De problema a solução: CO2 pode virar recursos valiosos

Tecnologias de captação de CO2 estão impulsionando uma revolução que transforma o gás em combustíveis e até em diamantes.

Por Redação em 16 de outubro de 2023 7 minutos de leitura

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O dióxido de carbono (CO2) tem uma série de aplicações possíveis em diferentes segmentos da economia, mas tem tido presença cada vez mais marcante nos noticiários por conta de uma faceta negativa: sua contribuição para o efeito estufa. Tanto que a corrida para conter o aquecimento global até 2030 tem, por um lado, zerar suas emissões e, por outro, capturá-lo. Mas e se fosse possível ir além e transformar a captação de CO2 em uma fonte de produtos de valor?

A boa notícia é que essa hipótese está se tornando uma realidade palpável, graças a cientistas, engenheiros e empreendedores, que estão unindo forças para desenvolver tecnologias avançadas de captura e conversão de CO2 – uma revolução que vai além da redução das emissões, criando um ciclo virtuoso em que um dos gases de efeito estufa mais conhecido se torne um ativo valioso, matéria-prima até mesmo para a produção de diamantes.

Embora a ideia de criar diamantes a partir do ar que respiramos pareça ser tirada de um conto de ficção científica, ela já é realidade. A empresa suíça Climeworks emprega a tecnologia de Captação Direta de Ar (DAC) para retirar CO2 da atmosfera e transformá-lo em uma variedade incrível de produtos, incluindo gemas brilhantes. 

Como o CO2 dá origem a diamantes?

Enormes aspiradores retiram o ar da atmosfera. Um filtro especial então captura o dióxido de carbono e outros poluentes. O CO2 é transportado para uma instalação na Europa, onde se converte em metano de hidrocarboneto, que serve como matéria-prima.

Esse metano é, então, enviado para o reator da joalheria nova-iorquina Aether, localizado em Chicago, onde altas temperaturas e pressões extremas possibilitam a criação dos diamantes. Basicamente, o processo que naturalmente levaria um milhão de anos para criar um diamante é comprimido em cerca de três a quatro semanas dentro de um laboratório. 

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A Aether assegura que os diamantes cultivados em laboratório são praticamente indistinguíveis, tanto em termos químicos quanto visuais, dos diamantes extraídos de minas naturais. A única maneira de detectar a diferença é por meio de uma análise química mais profunda. Além disso, as gemas são certificadas pelo Instituto Gemológico Internacional, assim como seus homólogos naturais.

Captação de CO2 cria recursos de valor

Foto: Keystone/Gaetan Bally/ Reprodução Site epbr

Embora a captação de CO2 da atmosfera seja um desafio técnico e financeiro considerável, a Climeworks está conseguindo tornar a extração do gás uma empreitada comercialmente viável.

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No centro de reciclagem situado em Hinwil, localizado a meia hora de distância de Zurique, encontra-se uma fileira de 18 ventiladores que se alinham ao teto. Os dispositivos extraem o ar ambiente, mas também são dotados de filtros revestidos com produtos químicos especialmente formulados para a captação de CO2 de maneira precisa e eficiente. A instalação tem a capacidade de capturar até 900 toneladas de CO2 anualmente.

À medida que esses filtros atingem a capacidade máxima e ficam saturados, eles são retirados e aquecidos a 100º C, aproveitando o calor gerado pela própria usina de reciclagem. Do processo resulta-se o dióxido de carbono puro, que é coletado e armazenado. Atualmente, o gás obtido é vendido para uma estufa local, onde desempenha um papel vital no crescimento de plantas, a um preço de, aproximadamente, US$ 600 (cerca de R$ 1.970) por tonelada. 

A empresa justifica o custo inicial mais elevado devido ao fato de ter fabricado todos os componentes do dispositivo desde o início. No entanto, eles têm confiança de que os custos diminuirão na medida em que a produção se expandir, tornando a inovação um empreendimento comercialmente viável e sustentável. 

Solução de baixo custo na captação de CO2 da atmosfera

Já a empresa Carbon Engineering, de British Columbia, no Canadá, afirma conseguir extrair o dióxido de carbono da atmosfera por menos de US$ 100 por tonelada, cerca de R$ 500. 

Foto: CARBON ENGINEERING/ Reprodução Site IEEE Spectrum

A companhia está se preparando para construir estruturas industriais de grande porte, projetadas para a missão de limpar o dióxido de carbono da atmosfera. Essas instalações de captura de gases nocivos têm o potencial de retirar até um milhão de toneladas de CO2 da atmosfera por ano. 

O processo desenvolvido pela Carbon Engineering envolve literalmente “sugar” o ar da atmosfera e expô-lo a uma solução química capaz de concentrá-lo. Submetido a processos adicionais de refinamento, o gás é purificado para ser posteriormente armazenado e transformado em um combustível líquido e até em pedras preciosas. 

CO2 também pode dar origem a combustíveis sustentáveis

Na Universidade de Cambridge, localizada na Inglaterra, um avançado reator alimentado por energia solar é o tipo de solução três em um que merece destaque pelo seu poder revolucionário no conceito de economia circular. Ele converte CO2 e resíduos plásticos em combustíveis sustentáveis.

