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Desafio das cidades brasileiras é conciliar agendas ambiental e social, diz Rafael Greca
Sob o olhar do urbanista, prefeito de Curitiba, Rafael Greca, fala sobre a evolução da cidade que se tornou referência.
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Marcus Lopes em 9 de abril de 2024 10minutos de leitura
Rafael Greca (Foto: Levy Ferreira/SMCS)
Referência nacional e internacional em planejamento urbano, Curitiba ganhou recentemente o título de cidade mais inteligente do mundo. Conforme explica o prefeito da capital paranaense, Rafael Greca, uma cidade inteligente não é apenas tecnológica, mas aquela que usa a tecnologia como aliada para reduzir desigualdades sociais e promover o bem-estar do cidadão em todas as áreas da administração.
Em seu terceiro mandato como prefeito de Curitiba, Greca, que também é economista e engenheiro com especialização em urbanismo, procura conciliar, na administração municipal, a agenda de sustentabilidade ambiental e desenvolvimento social com os desafios de gerir uma cidade com mais de 1,7 milhão de habitantes. “Uma cidade só é boa se adotar soluções inovadoras que priorizem a preservação do meio ambiente, melhore a circulação urbana, estimule o transporte público, seja mais acolhedora e humana e disponibilize serviços inovadores que melhorem o dia a dia da população”, explica o prefeito, que chega ao último ano de mandato com um desejo: “Espero ser lembrado pelos curitibanos como o prefeito que cuida das pessoas”.
Membro concursado do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), criado na década de 1970, ele resgata a trajetória da cidade que hoje é referência mundial em diversos aspectos. Confira na entrevista a seguir, concedida com exclusividade ao Habitability.
Desde a década de 1970, Curitiba é conhecida por ser uma cidade diferenciada do ponto de vista urbano e referência em qualidade de vida. Na sua visão, o que permitiu à cidade alcançar esse status?
Rafael Greca – O reconhecimento conquistado por Curitiba é fruto de décadas de planejamento e compromisso em preparar a capital para os desafios do crescimento urbano. Em 1940, o prefeito Rosaldo de Mello Leitão trouxe para Curitiba o urbanista Alfred Agache. Dentro do princípio de reordenar a cidade com as funções de habitação, trabalho, recreação e circulação. Agache definiu um desenho de ossatura viária, com grandes eixos, bem como a implantação de alguns parques. O Parque Barigui, carinhosamente chamado de a praia dos curitibanos, é um deles.
Também foram contemplados no projeto de Agache o Centro Cívico, o Viaduto do Capanema, o primeiro de Curitiba, e importantes avenidas, como a Nossa Senhora da Luz, Wenceslau Braz, Arthur Bernardes e Presidente Kennedy. Mas o grande legado do Plano Agache é o recuo de cinco metros. Essa maravilhosa disposição urbanística obriga todas as casas dos bairros residenciais a recuarem cinco metros (no terreno), para abrigarem um jardim.
Em 1965, o prefeito Ivo Arzua Pereira também promoveu uma nova revolução urbanística em Curitiba. Ele foi o responsável pela elaboração do Plano Diretor, que tem relação direta com as inovações implementadas a partir dos anos 1970, e convidou engenheiros, urbanistas e arquitetos locais para discutirem Curitiba. Nascia ali o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), importante núcleo de pesquisa e planejamento urbano.
Quais os efeitos urbanísticos na cidade a partir da criação do Ippuc?
Rafael Greca – O planejamento urbano de Curitiba foi fundamentado sobre o tripé transporte coletivo, sistema viário e uso do solo, buscando a integração da estrutura física e funcional da cidade, além de direcionar o seu crescimento. O Plano Diretor proposto pelo Ippuc também previa a construção de grandes parques, a revitalização do centro, a industrialização, o zoneamento urbano, a regulação do solo, a melhoria da circulação urbana e a criação de vias estruturais, entre muitas outras iniciativas inovadoras.
Nos últimos anos, grandes cidades se inspiraram no sucesso de Curitiba em termos de gestão e planejamento urbano. Os resultados, porém, não foram satisfatórios comparados aos verificados na capital paranaense. O que faz a diferença de Curitiba?
Rafael Greca – Curitiba tem buscado promover o desenvolvimento harmônico da capital, por meio do planejamento, sensibilidade e criatividade, adaptando os conceitos básicos de urbanismo à dinâmica da cidade. Da Rua XV de Novembro, no Centro, primeiro calçadão exclusivo para pedestres do País, ao consagrado Bus Rapid Transit (BRT), passando pelas Ruas da Cidadania, criadas na década de 1990, e os 50 parques que se espalham por toda a cidade, tudo foi materializado a partir do seguinte princípio: uma cidade só é boa para seus habitantes se adotar soluções inovadoras que priorizem a preservação do meio ambiente, melhore a circulação urbana, estimule o transporte público, ofereça uma cidade mais acolhedora e humana e disponibilize serviços inovadores que melhorem o dia a dia da população. Nesse contexto, também podemos citar a Pirâmide Solar de Curitiba, primeiro parque fotovoltaico em um aterro sanitário na América Latina, e o Bairro Novo da Caximba, primeiro bairro inteligente do Brasil e maior projeto socioambiental da história recente de Curitiba.
