A celebração dos 10 anos da Avenida Paulista Aberta, em 2025, transcende o marco temporal. Ela solidifica a importância de políticas públicas que retiram o protagonismo do veículo motorizado para devolvê-lo ao cidadão. O programa Ruas Abertas, que transforma a avenida Paulista, uma das vias mais icônicas de São Paulo em um espaço de convivência e lazer aos domingos e feriados, é o exemplo mais visível de uma tendência urbana com benefícios comprovados em diversas esferas: social, econômica e ambiental.
Ruas abertas por uma cidade mais social e saudável

Um dos impactos mais diretos do fechamento de vias é o resgate do direito constitucional ao lazer e à atividade física em metrópoles complexas. Segundo publicação da Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, a iniciativa amplia o uso e a democratização do espaço público, sendo essencial em grandes cidades. Programas de ruas abertas como em São Paulo buscam essa sinergia para melhorar a qualidade de vida.
A avenida ou rua aberta se estabelece como um espaço crucial de convivência, encontro e manifestação social, cultural e política, fortalecendo o senso de pertencimento à cidade. Um artigo do site Caos Planejado, especializado em urbanismo, destaca que a ressignificação das ruas é fundamental para reafirmar a nossa coletividade.
A transformação é perceptível na vitalidade urbana. Além disso, ao propiciar espaços seguros e inclusivos, programas de ruas abertas como o da Paulista são reconhecidos por estudos da ONU-Habitat como meios reais para a diminuição da desigualdade urbana.
Ruas abertas como impulsor econômico

Contrariando o receio inicial de alguns comerciantes, a abertura das ruas tem se mostrado um vetor de desenvolvimento econômico local, incentivando o chamado “comércio de rua” e a ativação das fachadas. O impacto é comprovado pelo aumento no consumo local.
Uma pesquisa específica sobre o Programa Ruas Abertas, que atinge a Avenida Paulista e, desde 2023, algumas vias do bairro da Liberdade, reforça que mais de 50% dos frequentadores consomem alimentos em restaurantes ou estabelecimentos com acesso à avenida.
De acordo com matéria do Mobilidade Estadão, os comerciantes de São Paulo atestam o benefício das ruas abertas: 80% dos estabelecimentos da Paulista notaram um impacto favorável, com maior volume de vendas aos domingos.
Ruas abertas: símbolo de mobilidade sustentável e ganhos ambientais

A restrição ao tráfego de veículos motorizados gera benefícios ambientais e de mobilidade imediatos. A iniciativa incentiva a adoção de formas de transporte mais sustentáveis como a caminhada e o ciclismo, o que, por sua vez, resulta na melhoria da qualidade do ar. Uma publicação do site Verde Azul Urbanismo aponta que a diminuição da circulação de veículos leva a uma redução na emissão de gases poluentes, impactando positivamente a saúde pública e contribuindo para diminuir a pegada de carbono das cidades.
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Além de contribuírem para a melhoria da qualidade do ar, as Ruas Abertas têm o potencial de reduzir o efeito de ilhas de calor urbanas. Isso se deve ao fato de que o asfalto absorve o calor, elevando a temperatura em até 12 °C quando comparado a áreas verdes próximas, especialmente nos períodos de maior insolação. No entanto, para otimizar a qualidade ambiental, esses espaços poderiam ser aprimorados com mais arborização e a adoção de solos permeáveis. Tais medidas transformariam as vias em verdadeiros refúgios climáticos, ou seja, locais que oferecem abrigo, descanso e promovem o bem-estar da população durante eventos extremos, como as ondas de calor.
Ruas abertas pelo Brasil
O Instituto Caminhabilidade, por meio de um mapeamento colaborativo realizado via formulário online, já identificou 180 ruas em sete estados brasileiros que promovem a abertura de espaços normalmente destinados ao tráfego de veículos para o uso da população.
O sucesso da Paulista aberta, que inspirou o programa “Ruas Abertas” na cidade de São Paulo, mostra que políticas públicas nascidas de movimentos sociais e alinhadas ao urbanismo tático – uma abordagem de planejamento urbano que utiliza intervenções temporárias, rápidas e de baixo custo para transformar espaços públicos com objetivo de testar e melhorar a qualidade de vida, a segurança e a funcionalidade das áreas urbanas, permitindo que soluções sejam validadas antes de se tornarem permanentes, podem resultar em transformações duradouras, consolidando o espaço público como um ativo valioso para o bem-estar e a sustentabilidade urbana.
Ruas abertas pelo mundo

Em Bogotá, na Colômbia, o projeto de ruas abertas, também conhecido como Ciclovía, completou 50 anos e é uma referência mundial. Segundo matéria do Uol, cerca de 1,7 milhão de cidadãos de Bogotá caminham, pedalam, andam de patins ou praticam outras atividades físicas ao longo de 127 quilômetros de ruas livres de carros. Em 2024 a ciclovia ajudou a reduzir o equivalente a 444 toneladas de CO2, de acordo com números fornecidos à Agence France-Presse (AFP).
A capital norueguesa, Oslo, também está firmemente empenhada em se livrar dos carros, dedicando progressivamente mais espaço das ruas a pedestres e ciclistas, o que inclui a conversão de muitas vagas de estacionamento central em faixas para bicicletas. O foco dessas políticas de trânsito em mobilidade sustentável e segurança se mostrou altamente eficaz, culminando em 2019 com a notável marca de zero mortes de pedestres ou ciclistas, como mostrou matéria do jornal O Estado de S. Paulo, que listou mais quatro iniciativas com projetos deste tipo.
Inspirada por cidades vizinhas, Bruxelas, na Bélgica, tem orgulho de ter transformado toda a sua área central em uma vasta zona de pedestres, abrangendo cerca de 50 hectares nos quais os carros estão proibidos de circular. Embora a implementação dessa medida em 2015 tenha gerado alguma impopularidade inicial, o resultado a longo prazo foi um aumento significativo no uso do transporte público pelos habitantes locais.
Pioneira na valorização do espaço público, a capital dinamarquesa, Copenhagen, oferece uma experiência urbana com calçadas amplas e uma extensa rede de pistas exclusivas para bicicletas, incentivando o deslocamento sobre duas rodas desde a criação da rua comercial Strøget em 1962.
Ao longo dos anos, a cidade australiana de Sydney tem consistentemente fechado ruas importantes, como Martin Place e Pitt Street Mall, para a circulação exclusiva de pedestres. Para combater o risco de insegurança em horários de menor movimento, a prefeitura investiu em políticas de embelezamento urbano por meio da arte, além de incentivar festivais para aumentar o apelo e a vitalidade desses locais, complementando a vocação comercial já existente.
Desde iniciativas como o programa “Paris Respira” até a criação de ruas dedicadas a caminhantes em 2017, Paris tem priorizado a melhoria da qualidade do ar e a mobilidade suave em suas regiões centrais. Um destaque é a criação do parque “Rives de Seine” nas margens do Rio Sena, um espaço de lazer com atividades culturais que enfatiza o compromisso da prefeitura em garantir espaços de “respiro” urbanos amplamente disponíveis.
Além dessas cidades, existem diversas outras espalhadas pelo mundo que seguem o mesmo modelo de abrir as ruas para o lazer. Segundo publicação do Arch Daily, na pandemia, Nova Iorque, Montpellier, Cidade do México, Calgary e Londres foram algumas das cidades a investirem em iniciativas que otimizam o uso do espaço público para ciclistas e pedestres.