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Cidade-edifício do Alasca abriga 73% da população de Whittier
No Alasca, o Begich Towers se destaca como uma cidade-edifício, abrigando 73% da população e proporcionando serviços essenciais para todos.
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Redação em 17 de outubro de 2023 7minutos de leitura
Em uma remota cidade do Alasca, conhecida como Whittier, uma singular configuração urbana desafia as convenções e define a vida dos seus habitantes. A grande maioria da população deste município se estabeleceu em uma cidade-edifício que se tornou um ícone local, o condomínio Begich Towers. Esta construção abriga aproximadamente 73% da população, de acordo com os dados mais recentes do Censo dos Estados Unidos, conduzido em 2020, que registrou um total de 272 pessoas chamando Whittier de lar.
O Begich Towers é muito mais do que um simples complexo de apartamentos. Ele é o epicentro da vida cotidiana em Whittier, proporcionando uma ampla gama de serviços e comodidades que garantem a funcionalidade da cidade em um ambiente que, de outra forma, seria desafiador devido ao rigoroso clima e à isolada localização geográfica.
O passado militar do prédio do Alasca
Em 1941, Simon Bolivar Buckner Jr., Comandante Geral do Comando de Defesa do Alasca, estava em busca de um local adequado para estabelecer uma instalação militar secreta destinada ao transporte de tropas e suprimentos para as estratégicas bases de Anchorage e Fairbanks, onde aeródromos e instalações militares vitais estavam em construção.
Whittier atendia a três critérios essenciais: possuía acesso a um porto de águas profundas não sujeito a congelamento, oferecia uma proteção natural contra ataques aéreos devido às montanhas circundantes e apresentava uma topografia desfavorável para a detecção por radar.
A unidade militar resultante recebeu a designação H-12 e abrigou mais de 1,2 mil pessoas. Sua existência foi mantida em sigilo absoluto; civis e fotógrafos não tinham permissão para adentrar as instalações. Além do quartel, a instalação incluía um refeitório, um teatro ou capela, todos construídos em madeira, além de infraestrutura ferroviária e um porto.
Após o término da guerra em 1945, houve planos para desmantelar a infraestrutura. Contudo, um acontecimento inesperado mudou o curso da história: o início da Guerra Fria com a União Soviética, em 1947, levou o exército dos Estados Unidos a tomar a decisão de fortalecer a presença militar em Whittier. Novos planos foram elaborados para acomodar mais de 1 mil membros das forças armadas nesta que viria a ser chamada de “cidade sob o mesmo teto”.
O resultado desse empreendimento foi a construção do edifício Buckner, com seis andares e instalações que incluíam até uma pista de boliche e uma prisão. Em 1957, outro marco foi erguido: o edifício Hodge, com 14 andares, projetado para acomodar um número ainda maior de militares.
No entanto, o processo de retirada militar começou em 1964, quando um terremoto devastador causou danos consideráveis ao porto e à ferrovia. Embora o edifício Hodge tenha continuado a ser usado (sendo posteriormente renomeado como Begich Towers), o Buckner foi abandonado.
Após o término da guerra e as mudanças nas necessidades de defesa, as instalações militares perderam sua relevância. Em vez de abandonar Whittier, as autoridades tomaram uma decisão visionária. Decidiram transformar essas instalações militares em um espaço habitável, adaptando o Begich Towers para acomodar os moradores locais. O edifício acabou sendo transformado em um complexo residencial com 197 apartamentos e instalações de uso público.
As imponentes Torres Begich, embora não se destaquem por sua arquitetura, constituem uma estrutura colossal composta por três módulos interconectados, cada um contando com 14 andares, que abrigam uma impressionante variedade de serviços e instalações. Nos andares superiores há um total de 197 apartamentos, proporcionando moradia aos habitantes da cidade, além de áreas comerciais e escritórios, e até uma pequena clínica médica, oferecendo cuidados de saúde acessíveis à comunidade.
Entre os serviços essenciais que compõem o cenário cotidiano do edifício estão, ainda, os correios, a mercearia, a delegacia de polícia e o gabinete do prefeito. Além disso, uma pequena igreja metodista está localizada no local, proporcionando um espaço espiritual para os moradores. Também estão disponíveis uma lavanderia e um hotel nos pisos 13º e 14º.
Para as cerca de 50 crianças que vivem no edifício, uma escola está convenientemente conectada através de um túnel subterrâneo, garantindo acesso seguro à educação. Toda essa complexa rede de corredores e elevadores interliga os diversos espaços do edifício, proporcionando uma experiência única de vida na “cidade-edifício” que é Whittier.
Em uma entrevista para a CBS News, a professora Lindsey Erk, que se mudou da Dakota do Sul para ensinar na região, enfatizou que as crianças recebem o apoio necessário. “Aqui, nenhuma criança pode simplesmente se esconder no fundo da sala de aula e não fazer nada. Cada criança é reconhecida. É essa sensação que me motiva e é por isso que desejo continuar aqui”.
