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De atitude! Acessibilidade atitudinal é premissa para inclusão de fato
Para a consultora Samara Lopes Barbosa, a barreira atitudinal é uma das principais enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
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Ana Cecília Panizza em 27 de agosto de 2024 7minutos de leitura
Samara Lopes Barbosa (Foto: Divulgação)
É comum a educadora e consultora especialista em inovação, educação e inclusão Samara Lopes Barbosa ouvir de empresas que a contratam para elaboração de planos de acessibilidade em eventos: “nossa, a gente vai investir nisso e naquilo, e nunca vem ninguém”. Samara esclarece para o interlocutor: “Por que você acha que nunca vem ninguém? As pessoas ficam cansadas de tentar sair de casa e enfrentar tantas barreiras”. Mas para além da acessibilidade física, há uma menos visível mas tão importante quanto: a atitudinal.
Acessibilidade atitudinal é um conjunto de práticas, atitudes e comportamentos que promovem a plena participação das pessoas com deficiência da vida em sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Acessibilidade atitudinal está, portanto, no âmbito do comportamento: busca garantir que as pessoas com deficiência sejam tratadas sem preconceitos, estereótipos e estigmas. Para Samara, que é cofundadora da consultoria Diversifica, essa é uma das principais barreiras. Barreiras que viu de perto ao se tornar mãe de uma criança com baixa visão, o que a levou a se aprofundar no tema. Mestre em Engenharia de Produção, pós-graduada em Training of Trainers pela Universidade de Tampere (Finlândia), especializou-se em Inclusão da Pessoa com Deficiência pela PUC-Rio e hoje é coordenadora do curso de pós-graduação em Diversidade e Inclusão nas Organizações na HSM University, além de palestrante e facilitadora de cursos e treinamentos nos temas de inclusão, gênero, acessibilidade e gerações. Em entrevista ao Habitability, ela fala sobre as barreiras e a acessibilidade, em suas diversas facetas.
Como ampliar a acessibilidade atitudinal no Brasil?
Samara Lopes Barbosa: Gostei muito dessa pergunta. Acessibilidade atitudinal é uma das principais barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam. Na LBI (Lei Brasileira de Inclusão), que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, em que o Brasil acolhe a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência de 2006, ele nomeia seis tipos de barreiras que as pessoas enfrentam. A barreira atitudinal é uma das que reforçam as demais.
Como você define a barreira que impede a acessibilidade atitudinal?
Samara Lopes Barbosa: Barreira atitudinal é olhar para alguém com deficiência e achar que aquela pessoa não é capaz ou que não tem – ou não deveria ter – os mesmos direitos e as mesmas oportunidades de uma pessoa sem deficiência. Obviamente isso nem sempre é dito de forma deliberada, mas é um pensamento que vem inclusive do modelo da deficiência. Os modelos mais antigos, de pensar a deficiência como doença, os manicômios, os lugares de institucionalização das pessoas, eram repletos de pessoas com deficiência porque se achava que essa pessoa não deveria conviver ou pertencer, que ela é uma coitadinha, um inválido. Isso vem reforçando muito o discurso capacitista das pessoas e reforçando essa barreira atitudinal. Dado esse contexto, como podemos fazer para reverter isso? Para mim não há outro caminho que não seja a convivência.
De que formas e por que a convivência contribui para a acessibilidade atitudinal?
Samara Lopes Barbosa: Quando a gente convive com algo que é diferente, a gente passa a naturalizar. E aí eu trago minha experiência. Eu tenho uma filha com deficiência – e toda mãe de criança com deficiência peregrina muito por salas de médicos e de reabilitação. Nesse percurso, eu encontrava muito com mães de outras crianças com deficiência e isso foi desmistificando para mim essa questão de olhar a deficiência como um fim de linha, como: “ah, que coitadinha, uma criança na cadeira de rodas”. Ainda hoje as pessoas têm essa percepção por falta de convivência. Então, um ponto seria de fato a gente ampliar a convivência – e isso começa na escola. Colocar as pessoas com deficiência em escola regular é um caminho importantíssimo para conseguirmos trazer as pessoas para a participação social e, assim, aumentar o convívio delas com toda a sociedade.
Como estimular a convivência?
Samara Lopes Barbosa: Fazer isso de maneira intencional, por meio de sensibilização e treinamento, que é o que faço na Diversifica hoje. Recomendar que as pessoas leiam, sigam perfis de pessoas com deficiência para entender a realidade dessas pessoas e ver que não é algo assim tão fora daquela realidade que a gente pensa, não é uma vida de coitadinho. Uma colega cadeirante, consultora na Diversifica, fala: “Samara, tenho às vezes a sensação de que as pessoas acham que não tenho nem o direito de ser feliz por eu ser uma mulher cadeirante. É como se eu tivesse só a opção da tristeza porque eu não consigo andar. E elas não entendem, por serem pessoas que andam, que a cadeira de rodas também pode trazer autonomia para uma pessoa cadeirante, desde que ela tenha garantida a eliminação das barreiras”. Ela disse uma coisa muito interessante: “na minha casa eu não vivo a deficiência”. A minha filha, por exemplo, que tem deficiência visual, não vive a deficiência na nossa casa. Até na escola dela, por todas as adaptações feitas, mas em alguns lugares em que ela chega, onde não foi pensada a acessibilidade, ela vive a deficiência, mas vive não por ser uma pessoa deficiente, mas porque o ambiente é deficiente de pensar na eliminação dessas barreiras. A gente precisa ser mais intencional no convívio com as diferenças para que a gente possa perder o medo e naturalizar esse convívio pensando em toda a diversidade humana.
