Um prédio não é só um prédio – ele é fonte de emoções! Conheça a psicologia do espaço

Conceito que estuda como as pessoas lidam com os espaços ganha relevância na arquitetura.

Por Ana Cecília Panizza em 14 de maio de 2025 7 minutos de leitura

Foto: Monkey Business Images/ Shutterstock

A vida humana transcorre em espaços construídos: casas, edifícios comerciais e residenciais, museus, supermercados, ruas. Mesmo uma área verde, como um parque, é um ambiente adaptado pelo homem. E, como tal, seja ambiente ou ambiental, esse espaço não é inerte. Ele tem o poder de provocar emoções e sensações e influenciar a forma como as pessoas se sentem. É essa relação entre arquitetura e o comportamento humano e a conexão entre o ambiente e a saúde mental, os objetos de estudo da psicologia do espaço.

Considerando que as pessoas passam a maior parte de suas vidas em ambientes fechados ou modificados pelo homem, essa ciência ganha ainda mais relevância, passando a fazer parte do rol de atuação de arquitetos, urbanistas e designers de interiores de todo o mundo. Cada detalhe conta: as condições de iluminação, de escala e de proporção, assim como os materiais utilizados na construção, são características espaciais que emitem informações para os sentidos e, por isso, afetam a maneira como as pessoas se relacionam com os espaços e as sensações e reações desencadeadas que eles desencadeiam. Trazer essa relação para a consciência e usá-la com intencionalidade e técnica pode fazer a grande diferença… para os espaços e para a vida de quem o utiliza.

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Psicologia da arquitetura

No artigo “Psicologia ambiental: uma nova abordagem da psicologia”, Rosane Gabriele C. de Melo, mestre em Psicologia Ambiental pela Universidade de Surrey (Inglaterra), explica que o conceito de psicologia ambiental surgiu no fim dos anos 1950 e começo dos anos 1960, com o nome de psicologia da arquitetura. A época foi marcada pelo processo de reconstrução de cidades europeias após o fim da Segunda Guerra Mundial,  por meio de programas habitacionais de larga escala.

Arquitetos e urbanistas passaram a considerar que as edificações deveriam refletir não apenas princípios de construção e estética, mas também as necessidades psicológicas e comportamentais dos futuros moradores, ocupantes de grandes obras públicas, ao contrário de clientes únicos, particulares, como os profissionais estavam acostumados até então. “Como eles tinham que proporcionar o maior número de habitações possível para acomodar os desabrigados da guerra, partiram para construção de blocos de apartamentos. E dessa forma, se viram em uma situação em que teriam que lidar com diversos clientes e atender a diferentes necessidades ao mesmo tempo”, pontua a autora. Ela acrescenta que essa nova situação exigia uma compreensão dos efeitos dos aspectos físicos do ambiente, como iluminação, conforto térmico e funções das janelas. 

Rosane lembra que, na década de 1970, a disciplina de psicologia ambiental começou a ser oferecida em cursos de instituições como Universidade de Nova Iorque, Estados Unidos, e Universidade de Surrey, Inglaterra. 

Quente e frio 

Foto: BAZA Production/ Shutterstock

Entre os fatores que devem ser considerados em projetos que levam em conta a psicologia do espaço estão: segurança dos usuários; sociabilidade; facilidade de orientação e outros estímulos sensoriais; condições de iluminação e ventilação; cores; texturas. Por exemplo, projetos que incorporam noções de equilíbrio, proporção e simetria podem transmitir sensação de tranquilidade e harmonia. 

Acerca das cores, espaços com cores quentes (como vermelho, laranja e amarelo) passam a ideia de serem mais compactos. No caminho oposto, quanto mais frias as cores (azul, verde, roxo), maior a sensação de amplitude. Por sua vez, uma luz suave sugere um lugar introspectivo, enquanto uma luz intensa remete a um local mais descontraído. 

