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Agricultura urbana pode ajudar a alimentar 10 bilhões de pessoas
Fazenda vertical, horta urbana e teto verde são respostas das cidades a desafios colocados pela crescente demanda por alimentos.
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Redação em 16 de novembro de 2023 5minutos de leitura
O planeta tem hoje cerca de 8 bilhões de pessoas distribuídas em seis continentes, segundo cálculo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA/ONU) divulgado em novembro de 2022. Mas a projeção é de que a população mundial chegue a 10 bilhões até o fim do século 21. Embora o ritmo de crescimento esteja menor desde 1950, o mundo com esse contingente de pessoas juntamente aos problemas climáticos que já se apresentam traz questões desafiadoras. Entre elas: como alimentar toda essa população sem ampliar as novas áreas cultiváveis e sem (mais) prejuízos socioambientais, tendo, de um lado, o crescimento desordenado das cidades e, por outro, a escassez de áreas rurais? Transformar o papel das cidades, de problema para parte da solução, é um dos caminhos possíveis, graças ao avanço da agricultura urbana.
Agricultura urbana, do campo para o shopping
O professor de Engenharia de Biorecursos da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, Chandra A. Madramootoo sugere a produção de alimentos a partir do aproveitamento de áreas urbanas e periurbanas (espaços imediatamente ao redor de um município). Ele diz que as árvores nessas áreas podem fornecer alimentos e sombra; ajudar a resfriar o entorno; e sequestrar carbono. E que o cultivo também pode ser feito em telhados, casas sombreadas e até túneis (em países onde há geada), além de fazendas verticais em armazéns ou prédios.
Aproveitar áreas como as elencadas por Madramootoo para produzir alimentos é o que faz a startup brasileira BeGreen, que criou um modelo de plantações em lugares como pátios industriais e shoppings centers nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Uma das hortas, por exemplo, fica dentro de uma fábrica da Mercedes-Benz. Há também plantações em shoppings no Rio de Janeiro/RJ e em Salvador/BA, além de uma em cima do edifício-sede da empresa iFood, em Osasco, região metropolitana de São Paulo. É um modelo ganha-ganha, uma vez que a BeGreen consegue ficar mais perto do mercado consumidor e as empresas que abrigam hortas internas contam com a ajuda do cultivo das hortaliças para reduzir a emissão de gás carbônico.
Já a prefeitura do Rio de Janeiro almeja que a cidade tenha a maior horta urbana do mundo, com 110 mil metros quadrados, no Parque Madureira, Zona Norte da capital. A meta é produzir alimentos para mais de 50 mil famílias por safra, a partir da expansão do cultivo de hortaliças que já é feito em terrenos municipais.
Solução vertical
Já em 1989 o biólogo Dickson Despommier, professor da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, criou o conceito de fazendas verticais, atribuindo a elas a capacidade de ajudar a combater a fome e a garantir alimentos para gerações futuras. Mas uma civilização antiga já usava um modelo similar em seus famosos jardins suspensos: os babilônios, que viveram no século XVIII a.C. na região centro-sul da Mesopotâmia, hoje uma região do Iraque.
Hoje exemplo bem-sucedido de agricultura urbana, a fazenda vertical consiste no cultivo de espécies vegetais em áreas verticais geralmente fechadas (como prédios ou galpões) em centros urbanos, por meio de instalações automatizadas e condições ambientais 100% monitoradas. Todos os fatores ambientais são controlados – luz artificial, umidade e temperatura – para criar um ambiente adequado para cada espécie. Em vez de terra, sistemas hidropônicos.
Críticos do modelo, no entanto, alegam que a instalação usa muita energia para iluminação artificial, aquecimento e outras operações – energia em quantidade muito maior do que a necessária em estufas comuns, o que aumenta custos ambientais e financeiros. A depender do método de geração de eletricidade usado, a agricultura urbana vertical pode levar a uma maior emissão de gases do efeito estufa do que a produção no campo, afirmam especialistas.
