Prédios históricos, entre o passado e o futuro

A preservação de prédios históricos é importante para a identidade das cidades, porém é necessário avaliar seus impactos.

Por Redação em 16 de junho de 2023 5 minutos de leitura

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A preservação de prédios históricos desempenha um papel fundamental na construção e manutenção da identidade de uma cidade, enriquecendo-a com seu visual marcante e evocativo. Muitas vezes, áreas inteiras, desde quarteirões até bairros completos, são designadas como zonas de preservação histórica, visando proteger as características arquitetônicas originais que contam a história da cidade. No entanto, é importante analisar com cuidado as consequências desses esforços de preservação, a fim de evitar impactos negativos no desenvolvimento das regiões e na acessibilidade urbana para grupos sociais diversos.

Quando a preservação é encarada de forma indiscriminada, sem uma avaliação criteriosa sobre quais prédios históricos devem ser protegidos e o porquê, podem surgir problemas como a escassez de imóveis e o aumento dos custos habitacionais. Cenário que pode resultar em um processo de exclusão das classes menos favorecidas dessas regiões.

Entraves da preservação de prédios históricos nas grandes cidades

A preservação de prédios históricos é importante para a manutenção do espírito e da identidade de um povo. Essa valorização não é recente, tendo sido incluída na Constituição Federal de 1937, promulgada por Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, que já reconhecia a necessidade de preservar os patrimônios históricos. 

No entanto, é importante destacar que a valorização da cultura não ocorre sem enfrentar desafios e conflitos, especialmente em áreas urbanas de grande porte. Nas cidades, onde o valor do solo é elevado e as desigualdades socioespaciais são mais evidentes, surgem obstáculos práticos que demandam atenção.

Nos Estados Unidos, por exemplo, onde conselhos voluntários de moradores possuem o poder de vetar novas construções em bairros históricos, a questão da preservação histórica em relação aos usos contemporâneos é amplamente discutida. Um estudo realizado pelo portal Realtor.com que analisou 2.885 casas históricas, constatou que essas propriedades eram, em média, 5,6% mais caras do que casas semelhantes localizadas no mesmo CEP. Mesmo as casas que não possuíam status histórico experimentaram um aumento de 1,4% mais rápido no valor das propriedades simplesmente por estarem localizadas dentro de um bairro histórico.

Como excesso de preservação histórica pode comprometer o bom urbanismo foi tema do colunista especializado em urbanismo Scott Beyer no artigo publicado na revista Governing. Segundo ele, à medida que os preços das casas continuam a subir, a preservação histórica pode entrar em conflito com o objetivo fundamental de proporcionar acessibilidade habitacional. “Embora esse conflito possa não ser tão problemático em cidades menores, torna-se mais evidente em cidades maiores, que abrigam uma variedade de setores econômicos”, pontua o urbanista. 

Um exemplo ilustrativo é Manhattan, onde 27% dos terrenos estão localizados dentro de distritos históricos, de acordo com dados de 2014 do Furman Center da Universidade de Nova Iorque. Essa proporção é significativamente maior do que os distritos históricos encontrados no Bronx, Queens e Staten Island, que possuem menos de 1% de seus terrenos designados como históricos.

A presença desses inúmeros bairros tombados em Manhattan apresenta desafios significativos até mesmo em termos de reparos e construção de novas estruturas. Isso resultou em uma produção muito menor de unidades habitacionais nessas áreas durante as décadas de 1980 e 1990 em comparação com áreas não históricas, segundo um estudo conduzido pelo economista Ed Glaeser.

Gentrificação e atraso de desenvolvimento local

O pesquisador Dan Bertelet oferece exemplos concretos dessa dinâmica de preservação histórica exacerbada em Seattle. A cidade teve a oportunidade de receber a construção de um prédio com 200 apartamentos, de acordo com as regulamentações de zoneamento. 

No entanto, o conselho local argumentou que a estrutura proposta seria “mais alta do que os outros prédios da região” e negou a permissão. Bertelet enfatiza que essas posturas têm uma conexão direta com o aumento dos preços imobiliários e os processos de gentrificação que ocorrem em várias grandes cidades.

