A arquitetura hospitalar geralmente nos remete a paredes brancas, ambientes frios e impessoais. Mas uma instituição hospitalar no município de Campina Grande, interior da Paraíba, mostra que isso não precisa — e nem deveria — ser regra. Ao proporcionar ambientes mais coloridos e humanizados para pacientes, funcionários e visitantes, o Hospital de Ensino e Laboratórios de Pesquisa (HELP) foi premiado no Brasil e no exterior. Com base no design centrado no ser humano, por trás de cada escolha há os conceitos de biofilia e neuroarquitetura.
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Arquitetura hospitalar… e transformadora

O projeto arquitetônico assinado pelo escritório Contemporânea Health Design – especializado em projetos para saúde, educação e corporativos – foi concebido a partir de uma visão que coloca as necessidades humanas no centro do processo de design. “Essa iniciativa surgiu no início do projeto, com uma abordagem de Human Centric Design. Acreditamos que um ambiente bem projetado pode ter um impacto significativo na saúde e no bem-estar das pessoas. É isso que buscamos alcançar no HELP”, destaca a arquiteta cofundadora do escritório Carolina Gadelha.
Assim, os 30 mil m² de área construída foram planejados para ajudar a melhorar o bem-estar, a saúde e a produtividade das pessoas. Utilizando-se de elementos da arquitetura biofílica, a natureza foi integrada ao espaço, visando promover a conexão entre as pessoas e o meio ambiente. Aproveitamento máximo de luz natural, uso de vegetação, água e outros materiais naturais, como madeira e pedra, foram alguns dos elementos escolhidos e aplicados estrategicamente para criar um ambiente terapêutico e fazer da instituição filantrópica mantida pela Fundação Pedro Américo um instrumento de transformação.

A iluminação natural se destaca. Grandes janelas permitem a entrada da luz solar, trazendo benefícios psicológicos e fisiológicos para os usuários. Além disso, possibilitam a integração entre os espaços internos e externos, com vegetação abundante, ao redor do hospital. E ainda garantem o benefício de economizar energia.

A natureza não está presente apenas pelas janelas. Jardins internos, que ocupam aproximadamente 450 m², são elemento central do projeto do HELP. A enfermaria do setor que atende ao Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, tem uma ilha cercada por jardins. Uma forma de garantir que a natureza esteja sempre presente no dia a dia. “Os princípios da biofilia nos guiaram na integração de elementos naturais ao ambiente construído — desde jardins internos e grandes aberturas que permitem a visão para áreas verdes até a escolha de materiais com apelo sensorial mais orgânico. Os jardins possuem acesso aos pacientes, inclusive com mobilidade reduzida, sendo utilizados como alternativas nos tratamentos que permitem o contato com ambientes naturais, além da contemplação a partir de ambientes internos controlados”, explica a arquiteta Andreia Oliveira, que atuou no projeto ao lado de Carolina e do arquiteto Eric Roberto dos Santos.
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Luzes e cores, arquitetura hospitalar para curar
Já os princípios da neuroarquitetura estão representados pelo uso de Luz e cores. Por meio desta área de estudo que combina neurociência com arquitetura para projetar espaços que considerem o impacto do ambiente sobre o cérebro humano e o bem-estar, o objetivo foi criar ambientes que estimulem as saúdes mental e física, usando elementos como luz, cores, materiais e organização do espaço. A paleta de cores, materiais e texturas foi cuidadosamente selecionada para criar um ambiente terapêutico e agradável para todos.
Na ala da pediatria, por exemplo, foram criados ambientes lúdicos que estimulam a cognição e a criatividade das crianças, além de reduzirem o estresse. Uma preocupação também foi oferecer conforto e acolhimento para a equipe médica, com espaços de descanso e convivência que contribuem para o bem-estar no trabalho.