Outro desafio é o investimento inicial na infraestrutura necessária para uma fazenda-vertical, tema de reportagem da revista Forbes, que chama atenção para o relatório Healthy Shake-up of US Indoor Farming, de setembro de 2023, em que o analista sênior de produtos frescos do Rabobank, Almuhanad Melhim, e o estrategista global de produtos frescos do banco, Cindy van Rijswick, alertam que nos últimos seis anos, a indústria de fazenda-vertical “passou de um ímã de dólares a um cemitério de empresas falidas no valor de algumas centenas de milhões de dólares.” Segundo eles, “desde o final de 2022, a indústria agrícola indoor de alta tecnologia tem visto uma série de encerramentos e/ou dificuldades financeiras entre alguns dos seus pesos pesados e pioneiros. Nos Estados Unidos, empresas do setor pediram concordata ou falência.
Na contramão, defensores do modelo ressaltam que a fazenda vertical tem a vantagem de não usar agrotóxicos e de não prejudicar nem o meio ambiente, nem o corpo humano. Afirmam, ainda, que ela ajuda, sim, a reduzir a emissão de gases do efeito estufa porque demandam menos viagens de caminhões para transportar os alimentos, uma vez que são produzidos em locais próximos aos consumidores – o que também garante produtos mais frescos nas residências.
A produtividade, por sua vez, é apontada como sendo maior do que a da agricultura tradicional, já que o plantio é viável em todas as épocas do ano, sem ser afetado por intempéries da natureza, como temperaturas extremas, quantidades de chuva não ideais, granizo, tornados, inundações, incêndios ou secas.
Na questão do uso de água, a vantagem também é da fazenda vertical. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a agricultura convencional responde por 70% da exploração global de água doce, ao passo que a vertical usa até 95% menos água.
Verde e rosa
A primeira fazenda vertical do mundo foi implantada em 2009, em Singapura, pela empresa Sky Greens. Aliás. No Brasil, a pioneira em fazenda vertical é a startup Pink Farms. A empresa foi criada em 2016, na capital paulista, e seu nome foi inspirado no sistema de iluminação artificial gerado por LEDs de alta potência na cor rosa. A Pink Farms produz hortaliças vendidas em algumas lojas de redes como Carrefour e GPA, com preço intermediário entre o produto tradicional e o orgânico. A colheita leva de 28 a 40 dias, enquanto em produção convencional o período é de 60 a 90 dias. Eles não utilizam agrotóxico. O uso de água é reduzido em 95%, e o de fertilizantes, em 60%.
“O cultivo tradicional (…) é um método muito parecido com o que era feito há 200, 300 anos, no sentido de que não temos controle sobre as variáveis de cultivo”, disse o cofundador da Pink, Geraldo Maia, durante o Fórum E-Commerce Brasil 2023. Ele se referiu a chuvas e secas, por exemplo, que levam a perdas de produção. “É muito difícil que o ciclo produtivo esteja constante e uniforme [na lavoura tradicional], você fica muito dependente”.
O conceito de teto verdetambém foge do cultivo tradicional e é uma solução que ressignifica áreas urbanas pouco aproveitadas. A startup israelense Bing Klima criou um sistema que associa o cultivo hidropônico de hortaliças em telhados verdes de casas e edifícios com a geração de energia limpa, ajudando a reduzir custos de manutenção e eletricidade. O sistema para tetos verdes é formado por um kit que integra centrais e painéis fotovoltaicos, transformando as coberturas numa fonte de energia e de produtos agrícolas. O telhado verde também ajuda a diminuir ilhas de calor, absorver água da chuva, melhorar a qualidade do ar, controlar níveis de ruídos e atrair biodiversidade.
Dessa forma, instrumentos como fazenda vertical, horta urbana e teto verde são exemplos concretos e viáveis de combinação de pesquisa com inovação para enfrentar e vencer o desafio do abastecimento alimentar global.
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