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Asfalto com cinza de bagaço de cana pode tornar estradas mais resistentes
Estudo brasileiro revela que resíduos da produção de cana-de-açúcar podem transformar o asfalto, melhorando a durabilidade das rodovias.
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Redação em 2 de janeiro de 2025 4minutos de leitura
Foto: CHOTE BKK/ Shutterstock
O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. E a produção brasileira do insumo na safra 2023/2024 bateu recorde, com 713,2 milhões de toneladas, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O volume cresceu 16,8% em relação ao ciclo passado. A cana é utilizada para produzir açúcar, caldo, bebidas alcoólicas, produtos medicinais e biocombustíveis como etanol e biometanol, alternativas sustentáveis aos combustíveis fósseis, principais responsáveis pelos gases de efeito estufa, que levam ao aquecimento global e às alterações climáticas.
Os subprodutos e resíduos da plantação também têm outras finalidades, como fabricação de ração animal e de fertilizante para lavouras. Além disso, mais uma aplicação foi descoberta em 2024 por pesquisadores da Universidade Federal de Maringá: no preparo do asfalto que pavimenta ruas e rodovias, componentes minerais podem ser substituídos por cinza do bagaço de cana.
Publicado na revista Nature e intitulado Functional and structural assessment of an experimental section gap graded modified with sugarcane bagasse ash, o estudo revela que, adicionada às misturas asfálticas, a cinza de bagaço de cana (em inglês, SCBA, sugar cane bagasse ash) aumenta a resistência e a durabilidade do material e, ao mesmo tempo, ajuda a reduzir o impacto sobre o meio ambiente porque reutiliza um resíduo que antes seria descartado e diminui necessidade de extração de materiais como pedras e minerais para fabricar asfalto – extração essa que emite gás carbônico.
Carga pesada
A pavimentação de rodovias é essencial para o desenvolvimento da infraestrutura e da economia de um país, especialmente para o Brasil, onde o sistema de transporte prioritário é o rodoviário. Por isso é fundamental melhorar a qualidade das estradas – e a abordagem inovadora de aplicar cinza de bagaço de cana, produto em abundância no Brasil, pode contribuir para isso.
Segundo a pesquisa da Universidade Federal de Maringá, 55% das rodovias brasileiras têm algum tipo de defeito, como buracos e trincas, o que é agravado pela carga pesada dos veículos e pela falta de manutenção. Ao mesmo tempo, a produção de cana-de-açúcar no país gera uma quantidade imensa de SCBA, que, ao ser queimado nas usinas, produz toneladas de cinza, que é descartada em sua maior parte, sem aproveitamento. O estudo estima que na safra de 2022/2023, por exemplo, o Brasil gerou mais de 3 milhões de toneladas de cinza de bagaço.
Os pesquisadores recomendam a substituição de 5% dos agregados minerais tradicionais da mistura asfáltica por SCBA para melhorar o desempenho mecânico do asfalto, já que o subproduto da cana tem propriedades que podem aumentar a resistência e a durabilidade da pavimentação.
Teoria e prática
Os resultados do estudo animaram os pesquisadores na teoria e na prática. Isso porque os testes de laboratório mostraram que a mistura modificada apresentou aumentos de 40% na resistência da estrutura e de 22% na resistência à tração, o que contribui para a durabilidade do asfalto sob tráfego intenso. Quando aplicado em um trecho da rodovia BR-158, que liga o norte ao sul do Brasil e tem fluxo intenso de veículos pesados, os resultados de campo também surpreenderam positivamente. O Módulo de Resiliência, que mede a capacidade do material de retornar à sua forma original após a passagem de veículos, aumentou em 18%. A resistência à deformação permanente também melhorou em 73%, indicando que a mistura com SCBA é menos suscetível à formação de defeitos.
A solução atende a outro desafio, que é reutilizar resíduos agrícolas. O reuso de um subproduto agrícola que seria descartado ajuda a reduzir a extração de materiais virgens, como pedras e minerais, o que diminui também a emissão de carbono e o impacto ambiental da construção de estradas. Esse novo destino do SCBA também ajuda a reduzir custos da produção de asfalto, já que a cinza é mais barata do que os materiais tradicionais (minerais).
O estudo frisa que “A importância do transporte rodoviário e o imperativo de melhorar a rede existente são evidentes. Por um lado, há uma deficiência na qualidade da infraestrutura rodoviária; por outro lado, há abundante disponibilidade de materiais alternativos que podem oferecer benefícios por meio de sua aplicação, incluindo melhorias de desempenho, redução de custos e utilização de resíduos de vários processos”.
Fiel da balança
Para implementar essa solução em larga escala no Brasil, pode-se pensar em novas empresas recicladoras que utilizem o bagaço como matéria-prima e dar incentivo fiscal para as empresas (usinas) que geram o bagaço em implementar no seu sistema a geração da cinza, o que não é difícil. Essa é a avaliação de Rogério Machado, especialista em Meio Ambiente e professor de Química da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade São Bernardo.
“O mais difícil é a produção com a cinza. A estratégia para o início do uso deve ser bem calculada, pois a minimização da distância entre a matéria-prima, a cinza e as produtoras de massa asfáltica pode ser o ponto crítico nesta produção. A ajuda com incentivos fiscais pode ser o fiel da balança para viabilização do processo, o qual pode ser de interesse mundial, principalmente nos países que produzem cana”.
Por outro lado, ele alerta que, como produzir a cinza envolve combustão e, portanto, geração de gás carbônico, o processo pode ser poluente. “Mas, levando em consideração que a inserção das cinzas pode diminuir muito o uso de outras matérias-primas que, na sua exploração e produção, geram muito gás carbônico, apenas por aí, já temos um ganho significativo na diminuição na geração de CO2. Lembrando que o bagaço de cana é um problema ambiental sério, também estamos destinando algo que era inservível, para um fim nobre, e principalmente sustentável. Neste sentido, a produção de cana consegue uma sustentabilidade do mais alto grau, ou seja, praticamente tudo é aproveitado, o que caracteriza o verdadeiro significado da sustentabilidade ambiental. Lembrando também que a cinza ficará no material asfáltico e não irá poluir o meio ambiente, pois estará encapsulada”.
Assim, o uso de cinza de bagaço de cana-de-açúcar é uma oportunidade promissora – e viável – para atender ao desafio de melhorar as estradas e de torná-las mais sustentáveis.
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