobel de Economia 2023 seria um evidência do início dessa transformação para ambientes com mais equidade?