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Rwator Energia Solar – Foto: Universidade de Cambridg

Em um artigo publicado na revista científica Nature Synthesis, a equipe responsável pelo projeto detalha o funcionamento do sistema fotoeletroquímico, destacando sua capacidade de transformar subprodutos de elevado impacto ambiental em materiais úteis e sustentáveis, com a flexibilidade de trabalhar com múltiplas fontes de recursos simultaneamente.

Em experimentos conduzidos pelos pesquisadores, o sistema demonstrou sua eficácia ao converter garrafas plásticas e CO2 em diversos tipos de combustíveis e outros compostos de alto valor, como o gás sintético, um componente essencial dos combustíveis líquidos sustentáveis, e o ácido glicólico, um produto químico amplamente utilizado pela indústria de cuidados com a pele.

“Uma tecnologia movida a energia solar que pode ajudar a lidar com a poluição plástica e os gases do efeito estufa ao mesmo tempo pode ser um divisor de águas no desenvolvimento de uma economia circular”, disse em comunicado Subhajit Bhattacharjee, pesquisador da Universidade de Cambridge e coautor do estudo. 

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O reator em questão é dividido em dois compartimentos, cada um com uma finalidade. Um dos compartimentos é projetado para lidar com os gases de efeito estufa, enquanto o outro é dedicado aos resíduos plásticos. O segredo por trás desse avanço é a sinergia entre um catalisador químico e uma célula que absorve luz, conhecida como perovskita, que, de acordo com os pesquisadores, surge como uma alternativa promissora ao silício nas células solares de próxima geração.

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Uma descoberta promissora

No estado norte-americano do Tennessee, outros pesquisadores encontraram uma maneira de transformar o CO2 em etanol. A invenção está agora documentada em um artigo científico publicado pelos pesquisadores no periódico ChemistrySelect.

De acordo com a revista especializada norte-americana Popular Mechanics, os cientistas do Laboratório Nacional de Oak Ridge alcançaram esse feito usando elementos simples e abundantes na natureza, como carbono e cobre, aliados à nanotecnologia. A combinação resultou em um processo eletroquímico eficiente e de baixo custo, que pode ser facilmente reproduzido em grande escala.

Outra vantagem do método é que a obtenção do etanol pode ocorrer em temperatura ambiente. Isso elimina a necessidade de consumir grandes quantidades de energia para aquecer o processo, reduzindo consideravelmente os custos de produção. 

Já estão em curso novas pesquisas com o objetivo de aprimorar a tecnologia recentemente descoberta. Caso os cientistas alcancem êxito, pode haver a perspectiva de uma implementação em larga escala da captura de carbono em um futuro próximo.

Captação de CO2: entre a esperança e a preocupação ambiental

Essas tecnologias de captura de carbono do ar tem despertado otimismo entre alguns ativistas ambientais, enquanto outros estão preocupados com seu potencial uso para prolongar a dependência dos combustíveis fósseis. O CO2 tem a capacidade de ser empregado na recuperação de petróleo de poços que já atingiram o fim de sua fase de produção primária.

Nos Estados Unidos, a indústria de petróleo e gás adota essa estratégia há muitos anos. Calcula-se que a utilização de CO2 possa levar a um aumento de até 30% na extração de petróleo.

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“É crucial que trabalhemos coletivamente para uma transição completa longe dos combustíveis fósseis. A captura de CO2 nos oferece uma falsa esperança de que podemos continuar a extrair e queimar combustíveis fósseis, contando com a tecnologia para resolver o problema. Já ultrapassamos esse estágio”, alerta Tzeporah Berman, diretora internacional da ONG Stand, dedicada à defesa do meio ambiente. 

Outros ambientalistas também temem que a tecnologia de captura de CO2 possa levar as pessoas a acreditarem erroneamente que não precisam mais reduzir suas próprias emissões de carbono. 

De modo geral, a busca por tecnologias capazes de remover o dióxido de carbono da atmosfera está ganhando impulso, respaldada pelo crescente apoio da comunidade científica. Esse movimento ganhou ainda mais força após o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o órgão das Nações Unidas encarregado de avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas. 

Nesse relatório, divulgado em abril de 2022, o IPCC enfatiza a importância da remoção de CO2 como um meio de alcançar a meta crítica de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius neste século. O documento destacou que a “implantação de CDR (Captura e Remoção de Dióxido de Carbono) para compensar as emissões residuais difíceis de reduzir é inevitável.”

Embora uma parte significativa do CO2 capturado possa ser armazenada em locais subterrâneos ou nos leitos oceânicos, um setor em crescimento está buscando maneiras inovadoras de utilizar esse elemento nas cadeias de produção. Este é um sinal promissor de que, além de mitigar os impactos das mudanças climáticas, o mundo caminha em direção a uma economia mais consciente e inovadora, onde o CO2 não é apenas um problema, mas uma oportunidade para a transformação.