Já o aproveitamento da iluminação natural pode contribuir para aumentar a produtividade e o bem-estar físico e emocional das pessoas que frequentam o ambiente. A luz natural impacta a produtividade, a criatividade e o desempenho dos indivíduos. Isso pode ser observado em situações vivenciadas em locais com pouca iluminação, que podem gerar fadiga e desgaste visual nos frequentadores.

Sem estresse 

Ambientes cujos projetos se pautam pela psicologia do espaço podem reduzir níveis de estresse e melhorar o humor das pessoas. O conceito pode nortear a construção de escolas, centros comunitários e espaços públicos em geral, que incentivam a convivência e a interação social, na contramão do isolamento, um dos fatores que prejudicam a saúde mental. Locais como praças e parques, que promovem encontros, atividades ao ar livre e convivência em comunidade, ajudam a combater a solidão. A arquitetura desses espaços deve levar em consideração a segurança dos usuários, a sociabilidade e a facilidade de orientação. 

Foto: SeventyFour/ Shutterstock

Locais com áreas verdes contribuem para melhorar a saúde física e mental das pessoas, conforme mostra relatório da Agência de Saúde Pública da França. O estudo fez estimativas para três cidades francesas, de diferentes tamanhos: Rouen (481 mil habitantes), Montpellier (492 mil) e Lille (1,17 milhão). A conclusão foi que vegetações nas cidades, mesmo que sejam apenas árvores que margeiam ruas, ajudam a reduzir de 3% a 7% a mortalidade anual. O documento ressalta que são vários os benefícios da vegetação: diminui a exposição a calor e poluição do ar, reduz a sensação térmica durante picos de calor e estimula as interações sociais, com efeito positivo sobre a saúde mental dos moradores. 

Um conceito relacionado com a psicologia do espaço é o de arquitetura terapêutica, aplicada na construção de locais como hospitais e clínicas. São projetos de espaços focados em saúde e bem-estar de pacientes, considerando – assim como a psicologia ambiental – a relação entre o ambiente construído e o comportamento das pessoas. A arquitetura terapêutica prioriza espaços confortáveis, tranquilos e acolhedores, além de utilizar cores suaves, iluminação natural, plantas e obras de arte. 

Em seu trabalho “Arquitetura como Terapia: Centro Oncológico Hematológico”, a arquiteta Beatriz Aparecida Corrêa Souza destaca que, em ambientes do setor de saúde, o processo de tratamento aguça a percepção do paciente em relação ao espaço ao seu redor. “As experiências sensoriais e psicológicas são influenciadas por diversas informações presentes no ambiente, como cenas dolorosas, medos e odores de medicamentos, de doença. O projeto arquitetônico desempenha um papel importante na orientação da percepção do paciente, buscando minimizar os desconfortos naturais associados à situação de doença”. Ela lembra que o estresse causado pela tensão nesses ambientes está relacionado com a dor física e o sofrimento emocional, o que pode desencadear depressão e ansiedade. “Dessa forma, ao projetar ambientes de saúde, é importante considerar a relação entre o indivíduo e o espaço, buscando criar uma atmosfera que proporcione conforto, apoio emocional e sensação de bem-estar. A escolha cuidadosa de materiais, cores, iluminação, integração com o entorno e o design de espaços acolhedores contribuem para estimular a recuperação e melhorar a experiência do paciente durante o processo de tratamento”. 

Público x privado na psicologia do espaço  

No artigo “A Psicologia do Espaço Construído”, o arquiteto Rafael Fernando Falavigna e a psicóloga Angela Maria Bavaresco afirmam que “ao se tratar de sensações, cada indivíduo pode reagir a qualquer estímulo exterior que receber de uma forma completamente diferente. Isso dependerá da informação que estará sendo transmitida, e a forma pela qual a mesma será transmitida, que ao somar-se à personalidade deste indivíduo, repleta de tantas outras informações culturais, sociais ou emocionais, se transformará em uma experiência sensorial única e exclusiva para cada pessoa”. 