Além disso, devido às restrições impostas pela preservação histórica, muitos terrenos não podem ser utilizados para novos fins, resultando em abandono e inatividade. Para o pesquisador, essa situação prejudica o desenvolvimento local e pode representar até mesmo um risco para determinadas áreas.

Preservação e urbanização podem coexistir

Ocupar prédios históricos sem abrir mão do espaço para novas construções pode impulsionar a dinamicidade dos bairros preservados. Essas áreas, ao preservarem seu patrimônio arquitetônico, se tornam propícias para abrigar pequenos negócios, fomentar a economia criativa e oferecer lares mais diversos em termos de gênero, raça, condição socioeconômica e orientação sexual. Essa abordagem, conhecida como reurbanismo, propõe a combinação da preservação histórica com a renovação urbana.

Um relatório elaborado pelo National Trust for Historic Preservation (NTHP) analisou dados de três cidades com mercados imobiliários fortes e tecidos urbanos antigos e extensos: São Francisco, Seattle e Washington. Os resultados apontaram conclusões semelhantes nessas localidades. 

Bairros mais antigos e com uso misto são mais propícios para a mobilidade a pé, sendo mais caminháveis. Pessoas jovens têm preferência por morar em prédios mais antigos. Além disso, a economia criativa floresce em bairros antigos e com uso misto, enquanto a vida noturna é mais vibrante em ruas que apresentam uma variedade ampla de idades das construções. Distritos comerciais mais antigos e com uso misto possuem uma densidade populacional maior, embora sem grandes alturas de edifícios.

Desse modo, para possibilitar a preservação sem prejudicar o desenvolvimento das cidades, várias medidas têm sido sugeridas, como descontos fiscais para proprietários que preservam prédios históricos e a venda do potencial construtivo. A venda do potencial construtivo, por exemplo, permite que os proprietários recebam uma área adicional para construção, equivalente ao espaço que seria disponível caso não houvesse um edifício histórico no terreno. No Brasil, essas propostas já estão sendo implementadas, enquanto nos Estados Unidos ainda estão sendo discutidas.

Por aqui, há incentivos como descontos no IPTU e, justamente, a venda de potencial construtivo. Contudo, ainda existem desafios nas iniciativas de preservação, como o abandono de muitos imóveis devido à falta de recursos para sua conservação. Diante dessa questão, surgiu em 2021 a proposta de criação do Fundo Nacional do Patrimônio Tombado (FNPT), que busca oferecer incentivos econômicos mais significativos aos proprietários desses imóveis, incentivando a manutenção de suas características originais.

Preservação de prédios históricos no Brasil

A histórica edificação que abrigou a antiga sede da Telesp na rua 7 de Abril, localizada no centro de São Paulo, está prestes a passar por um processo de retrofit, com o intuito de se transformar em um condomínio residencial e uma galeria de lojas. O projeto recebeu aprovação da Prefeitura da cidade como parte integrante do programa Requalifica Centro, uma iniciativa estratégica voltada para a revitalização da região central de São Paulo. Erguido em 1939, esse icônico prédio recebeu o tombamento pelo Conpresp em 2012, salvaguardando, assim, sua relevância histórica. 

Após a privatização, serviu como sede da Telefônica e da Vivo, mas permaneceu inativo desde então. O programa Requalifica Centro, que busca promover a manutenção de edifícios antigos, é parte dos esforços para reabilitar e revitalizar a região central de São Paulo, preservando seu patrimônio arquitetônico e impulsionando seu desenvolvimento socioeconômico.

Outra notável edificação histórica que passou pelo processo de retrofit e manutenção é o imóvel denominado FSMJ, também situado na região central de São Paulo. Atualmente, a estrutura abriga uma variedade de estabelecimentos, como livrarias e restaurantes. Esse edifício, que remonta aos anos 1970 e é um valioso patrimônio da Santa Casa, encontrava-se abandonado até ser minuciosamente restaurado. Agora possui unidades para locação, agregando um novo fôlego ao cenário cultural, comercial e residencial da cidade.