De acordo com a professora, todos cuidam de todos. Geralmente, os professores se encarregam de preparar o café da manhã para as crianças, e durante a pandemia de COVID-19, a refeição foi entregue diretamente às portas dos alunos. “Somos uma comunidade pequena demais para operar de forma isolada”, observou Erk.
A vida como ela, no edifício-cidade, passou a ser compartilhada no TikTok pela moradora Jenessa. Em pouco tempo, seus vídeos conquistaram milhões de visualizações, acompanhados por quase o mesmo número de perguntas dos espectadores. Ela diz que a comunidade no edifício é tão acolhedora que a tristeza parece distante e sempre há alguém com quem trocar ideias e conversar.
Com os serviços públicos e comodidades convenientemente acessíveis em um único local, os moradores podem desfrutar de uma qualidade de vida que, de outra forma, seria difícil de alcançar em meio às adversidades do clima e à escassez de infraestrutura em uma região tão isolada.
A cidade-edifício já foi idealizada por outros arquitetos
Os edifícios no Alasca trazem à vida visões de arquitetos renomados, como Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, que buscaram, em suas respectivas obras, consolidar diversos usos em um único edifício. Esse conceito de compactar múltiplos programas em uma única estrutura ecoa nas unidades habitacionais em Ville Radieuse (Cidade Radiante), de Le Corbusier, e no projeto utópico do arranha-céu “The Illinois” de Frank Lloyd Wright.
A Cidade Radiante foi um plano urbano apresentado pela primeira vez em 1924 e posteriormente publicado em seu livro homônimo, lançado em 1933. O projeto visionário tinha como objetivo criar uma cidade do futuro que incorporasse eficiência nos meios de transporte, abundância de espaços verdes e aproveitamento da luz solar. Le Corbusier não apenas aspirava a proporcionar uma qualidade de vida superior para os habitantes, mas também a contribuir para a construção de uma sociedade melhor.
No plano de Le Corbusier a ideia central era dividir a cidade de forma muito organizada. Ele queria separar áreas para diferentes fins, como comércio, negócios, lazer e residências. A área de negócios ficaria no centro da cidade e teria prédios muito altos, chegando a 200 metros de altura, que poderiam abrigar entre cinco e oito mil pessoas cada um. No meio desse distrito de negócios haveria uma grande estação de transporte, de onde um sistema de trens subterrâneos levaria as pessoas para os bairros residenciais ao redor.
Nos bairros residenciais, os edifícios seriam feitos de apartamentos pré-fabricados chamados de “Unités”. Esses prédios teriam cerca de 50 metros de altura e uma única “Unité” poderia abrigar até 2,7 mil pessoas, funcionando como uma espécie de vila vertical. No térreo, haveria restaurantes e lavanderias, enquanto no topo teria um jardim de infância e uma piscina. Entre esses edifícios, haveria espaços verdes, o que permitiria que os moradores aproveitassem ao máximo a luz natural, além de minimizar o barulho e oferecer áreas de lazer bem próximas de casa.
Já o projeto The Illinois, de Frank Lloyd Wright, foi idealizado como uma estrutura de uso diversificado, com o objetivo de promover a urbanização vertical em vez de horizontal. Oferecia uma área bruta quase três vezes maior que a do Pentágono e mais de sete vezes a área do famoso Empire State Building, por exemplo, destinando-se a acomodar escritórios, hotéis, residências e estacionamentos. Frank Lloyd Wright argumentava que esse edifício poderia centralizar todos os escritórios governamentais que estavam dispersos pela cidade de Chicago na época. O propósito do único arranha-céu era liberar espaço no nível do solo, eliminando a necessidade de construir outros arranha-céus de grande porte nas proximidades.
Uma solução para a densidade urbana?
Embora não alcance o objetivo de criar uma “cidade inteira”, como acontece em Whittier, o complexo de arranha-céus De Rotterdam, na Holanda, projetado por Rem Koolhaas, abriga residências, escritórios, um hotel e um restaurante. Isso levanta uma questão intrigante sobre a densidade urbana e se este tipo de empreendimento pode ser a solução. Alguns argumentam que, na verdade, De Rotterdam exemplifica o conceito de arcologia.
A arcologia é uma ideia do arquiteto Paolo Soleri, que envolve a criação de comunidades autocontidas e autossuficientes dentro de estruturas verticais. Essas estruturas integram residências, espaços de trabalho, comércio e lazer em um ambiente harmonioso, reduzindo a necessidade de deslocamentos e minimizando o impacto ambiental.
Enquanto Whittier, no Alasca, serve como um exemplo impressionante de uma comunidade compacta e autossuficiente dentro de um único edifício, outros empreendimentos, como De Rotterdam, exploram conceitos semelhantes, mas podem não atingir a mesma escala ou nível de integração.
Esses projetos têm suscitado debates frequentes entre arquitetos, urbanistas e ambientalistas sobre a eficácia de tais abordagens para enfrentar os desafios da densidade urbana e promover a sustentabilidade. À medida que as cidades continuam a se expandir, o equilíbrio entre desenvolvimento urbano, qualidade de vida e sustentabilidade permanece como uma questão crucial a ser abordada pelos planejadores e arquitetos do século XXI.
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