Foto: antoniodiaz/ Shutterstock

Os autores explicam que projetos de arquitetura de interiores comerciais, como lojas, restaurantes, supermercados ou hotéis, visam desenvolver uma experiência marcante para os clientes, para que sejam atraídos por aquele ambiente, permaneçam nele e retornem no futuro. “Para que isso aconteça é necessário que o ambiente promova diversas experiências sensoriais marcantes aos seus usuários, obtidas através do conforto visual, odores, músicas, que ativem facilmente a memória de quem desfrutou daquele espaço”.

Por outro lado, eles alertam que quando se trata do conceito de morar na arquitetura, o assunto é mais complexo, por que o bem-estar do usuário precisa ser permanente e, por isso, a arquitetura deve levar em conta a personalidade do cliente, com suas necessidades em relação à sua casa. 

De Bali a Salvador 

Em Salvador, Bahia, o projeto da Escola Parque em Salvador, do arquiteto João Filgueiras Lima (o Lelé) prioriza iluminação natural abundante, áreas de convivência ao ar livre e ventilação cruzada (técnica de ventilação natural que permite a circulação de ar entre aberturas opostas de um ambiente, para melhorar a qualidade do ar e o conforto térmico). O objetivo da iniciativa é tornar a escola um lugar mais agradável fisicamente e contribuir para a saúde e o desempenho dos estudantes.

Do outro lado do mundo, em Bali, Indonésia, o Projeto Green School aplica a psicologia do espaço em uma escola construída com estrutura de bambu, áreas ao ar livre e iluminação natural. A ideia é criar um ambiente que promova a concentração e o aprendizado, com preservação do meio ambiente. 

Ambientes corporativos também podem ser beneficiados pela psicologia ambiental, já que a eficiência e a satisfação dos funcionários podem ser afetadas pelo ambiente de trabalho. Assim, o design dos ambientes corporativos fazem diferença. O escritório do Google em Londres, projetado pelo escritório Norman Foster, tem áreas de descanso com iluminação natural abundante e áreas de colaboração criativas, com intuito de aumentar a produtividade e promover o bem-estar mental e social dos funcionários.

No Rio de Janeiro, o escritório da consultoria de design “Q4” agregou conceitos de psicologia ambiental, com inclusão de áreas verdes internas e utilização de materiais sustentáveis para criar espaços de trabalho que incentivam a interação e o bem-estar dos funcionários. 

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A psicologia do espaço tem se integrado com tendências emergentes na arquitetura e no design, como a sustentabilidade. Um exemplo é o uso do conceito de “biofilia” (conexão entre os seres humanos e a natureza) no design arquitetônico: projetos incorporam vegetação, materiais naturais e vistas para a natureza para priorizar a saúde mental e o bem-estar. O conceito de “design inclusivo” também ganha destaque., busca criar ambientes acessíveis e confortáveis para todas as pessoas, independentemente de suas habilidades físicas ou cognitivas. Projetos que levam em consideração a acessibilidade e a diversidade das necessidades humanas ajudam a criar espaços mais equitativos e acolhedores.

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Cidália Duarte, professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, comenta que “há muito que a psicologia ambiental aprofunda as ligações entre psicologia e outros domínios do saber (antropologia, arquitetura), bem como o impacto das dimensões dos espaços no bem-estar das pessoas e comunidades. Especificamente há estudos sobre o impacto de dimensões como place attachment, place identity, territorialidade, privacidade, percepção ambiental, entre muitos outras em contextos de saúde, educativos, públicos”. 

Para ela, empresas, governos e universidades podem estimular que os espaços sejam projetados e construídos de modo a se considerar a psicologia do espaço. “É fundamental que os diferentes poderes considerem os conhecimentos de um conjunto diverso e multidisciplinar de profissionais que efetivamente possam trabalhar em equipe, durante a realização dos projetos e sua construção”. 

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