O fato de a cidade ter sido administrada por urbanistas, como Jaime Lerner, e agora o senhor, foi um diferencial importante nas últimas décadas?
Rafael Greca – Nossa formação tem possibilitado uma visão mais estratégica, apurada e técnica sobre a cidade. Há 30 anos, entre 1993 e 1996, durante minha primeira gestão como prefeito de Curitiba, preparamos as bases para a revolução urbanística, social e de mobilidade, que minha atual gestão vem promovendo em nossa capital. Foi lá atrás que implantamos o biarticulado parando em estações-tubo nas estruturais e integramos as Ruas da Cidadania aos terminais de transporte. Também abrimos o primeiro restaurante popular do Brasil. Em 1993, abrimos a Pousada de Maria, pioneira no Brasil no acolhimento às mulheres vítimas de violências. E, no ano seguinte, criamos a Farmácia Curitibana, que garante até hoje aos curitibanos medicamentos gratuitos.
Em 2023, a cidade recebeu o título de cidade mais inteligente do mundo no World Smart City Awards, em premiação ocorrida em Barcelona, uma das referências mundiais em urbanismo. Quais os diferenciais que tornaram possível a vitória de Curitiba sobre outras cidades, algumas delas em países europeus?
Rafael Greca – Curitiba vem fortalecendo a construção da sustentabilidade urbana e todo o desenvolvimento que isso representa. As premissas de uma nova Curitiba valorizam e incentivam a intermodalidade no transporte urbano, a participação ativa do cidadão no seu deslocamento, o uso de energia limpa para veículos coletivos e equipamentos públicos e ações que garantam conforto, bem-estar, dignidade para todos. O cidadão é o centro das ações que constroem hoje a Curitiba do amanhã, com menos carros, ar mais puro, menos desigualdade social, paisagem urbana preservada e inovadora, além do trânsito sob controle. São iniciativas que aliam apoio ao crescimento econômico sustentável às pautas de impacto ambiental e social. É justamente esse conceito de smart city adotado por Curitiba que credenciou a capital paranaense a conquistar o título de Cidade Mais Inteligente do Mundo de 2023. A premiação agracia as cidades com políticas públicas, programas e ações de planejamento urbano inteligentes que impulsionam o crescimento socioeconômico e colaboram para a sustentabilidade ambiental. Não posso deixar de destacar que, desde 2018, Curitiba sedia a edição brasileira do Smart City Expo. Hoje, o evento da capital já é o segundo mais importante entre todos os eventos com a chancela de Barcelona.
Uma cidade inteligente não é apenas uma cidade tecnológica, e sim uma cidade inovadora. Como a gestão pública pode ser inovadora e como isso está sendo aplicado em Curitiba?
Rafael Greca – Cidades inteligentes são realmente inteligentes quando adotam soluções criativas e usam a tecnologia como aliada deste processo. A tecnologia não anda sozinha: é imprescindível trazer para as pessoas a compreensão dos problemas e o debate das soluções. Assim, temos reforçado nesses oito anos de minha gestão nosso compromisso em inovar com foco no futuro dos curitibanos, melhorando cada vez mais os serviços em áreas como saúde, educação, transporte público e combate à fome, apostando em energias renováveis e mobilidade ativa, ampliando os serviços públicos na palma da mão do cidadão e revitalizando ou ressignificando áreas urbanas.
Quais os grandes desafios atuais da gestão pública municipal, tanto em Curitiba como em outras grandes cidades brasileiras?
Rafael Greca – O Brasil é um país de dimensões continentais, com grandes diferenças sociais e econômicas. Mas a agenda da sustentabilidade precisa ser prioridade de todos os gestores públicos, como ocorre em Curitiba. O grande desafio é pensar soluções para as cidades, entre obras e serviços, que humanizem ainda mais os espaços públicos, melhorem a mobilidade urbana, com foco na multimodalidade do transporte, que recuperem o ambiente urbano, reduzam as emissões de gases e que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas. Também não podemos deixar de pensar na integração metropolitana.
A inteligência artificial também deve estar no radar dos administradores públicos?
Rafael Greca – Sim. Curitiba vai avançar ainda mais no uso da inteligência artificial em soluções que dinamizam o serviço público. Hoje, a tecnologia já está presente na Central 156, na Muralha Digital e no Hipervisor Urbano, na Procuradoria do Município, na gestão do trânsito e na comunicação. Agora, Curitiba sai na vanguarda da história mais uma vez, pois acelerará esse processo com a criação da Secretaria Municipal Extraordinária de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Inteligência Artificial (Sedeia).
Numa época de eventos climáticos extremos, o meio ambiente entrou definitivamente na pauta dos gestores públicos. Qual deve ser o papel desempenhado para amenizar os efeitos desses eventos extremos, já chamado de “novo normal” climático?