A legislação também é importante para ajudar a eliminar essas barreiras?
Samara Lopes Barbosa: Ampliando esse escopo do que mais a gente poderia fazer para ampliar a acessibilidade atitudinal no Brasil, é a garantia do cumprimento da legislação, porque ela prevê isso. Então, se eu convivo com crianças, meus filhos já convivem com crianças com deficiência na escola. Se a lei de cotas no trabalho for cumprida, a gente vai começar a conviver com pessoas com deficiência no nosso trabalho. E a gente vai desmistificar, conseguir eliminar os vieses capacitistas. Temos que dar oportunidade de convivência e do conhecimento: as pessoas precisam ver mais protagonismo, mais representatividade de pessoas na mídia, nas propagandas, nos lugares que a gente frequenta, para que essa barreira atitudinal vá se diluindo, se modificando, numa perspectiva anticapacitista.
Outros tipos de acessibilidade (comunicacional, digital, pedagógica) estão relacionados à atitudinal. Uma delas é a acessibilidade arquitetônica, que é aquela que garante recursos que permitam a locomoção de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida, em qualquer espaço, com autonomia. Qual a importância dessa modalidade de arquitetura?
Samara Lopes Barbosa: A importância é fazer com que a acessibilidade atitudinal possa acontecer. Veja que uma alimenta a outra. Porque se tenho impedimento físico para as pessoas frequentarem os ambientes, não há convivência. Eu escuto muito quando faço planos de acessibilidade para empresas e eventos: nossa, a gente vai investir nisso e naquilo, e nunca vem ninguém. Daí eu pergunto: por que você acha que nunca vem ninguém? As pessoas ficam cansadas de tentar sair de casa e enfrentar tantas barreiras. Tem barreira desde o transporte; nossas calçadas são horríveis! Então, se não tem acessibilidade física, a gente também não consegue quebrar as barreiras atitudinais que possam acontecer, porque não temos oportunidade de conviver com as pessoas.
E quebrar barreiras pode ser benéfico não só para as pessoas com deficiência.
Samara Lopes Barbosa: Uma coisa que acho curiosa é que as pessoas não se lembram de que as deficiências podem ser adquiridas, principalmente acima dos 60 anos. Aliás, mais da metade das deficiências são adquiridas ao longo do tempo (a pessoa não nasce com a deficiência), e isso acontece principalmente com pessoas idosas. Às vezes, quando ando pela cidade, por condomínios, e vejo uma casa linda, mas que tem uma escadaria enorme para subir, fico pensando: essa pessoa nunca imaginou que, um dia, pode não conseguir subir essa escada, seja porque ela quebrou um pé, seja porque está com alguma fraqueza muscular e precisa de cadeira de rodas ou está com a mobilidade reduzida. Então, a gente não pensa a sociedade para os grupos que não sejam padrão, mesmo pensando em uma pessoa idosa, em uma pessoa com força muscular mais comprometida, como a gente vai receber essa pessoa na nossa casa? E se eu for essa pessoa? A gente não prepara projetos arquitetônicos pensando no design universal, que é uma abordagem bem interessante para pensar acessibilidade arquitetônica.
O que é o design universal?
Samara Lopes Barbosa: O design universal tem vários princípios em que se tenta criar produtos, projetos e serviços de forma a atender a maior parte das pessoas. Então, uma rampa não atende só um cadeirante: atende uma mãe com carrinho de bebê, uma pessoa que quebrou o pé, uma pessoa que não tenha força para subir uma escada. Achamos que isso nunca vai acontecer com a gente e construímos prédios e arquiteturas muito inóspitas para as pessoas, que não têm um padrão normativo de mobilidade.
Quais os caminhos para incentivar a acessibilidade arquitetônica?
Samara Lopes Barbosa: Nossa legislação é bastante ampla. A NBR 9050 fala como fazer e a LBI fala o que tem que ser feito. Por exemplo, não se pode ter impedimento de as pessoas acessarem inclusive prédios históricos. As NBRs falam como deve ser feito: qual inclinação da rampa, qual deve ser a área de manobra para uma cadeira de rodas em um banheiro, que tipo de suporte precisa ter para a pessoa segurar, como vai ser o comunicado (se vai ter braille), tem que atingir pelo menos dois dos nossos sentidos. É preciso promover mais isso, principalmente nas escolas de arquitetura e engenharia. Fiquei sabendo, muito recentemente, que passa a ser obrigatória uma disciplina sobre acessibilidade no currículo das arquiteturas. Sou engenheira de formação e na engenharia nunca se falou sobre acessibilidade. Tem uma disciplina de ergonomia, mas fala do colaborador ou funcionário padrão que vai exercer determinada atividade, não se pensa exatamente em acessibilidade universal, para todas as pessoas. Isso precisa ser incluído nos currículos, nos cursos, ser fiscalizado.
Ampliar o debate sobre o tema seria um dos caminhos atualmente?
Samara Lopes Barbosa: Acho que cada um de nós tem que ter um papel, como cidadão e cidadã, de cobrar que essas leis sejam implementadas e fiscalizadas. Quando chego em um lugar e vejo que não está sendo respeitada a rampa de acesso à pessoa com deficiência, a vaga de estacionamento. Quando vou a um evento cultural com minha filha e não tem audiodescrição, vou lá e reclamo, faço denúncia – esse é nosso papel também, de cobrar, não é só de quem tem deficiência. Se eu quero uma sociedade inclusiva para todas as pessoas e eu quero que todo mundo possa ter esse direito, é nosso papel também, independentemente de eu ser ou não pessoa com deficiência, de colaborar para que essas leis sejam cumpridas, porque elas já existem.
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