“Ao aplicar os conceitos de neuroarquitetura, os espaços são detalhados pensando em cada estímulo sensorial que possa ser conduzido ao objetivo de cura, tais como o melhor aproveitamento da luz natural, que permite modular o ritmo circadiano dos pacientes e equipes; a variação de cenas da iluminação com temperaturas de cor e classificações distintas para usos em momentos diferentes ao longo do processo; o uso das cores e acabamentos de materiais de superfícies e mobiliários, além de texturas e elementos complementares à função principal dos espaços, remetendo à memória de lugares mais confortáveis, desassociando-os da referência hospitalar onde, historicamente, predomina a cor branca; além da organização dos espaços, que influencia o estresse e a cognição”, esclarece Andreia.
“A escolha de elementos de biofilia e neuroarquitetura foi motivada pela nossa visão de um hospital que vai além do tratamento médico tradicional. Queríamos criar um ambiente que restaurasse, acolhesse e confortasse as pessoas, tanto pacientes, quanto funcionários”, complementa Carolina, que liderou a estratégia, o projeto e a implementação do Hospital de Ensino e Laboratórios de Pesquisa.
Complexidade
Mas para Andreia, fazer parte da equipe que projetou o Hospital também foi uma experiência profundamente transformadora e desafiadora. “Desde a definição do conceito, tivemos como diretriz que não se tratava apenas de projetar mais um edifício de saúde, mas sim de criar um espaço com o design centrado no paciente, permitindo que a arquitetura complementasse o processo de atendimento, sendo capaz de acolher, cuidar e curar”.

Ela revela que um dos grandes desafios foi equilibrar a complexidade da proposta de hospital com a alta performance tecnológica, com suas exigências normativas e controles de qualidade e redução dos riscos de contaminação, com uma proposta projetual focada no bem-estar humano. Segundo ela, conceitos isolados de biofilia e neuroarquitetura já haviam sido explorados em projetos anteriores, principalmente no que diz respeito ao conforto ambiental e à humanização de espaços. “No entanto, o projeto do HELP tornou-se referência para o nosso portfólio por nos permitir integrar ao partido arquitetônico e aplicar esses princípios de forma mais estratégica e profunda, desde as definições iniciais de implantação e volumetria até o detalhamento dos interiores, sendo nitidamente perceptível ao usar os espaços e garantindo excelência e qualidade que são marcas do nosso trabalho”.
Para ela, o projeto reflete a integração de espaços eficientes, funcionais e acolhedores por meio de uma arquitetura capaz de impactar positivamente as pessoas, inclusive, como aliada na promoção do bem-estar físico, mental e emocional, principalmente em contextos tão sensíveis como o hospitalar.
Tecnologia e eficiência
Para otimizar o consumo de recursos naturais e energéticos, o Hospital de Ensino e Laboratórios de Pesquisa utiliza tecnologias avançadas para a gestão de seus sistemas e subsistemas, incluindo rede de captação e armazenamento de águas pluviais, sistema de irrigação, sistema inteligente de ar condicionado (renovação de ar, exaustão e resfriamento com pressões negativa e positiva) e sistema pneumático de transporte e distribuição de medicamentos e insumos. Uma rede de tubos interliga todos os setores, o que torna a logística segura e rápida.
A unidade também tem uma central solar própria, concebida para suprir 100% da necessidade energética do edifício. O dinheiro economizado na faturaé destinado ao apoio a serviços assistenciais, especialmente na área da pediatria.

Uma inovação no HELP é a concepção dos fluxos e da estrutura funcional. O hospital foi projetado para atender a públicos distintos (pacientes do SUS, pacientes particulares, estudantes e pesquisadores) sem comprometer o conforto de cada um. Para isso, foi criado um eixo central que conecta áreas de acesso independente ao núcleo de serviços compartilhados, como centro cirúrgico, UTI e diagnóstico. Essa solução garante que cada público tenha seu próprio fluxo, o que evita cruzamentos e otimiza a experiência de todos.
Com essas iniciativas, a arquitetura hospitalar do HELP ganhou o prêmio International Architecture & Design Awards 2023 (ficou em primeiro lugar na categoria Edifícios para Saúde) e foi finalista no World Architecture Festival 2023 (categoria Arquitetura e Engenharia). Também recebeu a premiação nacional Excelência em Saúde 2024, concedido pelo Grupo Mídia para homenagear as instituições de saúde que mais se destacaram em 12 meses.