Rafael Greca – O debate e a adoção de políticas públicas que conciliem preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico devem caminhar juntos. Ainda há um longo caminho para que, no Brasil, todos pensem na construção de cidades sustentáveis. Os desafios são muitos, pois simultaneamente à agenda ambiental precisamos combater as desigualdades, a fome e dotar as cidades com infraestrutura mínima para que todos os brasileiros tenham uma vida digna. Nem todas as cidades do País têm, como Curitiba, 100% da população abastecida com água tratada e quase 98% com acesso à rede coletora de esgoto. Mas é indiscutível que vem ganhando força entre os gestores públicos brasileiros a busca por soluções que preservem o meio ambiente, à medida que se entende o tamanho das consequências do consumo exacerbado de recursos naturais e emissões de carbono no futuro do planeta e do ser humano.
Conquistamos recentemente o título de Capital Mais Igualitária do Brasil, pois buscamos inspirar e mobilizar toda a sociedade, seja o poder público, os cidadãos e as empresas, a juntar esforços na adoção de práticas que evitem o esgotamento dos recursos naturais, destruição da flora e da fauna, a crise climática e que garantam todos os benefícios que os moradores atuais usufruem, mas mantendo as cidades habitáveis para as gerações futuras.
O que Curitiba, conhecida pela qualidade de vida, tem feito em relação à promoção da sustentabilidade ambiental e bem-estar dos seus habitantes?
Rafael Greca – A preocupação com o meio ambiente está no DNA de Curitiba. Nossa capital realiza a reciclagem do lixo desde os anos 1990, muito antes de o assunto ser discutido no Brasil. Em Curitiba, a média de reciclagem dos resíduos é de 22,5%, bem acima dos 3% da média nacional. Por mês, em média, são cerca de 1.700 toneladas de resíduos reciclados. Programas como o Lixo que Não é Lixo, para a separação correta dos recicláveis, e campanhas como Família Folhas, que ensina como as pessoas podem ser mais sustentáveis, são exemplos de como a cidade construiu esse sentimento de cuidado com o meio ambiente e sustentabilidade na população.
Curitiba também é referência nacional e internacional em transporte público de qualidade e com acesso universal, sendo o mais integrado do Brasil. Tudo para estimular o cidadão trocar o transporte individual pelo coletivo, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa. Na década de 1970, a capital implementou o Bus Rapid Transit (BRT), uma inovação curitibana presente em mais de 250 países pelo mundo e que busca reduzir a poluição, o ruído e o congestionamento de tráfego, resultantes da dependência dos automóveis particulares na mobilidade nos centros urbanos. Outro ponto crucial das grandes metrópoles é a mobilidade. Há exatos 50 anos, Curitiba criou os corredores exclusivos de ônibus. A iniciativa inspirou a criação dos BRTs em outras cidades do País e do mundo.
Passados tantos anos, como está a questão da mobilidade urbana em Curitiba atualmente? Quais os desafios?
Rafael Greca – A evolução do BRT tem sido permanente e agora atingirá um novo patamar com o processo de eletrificação da frota de ônibus. Temos o melhor sistema de transporte público do Brasil, o mais integrado. Agora, precisamos mudar a matriz dos combustíveis fósseis para a propulsão elétrica. A Prefeitura de Curitiba está comprando, com investimento próprio de R$ 317 milhões, 70 ônibus elétricos, que entram em circulação a partir de 2024. Um passo muito importante no caminho de descarbonização da frota do transporte coletivo.
Com o programa Caminhar Melhor, estamos valorizando ainda mais o pedestre com a renovação de calçadas acessíveis desde 2019. Já o Plano Cicloviário de Curitiba oferta o serviço de 500 bicicletas compartilhadas e mais de 280 km de ciclovias – tudo para estimular o curitibano a deixar o carro na garagem.
Em termos administrativos, o que o senhor pretende priorizar neste último ano de gestão?
Rafael Greca – Pretendo acelerar a passagem de Curitiba para a matriz verde plena. Tudo com planejamento, estratégia e dentro da responsabilidade fiscal. Vamos chegar às 500 mil árvores plantadas, dentro de um desafio que teve início há cinco anos. Inicialmente, seriam 100 mil árvores, mas a adesão da população tem sido tão extraordinária que, ano a ano, temos renovado. Também vamos inaugurar mais três parques, que hoje já totalizam 50 espaços verdes. Curitiba ainda incentiva, por meio da criação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal, a preservação de áreas verdes articulares. Tudo isso resulta em mais de 60 metros quadrados de área verde por habitante, quando o mínimo recomendado pela OMS é de 12 metros quadrados por habitante.
Também estamos entregando mais terminais autossustentáveis de energia, equipados com painéis fotovoltaicos, dentro do programa Curitiba Mais Energia, que visa popularizar o uso da energia limpa na cidade. Em 2023, inauguramos o primeiro parque fotovoltaico em um aterro sanitário desativado no América Latina, a Pirâmide Solar de Curitiba. A energia limpa gerada pela Pirâmide Solar já é responsável por 30% do consumo dos prédios públicos do município, representando para os cofres públicos uma economia de R$ 2,6 milhões por ano, que poderão ser revertidos em benefícios à população, como a construção de um CMEI ou subsidiar mil refeições por dia no Mesa Solidária, durante um ano e meio.
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